Há 48 anos, atingia-se o ápice da supressão de direitos ocasionada pela ditadura militar brasileira. No dia 13 de Dezembro de 1968 era promulgado o Ato Institucional Número 5, conhecido como AI-5. Voltemos, por um breve momento, ao período antecedente à ditadura militar.
Na década de 60, o Brasil vivia um momento de afirmação como nação independente e soberana. O presidente conservador e anticomunista Jânio Quadros renunciou, em 1961, dando lugar a João Goulart, seu vice, cujas tendências ideológicas eram declaradamente comunistas, que só usufruiu de todas suas atribuições em 1963 – vale lembrar que, à época, presidente e vice-presidente eram votados separadamente.
A dicotomia originada por EUA e União Soviética durante a Guerra Fria dividia o país entre favoráveis às medidas de esquerda e anticomunistas; ou, de maneira mais clara, entre a cruz e a espada. Neste cenário de instabilidade política e insurgência do movimento reacionário, ocorreu a tomada do poder pelos militares em 1964 – tendência verificada na América Latina deste período.
Nos primeiros anos do governo militar, apesar da forte repressão e dos atos institucionais já existentes, era cada vez maior a revolta da população contra o Regime então instituído. Universitários, intelectuais, trabalhadores, artistas e políticos rebelavam-se de maneira exponencial contra o totalitarismo dos governantes.
Como tentativa de subjugar ainda mais o grande número de descontentes idealizou-se a mais rígida das medidas: o AI-5. O ato foi redigido pelo Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva e assinado, em 1968, pelo presidente Arthur da Costa e Silva.
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Sobrepondo a Constituição de 1967 – a qual Costa e Silva jurou respeitar ao ser empossado – o AI-5 constituía uma série de poderes dados ao Presidente da República, tais como o fechamento da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas e das Câmaras dos Vereadores; o Poder Executivo assumiria, então, as funções destas. Além disso, era permitido que o chefe do Executivo interviesse arbitrariamente nos estados e municípios. Todo cidadão poderia ter seus direitos políticos cassados por dez anos, além da cassação dos mandatos de deputados federais, estaduais e vereadores. Ficou instituída, ainda, a suspensão do direito a habeas corpus para o que fosse denominado como “crime político” contra a ordem econômica e segurança nacional. Pelo Ato era dado, também, o poder de censurar jornais, revistas, obras artísticas, literárias e a proibição de manifestações de cunho político.
Devido à intenção de reprimir o movimento comunista, era inerente ao regime militar a natureza autoritária. Isto, somado ao caráter desenvolvimentista e nacionalista (também inerente à natureza militar) resultou em um controle econômico e social, trazendo à tona o pior de dois mundos.
Hayek, no sétimo capítulo de sua obra “O Caminho da Servidão”, elucida de maneira singular por que o controle econômico leva, inevitavelmente, ao totalitarismo. Muitas vezes atrelamos as questões econômicas à questões de segunda ordem, tratando-as como sinônimo de materialismo e até mesmo desinteresse pela natureza humana. Entretanto, tal qual demonstrado por Hayek, todos os nossos objetivos partem do pressuposto da utilização de meios escassos para consecução de fins complexos e, na verdade, esta percepção de “segunda ordem” de importância se deve ao fato de possuirmos liberdade econômica o suficiente para poder focar em objetivos de ordem superior, pois nossas prioridades básicas já foram satisfeitas. Vale traçar um paralelo, também, à filosofia de Crusoé abordada por Rothbard em “A Ética da Liberdade”, argumento reducionista capaz de demonstrar como os interesses humanos progridem, desde as prioridades básicas até objetivos extremamente complexos. Desta forma, uma vez dado a um planejador central o controle da atividade econômica, este irá, inexoravelmente, controlar direta ou indiretamente os recursos escassos, elegendo prioridades que ele considera corretas e excluindo as “incorretas”. A conclusão deste argumento não carece de grande capacidade dedutiva: em certo tempo de planejamento, o governo irá nos dizer o que, supostamente, é bom ou ruim, e não teremos mais liberdade de escolha, inclusive nos âmbitos sociais (educação, saúde, segurança, profissão, etc.), levando ao impedimento completo da busca por felicidade.
No que se refere ao controle social o assunto é ainda mais direto e absurdo. A violação direta dos princípios lockeanos de direitos naturais, como, por exemplo, o uso e reconhecimento do corpo como propriedade individual e forma de expressar-se sem restrição coercitiva e legal determina, invariavelmente, o quão violento, ilegítimo e imoral foi o regime militar. De que outras maneiras podemos combater ideias se não com ideias? A supressão do diálogo acarreta, diríamos, no fortalecimento a médio/longo prazo das ideias suprimidas, como pode ser verificado no Brasil atual. Neste caso conclui-se: além de desumano e violento, o regime caracterizado pela histeria anticomunista não trouxe resultado prático algum.
É necessário, enfim, que períodos amargos como estes sejam lembrados, discutidos e repudiados. Não se pode, de forma alguma, permitir ao esquecimento a possibilidade de ressurreição do horror ocasionado por regimes centralizados e planificadores, seja de qual lado for.
Autor: Kaoma Razia, estudante de Engenharia Elétrica na UFSM e Coordenador de Comunicação do Clube Farroupilha.