Sou chamado a responder rotineiramente a duas perguntas. A primeira é ‘haverá saída para o Brasil?’. A segunda é ‘que fazer?’. Respondo àquela dizendo que há três saídas: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. A resposta à segunda pergunta é aprendermos de recentes experiências alheias.

A frase acima, do agora falecido economista Roberto Campos, é uma definição tão precisa do Brasil hoje quanto era no ano de 1998. O país da ascensão da classe C, dos commoditiesdo Pré-Sal e do carnaval pouco se diferencia de um pavão: apesar de belo, só é capaz de voos curtos, e enquanto pode parecer grande, essa aparente imponência é sustentada por ossos ocos.

Acompanhe abaixo o que torna o Brasil o país da piada pronta, que não se leva a sério, que para dois pesos tem duas medidas e que se nada mudar será para sempre o país do futuro.

1. Você é muito mais rico do que imagina

O grande mérito dos governos Lula e Dilma foi a ascensão no Brasil da classe C. O país, dizem eles, hoje tem mais da metade da população na classe média. De fato, é fascinante que tantas pessoas tenham se juntado a este grupo, e isso é algo elogiável. O mais fascinante, porém, é que um político consiga dizer isso com uma cara séria. Afinal, o que significa ser “classe média” no Brasil?

O próprio Banco Mundial usa como fonte os dados nacionais, respeitando o padrão de pobreza e riqueza daquele país. Segundo dados da instituição, a pobreza no Brasil caiu de 30,8% em 2005 para 21,4%,o que seria algo louvável, se o conceito de classe média para o governo brasileiro não estivesse baseado em manipulações estatísticas.

O que é, então, a classe média para o governo brasileiro? Como pode ser visto aqui e aqui, o cidadão é aquele com renda mensal per capita entre 291 – menos do que o salário mínimo – e 1.019 reais está na classe média. Sim, segundo o governo, uma família de 5 pessoas e renda de 1.500 reais está na classe média, embora isso baste apenas para a sua sobrevivência. Ótimo, sabemos os valores nacionais, então qual o padrão internacional de classe média? Segundo a consultoria internacionalmente reconhecida, Ernst & Young (EY), o conceito de classe média consiste no cidadão que ganhe, pelo menos, US$10,00 por dia, mais ou menos o salário mínimo Brasileiro. Desse modo, cai de 53% para 41% o número de brasileiros na classe média, o que corresponde a cerca de 23 milhões de pessoas que voltam a situação de pobreza. No gráfico abaixo temos a distribuição da população brasileira por faixa de renda, segundo dados oficiais:

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Pode-se ver que, enquanto houve uma drástica redução da extrema pobreza – menos de 2 dólares por dia, algo como 150 reais por mês – e um aumento expressivo da população com renda mensal de 300 e 700 reais, a ascensão para o padrão internacional de classe média (consideremos como mais de 700 reais por mês) foi baixo. Baixando-se o padrão, os índices melhoram, chegando ao ponto de 50% dos moradores de favelas serem considerados “classe média”.

Posso ser criticado pela seleção a dedo dos meus dados. Ora, a renda aqui talvez tenha poder aquisitivo maior do que no Exterior! É verdade, então usemos outro indicador: o consumo de calorias diário per capita. Os dados oficiais (no caso, os da SAE) tratam como classe baixa qualquer pessoa que não consiga consumir 1,85 mil kcal por dia, o mínimo.

Sem título

Eis a comédia: Talvez você não se lembre, mas antes de 2003 os rótulos de alimentos baseavam as suas informações nutricionais em uma dieta de 2.500, conforme a RDC Nº 40, DE 21 DE MARÇO DE 2001, porém, no ano de 2003 a RDC nº 40 foi revogada pela RDC- no. 360, que entre outras disposições, baixou o consumo recomendável de calorias diário para 2.000, contrariando, por exemplo, o disposto pelos órgãos de saúde britânico e americano, que sugerem consumo entre 2.500 e 2.700 calorias diárias. Ademais, o relatório da SAE diz com todas as palavras que o padrão tradicional de necessidades calóricas é de 2,1 mil kcal por dia, e admite, novamente com todas as palavras, que se esse padrão fosse utilizado, a maior parte da população brasileira viveria abaixo da classe média e, portanto, é necessário baixá-lo. Ainda mais hilário: quem tem renda mensal per capita inferior a 317 reais não consegue se alimentar, mas mesmo assim eles mantém a classificação válida para qualquer valor maior do que 291 reais. Se você, leitor, está com uns quilinhos a mais, aposto que deve pagar imposto de renda e ser considerado rico pelo governo.

2. Ninguém mais confiará no Brasil

“Ninguém” talvez seja um exagero (pelo menos até morrerem Delfim Netto e Maria da Conceição Tavares), mas com certeza o número de pessoas com fé no país está diminuindo, tanto dentro quanto fora de nossas fronteiras. Os motivos novamente beiram ao ridículo: desequilíbrio do orçamento, pouca credibilidade do setor financeiro nacional e Guido Mantega. Sim, um nome sozinho está afastando investimentos do Brasil, ao ponto que a respeitada revista The Economist recomendou a troca de chefia de seu Ministério não uma, mas duas vezes.

Antes de especulação sobre o país, políticas “neoliberais” ou interesse internacional, a perda da confiança é muito bem embasada. Diferente, por exemplo, da China, que vive em desaceleração do crescimento e tem inflação alta, porém dentro da previsão do Partido Comunista, o Brasil cresce a ritmo baixo e absolutamente diferente da previsão do governo, enquanto a inflação, ainda que não seja particularmente alta, requer congelamento de tarifas para não ultrapassar o topo da meta. Os investidores fogem daqui para paragens mais seguras e nós seguimos em marcha lenta para o futuro.

Outro elemento central é a deterioração das contas. A nota de crédito do Brasil – basicamente, refere-se à capacidade do país de dar retorno a investimentos e aplicações financeiras – foi rebaixada por causa da perda na credibilidade dos dados do governo. Enquanto a promessa para o superávit primário – dinheiro usado para pagamento de juros e amortização da dívida nacional – era de 2,4% do PIB, em 2013 ele foi de apenas 1,9%, agravando mais o endividamento do setor público.

A falta de confiança também vem de dentro: Março foi o primeiro mês em três em que houve aumento da confiança dos consumidores. A falta de investimento em infraestrutura evita não só que os estrangeiros venham, mas que os brasileiros abram e expandam negócios. Mesmo que fosse barato produzir algo aqui (e não é), as péssimas estradas, combustível caro e portos travados não são grande incentivo.

3. 1984 em 2014

A famosa obra do socialista inglês George Orwell, 1984, fala de uma sociedade distópica onde o governo é composto por quatro ministérios: o Ministério da Paz, do Amor, Fartura e Verdade. Ainda que o Brasil não possua equivalente dos ministérios da Paz (responsável pela guerra) e do Amor (espionagem e tortura), é clara a existência de órgãos análogos aos outros dois.

O Ministério da Fartura é, na literatura orwelliana, responsável pela publicação de números exagerados de produção, além do racionamento e de um otimismo típico. Não é difícil associá-lo ao Ministério da Fazenda e ao Ministro Guido Mantega. Os dados sempre fantásticos – crescimento de 4% ao ano, inflação de 3%! – são sua marca registrada, e assim como em seu equivalente fictício, toda e qualquer escassez ou privação que existe no país tem duas explicações possíveis: ou a situação internacional, ou ganância e estupidez de uma classe indesejada.

O racionamento ou equivalente controle direto da economia é menos óbvio mas existente. O risco de racionamento de energia elétrica é real, apesar de ser, previsivelmente, considerado secundário por Mantega – tudo culpa da chuva, é claro. A petrolífera Petrobrás é obrigada a vender gasolina abaixo do preço de mercado para que se contenha a inflação (que é, obviamente, diminuída pelo Ministro). Se você acha pouco, leitor, lembre-se que a Presidente Dilma chegou ao absurdo de criar um comitê de fiscalização de preços para a Copa do Mundo – é a volta da SUNAB! Sim, aquela mesma, que aumentava e diminuía preços. Será que depois do vexame dos fiscais do Sarney nós teremos os fiscais da Rousseff?

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E  o Ministério da Verdade? Ele não existe como uma entidade, mas mais como uma política de governo. A sua função, em 1984, era falsificar dados, censurar e reescrever a História. A falsificação de dados se vê na infindável farra de dossiês. A reescrita da História é clara na Comissão da Verdade, que se foca na meia-verdade e se contenta em julgar os crimes do Estado contra e população, mas não dá população contra ela mesma, como no caso do terrorismo. Quem iria querer uma presidente julgada por terrorismo? Pior ainda, como ficaria sua imagem se todos soubessem que ela, democraticamente eleita, queria trocar uma ditadura por outra?

Outra atribuição desse Ministério é a criação de uma nova língua – a novilíngua. Particularidades à parte, há nela a palavra negrobranco, que se refere a uma lealdade tal que a pessoa está disposta não só a afirmar como a sinceramente acreditar que uma coisa é igual ao seu oposto. Parece absurdo, mas não é. Vejam o sistemas de cotas: todos somos iguais, e para nos tornarmos mais iguais, damos mais acesso a certo grupo. Apesar da igualdade, eles não podem prestar a mesma prova ou pelo menos não concorrer às mesmas vagas, por quê isso seria discriminatório ao não levar em conta a trajetória histórica daquele grupo. Em outras palavras, não discriminar é discriminação, e se eu quiser não discriminar, precisarei discriminar.

A questão é, portanto, mais complexa do que aparenta ser. É preciso ir mais fundo nos dados do que o governo gostaria, e logo se vê o que não pode ser escondido: sua manipulação e escolha seletiva. Somente quando conscientes da realidade poderemos fazer algo para mudá-la, pedirmos nas ruas as coisas certas e escolhermos nas urnas os candidatos corretos. Esta não é uma defesa a determinado partido ou um ataque a outro, senão uma denúncia da situação. Após tantos anos de inflação altíssima, crescimento minúsculo e censura, o brasileiro parece apático e conformado com a situação, se limitando a balbuciar as mesmas frases de sempre: sempre foi assim, todo o político é ladrão, Brasil é Brasil. A propaganda militar, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, nunca soou tão apropriada, pois só quem muito ama esta terra – ou muito pouco ama a si mesmo – gosta de viver aqui.

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Guilherme Dalla Costa é acadêmico de Economia na UNIFRA, e escreve para o site do Clube Farroupilha.

Fabrício Sanfelice é acadêmico de Direito na UNIFRA, e escreve para o site do Clube Farroupilha.

As informações, alegações e opiniões emitidas no site do Clube Farroupilha vinculam-se tão somente a seus autores.

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