Franz Oppenheimer, sociólogo alemão que viveu entre os séculos XIX e XX, costumava dizer que existem duas maneiras de se adquirir riqueza. A primeira delas é gerando riqueza, através de trocas voluntárias. A segunda é parasítica, imoral e suja, roubando todos àqueles que vivem de maneira pacífica. Para que um grupo minoritário possa viver à segunda maneira é necessário que este grupo tenha o apoio da maioria da população. Este apoio se dá, também, de duas formas: a primeira é um apoio entusiasmado, a segunda é uma resignação passiva. Quando as pessoas simplesmente consentem, a equação é simples: o estado infla-se cada vez mais e a espoliação legal, que antes trazia todos os rendimentos, agora é insuficiente para sustentar todo o aparato estatal. Desta maneira, se faz necessário um modo alternativo ─ também ilegítimo, mas sem a máscara da legalidade  ─ para a aquisição de proventos.

No dia 17 de março de 2014 se iniciava a maior Operação de combate à corrupção do Brasil. Sob o comando do Juiz Sérgio Moro, a Operação Lava-Jato conta mais de 100 condenações e penas que passam de 1000 anos quando somadas.  Devemos pensar que após assinada a delação da Odebrecht ainda estamos longe do desfecho, certo? Talvez não.

A Lava-Jato foi essencialmente espelhada na Operação Mãos Limpas, investigação italiana que buscava desmantelar esquemas de corrupção envolvendo partidos políticos e grandes corporativistas. De maneira bastante similar à prima brasileira, a Mãos Limpas focava, principalmente, em licitações irregulares e esquemas de favorecimento entre empreiteiras e partidos políticos. Baseada na confiança mútua entre a Lei e a população, era natural que após o desfecho de cada fase da investigação os dados fossem divulgados publicamente.  A operação durou 4 anos, investigou mais de 6000 e prendeu 2293 pessoas, tendo, ainda, acabado com os 4 maiores partidos políticos da Itália à época.

Embora aclamada pela maioria esmagadora da população, investigações como a Lava-Jato e Mãos Limpas causam grande desconforto para a elite política, afinal, não é nada lucrativo para os sugadores de impostos existir uma grande estrutura que investiga, pune e coage trocas de favores ilícitos amparados no descaso ao dinheiro dos cidadãos e ao apego à máquina pública.

Neste cenário, na madrugada do dia 30/11/16, a Câmara dos Deputados votou e aprovou o texto-base do Projeto de Lei 4860/16, onde, na prática, desfigurou a proposta inicialmente batizada de “Dez Medidas Contra a Corrupção”, proveniente de campanha feita pelo Ministério Público Federal, que contou com mais de dois milhões de assinaturas. Das dez medidas iniciais, apenas uma não foi alterada, e o pior: além de flexibilizar a punição aos corruptos a tentativa é, agora, perseguir investigadores pelo que, segundo eles, caracteriza abuso de poder.

Algumas das medidas suprimidas foram:

  1. Tornar crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos.
  2. Proposta que previa acordo de leniência entre empresas envolvidas em crimes.
  3. Mudança do Código Penal para que, entre outros, o tempo contabilizado para prescrição corra enquanto se espera recursos no Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
  4. Confisco alargado, onde se compararia o patrimônio comprovadamente lícito e o patrimônio total de um condenado definitivamente.
  5. Cassação dos registro de partidos políticos
  6. Acelerar andamento de processos civis relativos à corrupção.

A verdadeira intenção é simples e escancarada: Encerrar a Lava-Jato e blindar corruptos em crimes futuros.

Esta violação das instituições democráticas e de princípios fundamentais como o Estado de Direito nos mostra de maneira extremamente clara a fragilidade dos pilares que, não só nos apoiamos, mas depositamos todo nosso peso. Hayek, embora defensor ferrenho deste princípio, alertou: é impossível atingirmos um sistema onde o respeito ao Estado de Direito seja, tal qual ele disse, “ideal”.

Rothbard, em toda sua genialidade, foi além. Segundo ele, o Estado tende, inevitavelmente, a expandir seus domínios ─ sejam físicos, políticos ou econômicos ─ e a Lei, que é previamente idealizada de modo a garantir a justiça na relação entre indivíduos torna-se, no andar da carruagem, um meio através do qual se legaliza ações ilegítimas. Ora, se partimos da premissa de que a lei é naturalmente justa, tudo o que estiver nela incluso é, por conseguinte, justo também. Este clima caótico de fé cega ao positivismo jurídico aliado a grandes poderes concentrados em pouquíssimas mãos, além da falta de segurança jurídica, torna o estado brasileiro um safespace para que, de fato, apenas os piores cheguem e permaneçam no Poder.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas teve um fim bastante triste. Com a desmobilização da população frente à investigação, políticos passaram a, assim como se tenta agora no Brasil, buscar meios legais de se blindar. A influência e perseguição da máfia aos investigadores também contribuiu para o fim da investigação ─ tendo em seu caso mais notório o atentado que levou à morte do Juiz Giovanni Falcone.

Aqui no Brasil a situação também é grave. Embora a Lava-Jato seja amplamente respaldada pelos brasileiros, a corrupção generalizada dirige os esforços individuais da grande maioria dos políticos a um objetivo comum: Salvar a própria pele. O que se necessita, neste sentido, é manter os olhos voltados ao verdadeiro inimigo enquanto se trava de modo conjunto uma luta ─ longa, árdua e nobre ─ contra a espoliação, o estado inflado e o poder centralizado.

 

Autor: Kaoma Razia, estudante de Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Santa Maria.

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