No início do século XIX, a homossexualidade era considerada uma doença. A atração, o desejo pela pessoa do mesmo sexo, era vista como uma aberração. Naquela época, o “homossexualismo” era um comportamento marginalizado pela sociedade, que muitos procuravam esconder e outros fingiam não enxergar. Ao sustentar a existência de uma “sexualidade natural” no ser humano, o imaginário judaico-cristão dominante no Ocidente cristalizou e isolou as expressões da sexualidade, como se tais manifestações possuíssem realidades concretas. O passo seguinte foi a criação de nomenclaturas para descrever, classificar e etiquetar as práticas sexuais. Foi também em referência à sexualidade natural que surgiu a noção de normal, que como toda norma, é um construto teórico, logo ideológico, oriundo do imaginário sociocultural no qual ela emerge. A partir daí, toda forma de sexualidade que não se encaixe nesse imaginário é tida como desviante ou patológica.
É evidente que a atração sexual entre pessoas do mesmo sexo existe desde a aurora da humanidade em todas as culturas. A época e o local determinaram o tratamento que se deu a esses sujeitos: prática comum e bem tolerada na Grécia, Pérsia, Roma e China, mas condenada entre os Assírios, os Hebreus e os Egípcios. Entre os índios brasileiros, assim como em algumas sociedades africanas – a antropologia é rica em relatos –, as reações frente ao relacionamento entre pessoas do mesmo sexo variam desde a aceitação, como uma expressão legítima da sexualidade, até a rejeição absoluta. Com o advento do cristianismo, a homossexualidade torna-se, em certos períodos, um crime passível de morte.
Quando o médico austríaco Sigmund Freud publicou Três Ensaios Sobre a Sexualidade, em 1905, e estabeleceu a importância do impulso sexual sobre o comportamento humano, houve escândalo e discordâncias mas a balança moral já se inclinara em direção à liberdade. Mesmo atacado, Freud afirmava:
“A moral sexual – como é definida pela sociedade, e em sua forma mais extrema pelos americanos – parece-me muito desprezível. Defendo uma vida sexual incomparavelmente mais livre.”
No tempo dele, a repressão sexual ainda era forte, mas não era mais exercida pela polícia. Ficara a cargo da educação, da família e da religião. Tornara-se ideológica – e podia ser combatida abertamente.
Freud não apenas argumenta seus pontos de vista teoricamente como os sustenta na prática. Em 1903, quando a homossexualidade era tida como um problema médico e jurídico, o jornal vienense Die Zeit pede a Freud que se pronuncie sobre um escândalo envolvendo uma importante personalidade acusada de práticas homossexuais. Freud responde que:
“A homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. Eu tenho a firme convicção que os homossexuais não devem ser tratados como doentes, pois uma tal orientação não é uma doença. Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande números de pensadores que admiramos justamente em razão de sua saúde mental. Os homossexuais não são pessoas doentes.” (1903 apud Menahen, 2003, p. 14)
Os anos se passaram, as sociedades se modificaram e com essas mudanças estão o modo de agir e pensar das pessoas sobre o assunto. E nos dias atuais quem se diz homossexual afirma sua orientação com bastante orgulho. Apesar da influência do liberalismo no mundo, os governos continuaram a se intrometer na sexualidade. Em uma época tão próxima quanto a década de 1960, relações homossexuais eram ilegais em quase todos os estados americanos. Treze deles ainda adotavam leis anti-gays até a Suprema Corte as derrubar, em 2003.
Talvez Freud nunca tenha ouvido falar de John Stuart Mill, mas ambos aproximam-se através de seus pensamentos em torno do direito de expressar sua sexualidade, Mill ensina que o indivíduo é soberano sobre ele mesmo, sobre seu próprio corpo e mente. Isso serve tanto para os homossexuais quanto para quaisquer outros. Baseados nisso, libertários continuam se opondo a leis que criminalizem qualquer atividade sexual consensual entre adultos, em qualquer país, em qualquer tempo, seja por acreditar que o Estado não tem o direito de impor regras sobre quem pode se relacionar com quem ou do ponto de vista psíquico. Reprimir a sexualidade, é reprimir a liberdade dos indivíduos sobre seu próprio corpo e sentimentos, e tais opressões devem ser combatidas fervorosamente.
A liberdade é a principal maneira de combater, ou mesmo prevenir, a homofobia.
Autor: Hans Fassbinder