Desde Platão e Aristóteles fala-se em Lei Natural. Entretanto, foi a partir de John Locke que a Lei Natural tomou caráter exclusivamente individualista, ou seja, tomou o indivíduo como agente da ação e, consequentemente, estabeleceu os Direitos Naturais individuais. Foi a teoria Lockeana sobre direitos naturais – e todas os aperfeiçoamentos e expansões da mesma, feitos posteriormente por outros filósofos, que alicerçaram a filosofia política de Liberdade de Rothbard.
“Cada homem possui a propriedade de sua própria pessoa. A esta ninguém tem direito algum, além dele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente seus. Qualquer coisa que então retire do estado que a natureza proveu e deixou, e misture com seu trabalho e adicione algo que é seu, se torna sua propriedade” [1]
Direitos Naturais: Vida, Liberdade e Propriedade
Os direitos naturais são provenientes da natureza do homem e do mundo à sua volta e, portanto, uma consequência lógica da mera existência de um ser humano – e não uma simples concessão. É baseada nestes direitos que se dá a Lei Natural e qualquer legislação que ultrapasse os limites dos direitos naturais trata-se, por si só, de uma forma de violação aos mesmos, como elucidou Elisha P. Hurlbut:
“As leis devem ser meramente uma declaração dos direitos naturais e dos delitos naturais. Tudo o que for indiferente às leis da natureza deve ser ignorado pela legislação humana, de modo que a tirania legal surge onde quer que ocorra a desconsideração deste simples princípio.” [2]
PROPRIEDADE: Todo homem possui, naturalmente, a propriedade de seu próprio corpo – o comando sobre sua mente, corpo e suas ações. Tudo aquilo em que um homem aplicar o seu trabalho, retirando do estado natural, torna-se uma extensão de si mesmo e, por conseguinte, é também sua propriedade. Basicamente: todo ser humano é dono de si mesmo e dos frutos de seu trabalho.
É a partir do direito de propriedade que se dá toda a teoria sobre as Trocas Voluntárias – visto que não só a produção é essencial à sobrevivência e prosperidade do ser humano, mas também as trocas. Rothbard ilustra que, ao se trocar maçãs por manteiga, ou ouro por cavalos, não são as mercadorias em si que estão sendo trocadas e sim os direitos de propriedade sobre elas. Podemos, portanto, chegar à conclusão de que um homem não pode vender aquilo que não é seu, pois não possui o direito de propriedade sobre tal produto, ao mesmo tempo em que simplesmente produzir um item através da propriedade de outra pessoa não faz do produtor o dono deste – ou seja, colher maçãs da árvore que outra pessoa plantou, não faz do colhedor dono da maçã.
LIBERDADE: Tendo um homem a propriedade sobre o seu próprio corpo e mente, por consequência lógica, é livre para utilizar ambos para quaisquer fins que desejar, sendo limitado apenas pelas leis da natureza [3] e pelos direitos naturais de outrém – o mero “desejo” é uma expressão da sua liberdade de utilizar sua razão.
VIDA: Expressa o direito de qualquer ser humano de não ser agredido e/ou morto e de procurar alcançar as necessidades mínimas para continuar vivo – desde que, para isso, não precise violar os direitos naturais de outras pessoas. Para possuir quaisquer direitos é, logicamente, necessário estar vivo – enquanto que, ao mesmo tempo, para Rothbard o direito à vida é uma consequência lógica da autopropriedade (propriedade sobre si mesmo) ao passo que qualquer violação do direito à vida seria, ao mesmo tempo, uma invasão da propriedade que todo ser humano tem sobre seu próprio corpo e mente.
“Ter o direito à vida não é garantia de um direito cujo uso lhe seja dado, nem de ter um direito de poder continuar a usar [a propriedade] de outra pessoa – mesmo se a própria vida de alguém depender disso.” [4]
Murray N. Rothbard: A Ética da Liberdade
Foi a partir da concepção de direitos naturais e lei natural explicitada acima que Rothbard formulou sua teoria sobre Liberdade. Em resumo, tudo o que representar uma violação a um ou mais dos três direitos naturais constitui, inexoravelmente, um atitude antiética e, portanto, que deve ser reprimida através da Lei. Enquanto que, tudo aquilo que não violar nenhum dos três direitos, constitui uma atitude ética ao qual não deve ser aplicada nenhum tipo de coerção.
É importante ressaltar a diferenciação que Rothbard faz entre a ética e a moralidade. Para ele, a ética é baseada na Lei Natural e, portanto, é universal e atemporal. Enquanto que a moral é individual e, portanto, mutável através do tempo, local e cultura – não devendo, portanto, ser aplicada a outrém através da coerção/legislação. Logo, uma atitude pode ser ética e imoral ao mesmo tempo e, se este for o caso, deve ser inibida através de outras maneiras que não a coerção judicial.
Leia os outros artigos da série: Legítima Defesa; Liberdades Individuais; O Estado
Referências Bibliográficas:
1 – LOCKE, John. Um Ensaio Referente à Verdadeira Origem, Extensão e Objetivo do Governo Civil, V. págs 409-10, em Dois Tratados sobre o Governo.
2 – HURLBUT, Elisha P. Essays on Human Rights and Their Political Guarantees (1845), mencionado em Rothbard, A Ética da Liberdade, pág 77.
3 – Rothbard explica no capítulo “Uma filosofia social de Crusoé” em A Ética da Liberdade (págs 89-90), a diferença entre liberdade e poder. “Um homem é livre para adotar valores e para escolher suas ações; mas isto de jeito nenhum significa que ele possa violar impunemente as leis naturais.” Um homem pode, por exemplo, querer saltar por cima de oceanos – mas isto não significa que ele possa fazer isto. Da mesma forma, um homem pode querer roubar alguém (violar a propriedade de outrém) – mas isto não significa que ele possa fazer isto e sair impune. Em resumo, embora o ser humano seja livre para querer, fazer ou tentar fazer tudo o que lhe venha a mente – terá de lidar com as consequências naturais de seus atos.
4 – Thomson, Judith Jarvis. “A Defense of Abortion,” Philosophy and Public Affairs (1971), mencionado em Rothbard, A Ética da Liberdade, pág. 161.
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