O Estado não somos “nós”

Frequentemente, a definição que é dada ao Estado é a de uma instituição de serviço social. Ainda que há certa discordância entre intelectuais quanto à eficiência estatal, a ideia de que é um meio necessário para alcançar os objetivos da humanidade e administrar a “sociedade” é praticamente unânime.

Especialmente após o advento da democracia – onde, supostamente, o povo é soberano ao governo e, inclusive, escolhe seus representantes através do voto – a ideia de que “o Estado somos nós” se tornou senso comum. A coletivização das ações do governo embutidas nesta pequena frase lança uma camuflagem que leva à conclusão de que qualquer coisa que o governo faça, não somente é justa como também é voluntária, não importando o quão tirânica e arbitrária for. Caso esta fosse a situação de fato, não existiria corrupção, apenas atitudes voluntárias do povo contra ele mesmo. Seguindo este raciocínio, podemos pensar em qualquer atitude despótica ou corrupta do governo e “colocar na conta do povo – como o holocausto, a brutalidade policial, as guerras e as constantes privações das liberdades individuais.

“E devemos, portanto, concluir que “nós” não somos o governo. O governo não representa, em nenhum sentido preciso da palavra, a maioria das pessoas, mas mesmo se o fizesse, mesmo se 90% das pessoas decidissem assassinar ou escravizar os 10% restantes, isto ainda continuaria a ser assassinato e escravidão. Crime é crime, agressão contra os direitos é agressão, não importa quantos cidadãos concordem com a opressão. Não há nada de sacrossanto a respeito da maioria; a multidão que lincha alguém também é uma maioria em seu próprio domínio.” [1]

O Que é o Estado?

Em suma, o Estado não somos “nós”. O Estado não é uma família humana ou um clube social, se reunindo para decidir sobre problemas mútuos. O Estado é um criminoso.

O Estado é a organização social que visa manter o monopólio do uso da força e da violência em uma determinada área territorial. Alguns anarquistas – de esquerda – costumam equiparar a figura do Estado à figura de empresas privadas, igualando-os como “elitistas e coercitivos”. Entretanto, o Libertário diverge desta visão por dois motivos:

a) O Libertário não se opõe à desigualdade, ou seja, não enxerga a desigualdade como o flagelo da humanidade, por compreender a vasta diversidade e individualidade contida dentro da humanidade. Cada individuo tem habilidades e interesses distintos e, por isso, seja na esfera profissional ou em qualquer outra esfera da vida, inevitavelmente, a liderança de cada atividade será, inevitavelmente, assumida por um ou mais indivíduos que são relativamente mais capazes, mais interessados, mais eficientes ou que encontram/aproveitam melhores oportunidades – ao passo que a maioria restante constituirá os seguidores comuns. [2]

b) O conceito libertário de “coerção” se limita apenas ao uso da violência ou à ameaça direta do uso da violência. Qualquer outro modo de induzir uma pessoa a tomar certa atitude que não o da violência, por mais imoral que a ação seja, é persuasão e não coerção, visto que há a possibilidade de recusar-se.

Deste modo, diferentemente de qualquer instituição privada – que recebe sua receita através da troca voluntária (i.e a venda de produtos ou serviços) – o Estado é a única organização da sociedade que obtém sua receita (impostos) por meio da coerção, ou seja, pelo uso e pela ameaça de prisão e pelo uso de armas.

“Existem duas formas fundamentalmente opostas através das quais o homem, em necessidade, é impelido a obter os meios necessários para a satisfação dos seus desejos. São elas o trabalho e o furto. (…) Eu proponho chamar ao trabalho próprio e à equivalente troca do trabalho próprio pelo trabalho dos outros de “meio econômico” para a satisfação das necessidades enquanto a apropriação unilateral do trabalho dos outros será chamada de “meio político”. O Estado é a organização dos meios políticos.” [3]

Além de criminosos que vivem à margem da lei, apenas o governo é capaz de utilizar seus fundos para cometer violência contra os seus súditos, ou de outrem. A diferença é que, no caso do governo, o roubo e a agressão à propriedade de outrem é institucionalizada – por ele próprio – o que abre espaço para que, além de extorquir parte dos frutos do trabalho de seus “súditos”, ainda tenha o poder de ceifar suas liberdades individuais como achar conveniente. “Apenas o governo pode proibir pornografia, impor uma observância religiosa ou colocar as pessoas na cadeia por venderem mercadorias a um preço mais alto do que o governo julga adequado.” [4]

Manutenção do Poder

Ainda que o Estado detenha o monopólio da força e da violência, para se manter no poder qualquer tipo de governo (democrático ou não) precisa, minimamente, do apoio da população “súdita” – não necessariamente um apoio enérgico e entusiasmado, podendo ser apenas uma resignação passiva. São variadas as formas de conseguir tal apoio, entre elas:

  • Interesses econômicos legalmente garantidos: A criação de um grupo de seguidores que desfrutem os privilégios do domínio, por exemplo, membros do aparato estatal (burocracia, cabide de empregos, etc)
  • Subsídios e concessões de privilégios para indivíduos ou empresas
  • A promoção de uma Ideologia: É aqui que entram os “intelectuais” ou “formadores de opinião” que espalham para as massas a ideia de que o governo é bom ou, ao menos, necessário.

A aliança entre intelectuais e o Estado transcende sistemas e gerações. O motivo de o Estado necessitar do apoio de alguém que tem a capacidade de moldar a opinião pública é óbvio. Entretanto, o motivo pelo qual os intelectuais precisam do Estado não é tão evidente. Parte dessa razão pode residir no fato de que o sustento e a sobrevivência de um intelectual no Livre Mercado não é tão garantido, visto que seu trabalho depende dos valores e escolhas das massas para ser recompensado e nem sempre a grande massa está interessada por assuntos intelectuais. Enquanto isso, o Estado está disposto a oferecê-los um rendimento seguro e permanente em seu aparato – juntamente com certo prestígio.

  • O medo: A instauração de medo acerca de qualquer sistema alternativo – com ou sem governo – senão o atual. Todo governante atual alega fornecer aos cidadãos serviços essenciais pelos quais deveriam sentir-se gratos.
  • Exaltação da coletividade em detrimento do indivíduo: Uma vez que, principalmente em uma democracia, o domínio sobre um povo implica aceitação da maioria, a ameaça ideológica só poderia originar-se de um ou de poucos indivíduos que pensam diferente e, pior ainda, que são críticos de determinado sistema.

Sendo o apoio ideológico indispensável para a manutenção do governo, a instituição estatal se vê constantemente obrigada a impressionar seus súditos para provar sua legitimidade. Através da ideia de que só o Estado é capaz de fornecer determinados serviços e proteger os cidadãos de ameaças internas ou externas de violência, ou até mesmo de ameaças intangíveis como “a ganância”, “o egoísmo”, “a ignorância”, o Estado acha meios de justificar seus próprios episódios de violência e agressões constantes à propriedade e liberdade de indivíduos na tentativa de se diferenciar de outros criminosos “comuns”. Mas não há diferença alguma.

 


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Referências Bibliográficas

1 – ROTHBARD, Murray N. “O Estado” (pág. 68) em O Manifesto Libertário.

2 – ROTHBARD, Murray N. “O Estado” (pág 68) em O Manifesto Libertário.

3 – OPPENHEIMER, Franz. “The State” (1926) citado em Rothbard, A Anatomia do Estado (pág 13 – nota de rodapé).

4 – ROTHBARD, Murray N. “O Estado” (pág 65) em O Manifesto Libertário.

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