Está circulando na internet este vídeo onde Wagner Moura conversa com os brasileiros alertando-os sobre as supostas consequências da Reforma da Previdência e a catástrofe social que ocorrerá caso o projeto seja aprovado pelo Congresso.

De fato temos a liberdade e o direito de ser a favor ou contra e, óbvio, a reforma em pauta está longe do ideal. Porém, temos que ser racionais: é o melhor que temos para o momento dentro do econômica-social-politicamente possível.
 
O vídeo gira em torno de 3 pontos principais e os aborda de maneira falaciosa e desonesta, tentando apenas convencer a multidão de que a alteração na previdência social será o fim para a sociedade brasileira. Mas não será. É uma reforma dura, com certeza, mas tão dura quanto necessária para a manutenção desse “privilégio”. No texto a seguir, desmistificaremos os principais pontos abordados no vídeo.

1 – Nunca mais iremos nos aposentar.

É preciso saber que, antes de tudo, aposentadoria por si só não é um direito, é um serviço, mais ou menos como um seguro. Para tal, é preciso que você “assine” esse serviço e contribua mês a mês para que ao final de determinado período, você possa aproveitá-lo.

Infelizmente poder parar de trabalhar em determinada idade é algo que não é toda a sociedade brasileira que têm capacidade econômica e estrutura social para usufruir.

Não temos capacidade econômica pois não há reservas financeiras para sustentar pessoas ociosas, tampouco a previdência gera superávit. Ou seja, ano após ano (e não é de agora) acumulamos prejuízo financeiro no sistema previdenciário.

Segundos dados retirados do próprio site da previdência:

“Em 2016, a Previdência Social registrou um déficit de R$ 151,9 bilhões, crescimento de 59,7% em relação a 2015 – números atualizados pelo INPC. Em valores nominais, o déficit foi de R$ 149,7 bilhões (veja tabelas e gráficos). A despesa com benefícios cresceu 6,6% e fechou o ano em R$ 515,9 bilhões.

Já a arrecadação – R$ 364 bilhões – registrou a segunda queda consecutiva. Caiu 6,4% se comparada a 2015. O valor leva em conta o pagamento de sentenças judiciais e a Compensação Previdenciária (Comprev) entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) de estados e municípios.

Considerando o PIB projetado para 2016, a despesa com benefícios do Regime Geral de Previdência Social representou 8,2%. A arrecadação líquida foi responsável por 5,8% do PIB e o déficit chegou a 2,4%.”

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Bom, se a própria previdência assume que há um déficit, ainda precisamos discutir esse ponto?

Estrutura social significa que já temos uma população em fase de envelhecimento e a pirâmide etária brasileira está em ponto de inversão, ou seja, está ficando mais larga no topo (população mais velha) e mais fina na base. No gráfico abaixo, retirado do site do IBGE, podemos observar o envelhecimento da população brasileira desde 2013 até 2030, confira:

Como trazido pelo Instituto Mercado Popular, o Brasil adota o modelo de “transferência intergeracional” – ou seja, em que a transferência aos aposentados e pensionistas de hoje é paga por uma geração diferente. É esse modelo o adotado no Brasil. Ao contrário do que muitos podem imaginar, quando uma pessoa se aposenta, ela não recebe o dinheiro ligado a suas próprias contribuições. Na verdade, são os atuais trabalhadores, com suas contribuições, que financiam os benefícios de quem já está aposentado.*

Esse sistema perpetua uma realidade onde se paga para sustentar os benefícios de quem não mais contribui e não dá garantia de que o contribuinte atual terá o seu benefício do futuro. O problema é que para muitas pessoas uma reforma na previdência significa “perda de direitos”, porém, o que não se leva em consideração é a insustentabilidade do modelo atual e que, sem uma mudança urgente, a “perda de direitos” não só é uma ameaça iminente, mas também inevitável.

De uma maneira simples:

  • Atualmente 2 pessoas pagam o benefício de 3 pessoas. Talvez esse não fosse um problema tão grande se esses 3 que recebem tivessem contribuído para o seu próprio benefício;
  • Porém a realidade é que esses 3 não contribuíram para si próprios, contribuíram para pagar um déficit de outras pessoas que se aposentaram antes deles;
    Resta apenas a esperança de apostar que aquelas 2 pessoas lá do início consigam contribuir tanto a ponto de sustenta-los
  • O que também é impossível, uma vez que a atual crise econômica resultante das políticas populistas dos últimos governos não ocasionou nenhum aumento real de renda ou produtividade que justifique essa lógica.

Então, tem como a conta fechar sem uma reforma?

2 – Mulheres devem se aposentar mais cedo pois tem dupla jornada

Há uma série de dados que vão de encontro ao mito da diferenciação na aposentadoria entre homens e mulheres. Por isso, separaremos por pontos, e explicaremos um por um:

2.1 – Jornada de trabalho por gênero:

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 25,2% das mulheres e 43,2% dos homens no Brasil trabalham mais de 44 horas por semana.

A média semanal de trabalho das mulheres é 36,4 horas, enquanto a dos homens é de 44,4 horas. Os homens também são os que mais fazem hora extra, sendo 40,5% dos que fazem mais de 44 horas semanais, contra 24,7% das mulheres.

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O que a “estatística” que diz que as mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens na semana não leva em consideração é o dado acima. A própria pesquisa do IPEA diz que:

“No que diz respeito ao tempo despendido com afazeres domésticos, tanto para os homens quanto para as mulheres, cai de maneira expressiva o número de horas à medida que cresce a renda. As mulheres na faixa mais alta gastavam cerca de 13 horas por semana, quase 11 horas a menos que as mulheres mais pobres. Entre os homens, aqueles com renda de até 1 salário mínimo (S.M.) gastavam 10,6 horas por semana com os afazeres domésticos, ao passo que os com renda superior a 8 S.M. despendiam 8,3 horas.”

A média geral não é divulgada, mas, a grosso modo, pelo apresentado na pesquisa os homens trabalham cerca de 9,45 horas nos afazeres do lar, contra 18,5 horas das mulheres. Soma-se as suas cargas horárias dentro e fora do lar e temos uma média de 54,9 horas semanais trabalhadas pelas mulheres contra 53,9 horas semanais trabalhadas pelos homens.

Outro ponto que a pesquisa do IPEA não fala é se há diferenciação entre mulheres que fazem dupla jornada, ou seja, trabalham em casa e em emprego formal de mulheres que atuam apenas no trabalho doméstico (donas de casa). Essa simples diferença pode causar um aumento significativo na média de horas trabalhadas pelo sexo feminino.

2.2 – A lógica de justiça social aplicada aqui é perigosa, por dois motivos.

a) É ultrapassada. A legislação atual da previdência social data de mais de 20 anos e outra boa parte dela é mais antiga ainda, tempo onde as famílias eram compostas por uma média que ultrapassava os 3 filhos. Atualmente a taxa entre casais brasileiros já é de 1,77 filhos e 66% das mulheres já trabalha fora de casa, além de engravidarem mais tarde (a média é 30% da população feminina engravidando após os 30 anos). A estrutura familiar atual, e que tende a se modificar mais ainda nos próximos anos, apenas corrobora a necessidade de uma reforma previdenciária, visto que a ideia de que cuidar da casa e dos filhos é uma tarefa feminina vem se desconstruindo.

b) É uma generalização baseada em estatística média enquanto as pessoas afetadas representam termos absolutos. Supor que mulheres devem se aposentar mais cedo pois, em média, dedicam parte maior do seu tempo ao trabalho doméstico do que homens significa ignorar todas as particularidades de cada caso. A existência de uma previdência social significa que TODO trabalhador contribui para a aposentadoria de outros trabalhadores. Ou seja: Mesmo mulheres de classe mais alta, sem filhos e/ou solteiras tem o mesmo “direito” de se aposentar mais cedo em detrimento, por exemplo, de trabalhadores homens que fazem dupla jornada trabalhando fora e cuidando da casa e dos filhos. A lei torna-se injusta no ponto em que a contribuição para a previdência não sustenta a própria aposentadoria e sim a aposentadoria de outras pessoas e, portanto, ignorar particularidades na tentativa de diminuir a desigualdade social pode ter o efeito exatamente oposto.

2.3 – Trabalho doméstico não deve ser contabilizado pela previdência social.

A previdência de nada tem a ver com jornada de trabalho não contributiva. Receber pela previdência pressupõe contribuir anteriormente para ela. Caso deseje se aposentar antes, o correto é contribuir com MAIS enquanto se está trabalhando, ou seja, seria lógico aumentar a contribuição das mulheres. Ficar em casa cuidando das crianças ou fazendo trabalho doméstico não é um fato gerador de receita, pois não se recebe para isso, logo, não se paga contribuição e, por isso, não há o que receber no futuro, não fazendo sentido uma pessoa – seja homem ou mulher – se aposentar antes ou receber proporcionalmente pelo tempo despendido fazendo trabalho doméstico sem ter contribuído para tal.

3 – A Reforma prejudica trabalhadores autônomos e desempregados.

O ponto final trazido no vídeo que está circulando na internet é uma mentira tão grotesca que chega a ser impressionante a coragem de colocar isso no material. Wagner Moura aborda, de maneira sensacionalista, o aumento no tempo de contribuição previdenciária de 25 para 49 anos – tempo este que, supostamente, não seriam beneficiados os trabalhadores autônomos nem desempregados.

Em relação aos profissionais autônomos isto é, obviamente, uma mentira. Para qualquer pessoa que trabalhe por conta própria ou sem carteira assinada ter direito aos benefícios da previdência, basta que ele contribua para ela – exatamente como já acontece hoje.

Já o alarmismo em relação ao desemprego é mentiroso e injustificável. O fato de uma pessoa não contribuir para a previdência por estar desempregada já é uma realidade, porém a pessoa não perde a qualidade de beneficiária por isso. O que acontece é que o INSS não é responsável apenas pela aposentadoria, mas também pelas pensões e pelo seguro desemprego. O tempo desempregado deixa de contar no valor final da aposentadoria por:

a) A pessoa não está contribuindo pagando a taxa mensal da previdência;

b) Se estiver desempregada e atender aos critérios, estará recebendo o auxílio desemprego, que nada mais é que receber antecipadamente o valor contribuído à previdência para conseguir subsistir enquanto procura uma nova oportunidade.

Conclusão:

Em 1990, a expectativa de vida média do Brasil era de 66,5 anos, hoje é de cerca de 75,2 anos, quase dez anos de diferença da idade de 2 décadas atrás. Com as pessoas vivendo mais, não é sustentável manter a mesma idade de aposentadoria de uma época totalmente diferente da que vivemos atualmente e segundo o IBGE, o brasileiro terá uma expectativa de vida de mais de 80 anos até 2040. Isso significa que a geração atual, nascida nos anos 1990, viverá entre 20 e 30 anos a mais do que a geração anterior, quando a lei atual foi feita. Faz sentido manter o mesmo parâmetro?

Ao fim, ao contrário do que diz o Wagner Moura, se você, leitor, quer receber a aposentadoria algum dia, você deveria apoiar uma reforma previdenciária – embora a proposta atual não seja perfeita. O problema que permanece é a obrigatoriedade em contribuir para a previdência estatal e, claro, a já falada transferência intergeracional.

Atualmente cerca de 30% da folha paga pelo empregador vai para o INSS. Imagina o que poderia cada trabalhador fazer com 30% a mais de dinheiro na mão? Quem sabe a decisão acertada não é, mais uma vez, dar liberdade às pessoas, seja para escolherem entre o INSS, uma previdência privada, outros tipos de investimento ou até mesmo nenhum dos três, caso seja esta a vontade do trabalhador – que deveria ter o direito de escolher como gastar seu próprio dinheiro.

Independente da opinião pessoal de cada um em relação ao projeto atual de Reforma da Previdência, uma coisa é certa: Se nada mudar, quem pagará os juros da irresponsabilidade é a geração que trabalha agora e seus filhos – e nenhum deles conseguirá se aposentar.


Autor: Fabrício Sanfelice, bacharel em Direito pela Unifra e membro do Conselho Executivo do Clube Farroupilha.

Fontes:

http://www.previdencia.gov.br/2017/01/rgps-deficit-da-previdencia-social-em-2016-foi-de-r-1519-bilhoes/

http://brasileiros.com.br/2016/02/mulheres-ja-trabalham-5-horas-mais-do-que-os-homens-diz-ibge/

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulheres-trabalham-75-horas-mais-que-homens-devido-dupla-jornada

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf

http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/employment/doc/jornada_brasil_70.pdf

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdf

http://odia.ig.com.br/noticia/mundoeciencia/2015-03-07/jornada-de-trabalho-das-mulheres-pode-somar-13-horas-entre-casa-e-escritorio.html

http://exame.abril.com.br/noticias-sobre/expectativa-de-vida/

http://exame.abril.com.br/brasil/quanto-tempo-voce-ainda-vai-viver-segundo-o-ibge/

http://terracoeconomico.com.br/prepare-se-reforma-da-previdencia-esta-chegando

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