O que são direitos? Se você quiser saber naturalmente se tem direito a algo provido pelo Estado, faça o seguinte teste:

Passo 1: Escolha um “direito” – ao transporte, saúde, educação, vida, privacidade, o que quer que seja – que você deseja testar.

Passo 2: Vá até seu vizinho, bata em sua porta, e diga: “eu exijo que você provenha esse meu determinado direito em meu favor, sob pena de execução forçada pelo Estado!”

Passo 3: Analise a reação de seu vizinho.

A Constituição Federal de 1988, trouxe ao universo jurídico brasileiro uma série de “direitos” que seriam, em tese, defendidos pelo Estado a todos seus cidadãos, incluindo algumas espécies bem curiosas como “direito à cultura” (aparentemente se o Estado não te outorgar, você não tem cultura), direito ao ensino “gratuito” (que advém de uma escola localizada em meio a uma plantação de árvores que fornecem dinheiro do nada), e o extinto “direito à uma taxa de juros não maior que 12% ao ano” (vulga ‘expropriação’).

Não satisfeitos com o rol paternalista, os jovens brasileiros (alguns, mas que clamam falar em nome de todos) pedem mais “direitos”, ou seja, requerem mais amparo estatal, o que significaria maior demanda forçada do resto da população, a fim de que tais atos sejam cumpridos.

Eles querem mais “direitos”, e por isso exigem que a máquina estatal seja movida, retirando mais liberdades (esforço) e propriedade (resultado, dinheiro, troca) dos “contribuintes”. Mas, não nos esqueçamos, a ganância é um adjetivo reservado aos capitalistas.

Entre as novas modalidades exigidas, encontram-se iguarias como “direito ao transporte”, e “direito a um espaço socializante”.

Uma das coisas mais básicas, que se compreende através do direito privado, é o binômio direito-obrigação. Sem adentrar em especificidades, para cada direito existente há uma obrigação sinalagmaticamente oposta, como condição de eficácia. Infelizmente, esse conceito é praticamente ausente nos estudos de Direito Público, especialmente nas cadeiras de Ciência Política, Filosofia Aplicada ao Direito, e Marxismo, digo, Sociologia Aplicada ao Direito. Caso não fosse, os estudantes brasileiros já teriam há longo tempo aprendido que não existe tal coisa chamada de “dinheiro público”.

Liberais jusnaturalistas acreditam que direitos são algo natural, que a natureza latu sensu nos outorga, através de nossa própria existência. E quais seriam esses direitos? Bem, ainda que haja certo grau de discordância, a teoria clássica nos indica que temos, basicamente, três direitos fundamentais: vida, liberdade e propriedade. Ou seja, voltando ao binômio direito-obrigação, cada ser pode, no gozo de suas faculdades, demandar que os demais indivíduos tenham uma obrigação natural a respeitar sua vida, sua liberdade e sua propriedade.

A motivação filosófica-política elegida pelos liberais, varia dentre determinados autores. Tendo em vista a atual situação mundial, bem como o movimento constitucionalista histórico, resume-se duas teses, nomeadamente de John Locke e Ayn Rand.

De forma breve, a teoria de Locke contempla que a Rule of Law (por favor, vamos separar esse conceito da péssima interpretação feita dele no mundo latino através da expressão ‘Estado de Direito’, que é algo distinto) impõe uma vivência comum em sociedade, advogando que ninguém deve ficar exposto ao poder arbitrário de vontade de outro homem, existindo então o direito à liberdade. O direito à propriedade nasceria da própria liberdade, uma vez que cada indivíduo deve ter a posse e controle de seu próprio corpo, e do fruto de seu trabalho (the work of his own hands).

Ayn Rand possui justificação distinta. A autora russa acredita que direitos são um conceito moral, apenas aplicável em um contexto social (em uma ilha deserta, por exemplo, seriam irrelevantes). Direitos caracterizar-se-iam como as condições de existência da natureza do homem, necessários à sua sobrevivência. Mas quais seriam esses direitos? Primeiramente, Rand identifica que a natureza determina que o homem deve usar sua razão, e então que aja no julgamento racional de sua própria mente. Nesse sentido, o homem deve agir para sua própria sobrevivência, e então ele detém o direito à vida. Ele deve ser livre para agir sob sua própria razão, e logo possui direito à liberdade. Para que ele possa determinar quais objetivos de vida, ele deve ser livre para determinar suas próprias razões, e então perseguir e – se possível – alcançar esses valores, sendo esse o direito à perseguição da felicidade. Finalmente, como o homem não é um ser desmaterializado, mas sim formado de matéria e uma consciência, ele precisa sustentar sua vida pelo seu próprio esforço, então tendo o direito à propriedade, que seria (1) o direito de trabalhar por sua sobrevivência, e (2) de manter os resultados de seu esforço.

Os direitos naturais são intrínsecos a natureza humana, estão in the nature of men. É a reação em legítima defesa quanto atentado à integridade física, ou a exigência de atendimento de urgência quando alguém está morrendo em um pronto socorro (direito à vida). É o impeto humano de não aceitar valores não escolhidos livremente por si mesmo, e então ter o direito de se manifestar contra isso (direito à liberdade). É o direito de reparação por violação aos frutos de seu trabalho (direito à propriedade). É a revolta com agressão a esses direitos, que chamamos de crimes. É algo inato a cada ser humano, e então lhe é natural.

Mas o que tudo isso tem a ver com o ‘Teste do Vizinho”? Considerando que os verdadeiros direitos são algo naturais de toda a humanidade, você saberá (sentirá) ser for cabível demandar de seu vizinho que ele provenha seu direito ao transporte, por exemplo. Ou, se é legítimo demandar que ele pare uma obra que trará danos à sua propriedade. Ou, se é legítimo exigir que ele socorra seu filho que sofreu um acidente, uma vez que ele possui acesso a celular e pode ligar para uma ambulância.

Tais direitos não podem ser confundidos pelo o que foi cunhado, na filosofia ocidental, como caridade, ou solidariedade. Este termo refere-se a uma atitude não compatível com a existência momentânea de uma obrigação. Requerer que seu vizinho lhe dê carona para o shopping é algo. Demandar, sob uso de força, que o mesmo assim o faça, é diferente.

Em suma, sendo esses os direitos naturais, assume-se que o senso de sua exigência está intrínseco a todas as nossas relações. Assim sendo, não tão somente seu vizinho poderia avaliar o cabimento, ou descabimento, de sua exigência, conquanto também poderia você.

Logo, não precisa ir até seu vizinho fazer este teste. Au contraire, imagine que seu vizinho venha até você, e lhe exija o cumprimento de uma obrigação advinda de um direito pelo qual, você, não havia previamente compactado de forma voluntária. Caso a natureza humana lhe diga que essa exigência é válida, então há um direito natural presente. Caso contrário, a palavra “direito” foi usada em vão.

No ramo do constitucionalismo, você identificará um liberal jusnaturalista quando ele afirmar que não precisa da Constituição para ter direitos, pois eles são naturais. A Constituição serviria para limitar o poder do Estado, ao proteger esses direitos.

Por que o Estado teria legitimidade para executá-los, e por quais meios poderia fazer isso, é uma discussão para outro momento. Mas sendo o Estado uma construção social, abstrata e que nada produz, você agora sabe quem está provendo todos esses “direitos” que tanto eles exigem.

There is no such thing as society. Margaret Thatcher

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Geanluca Lorenzon é graduando em Direito pela UFSM e competidor premiado em Direito Internacional.

Escreve todos os sábados para o site do Clube Farroupilha.

As informações, alegações e opiniões emitidas no site do Clube Farroupilha vinculam-se tão somente a seus autores.

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