Hayek e Keynes

No segundo artigo da série que homenageia o economista Friedrich A. von Hayek nos 25 anos de seu falecimento, o tema será a sua a política monetária. Ou, mais especificadamente, as suas críticas ao keynesianismo e outras teorias econômicas ortodoxas e predominantes nas universidades.

De uma maneira bastante simplificada, muitas escolas de pensamento econômico advogam que a chave para a prosperidade da sociedade, criação de empregos ou para a recuperação de economias em crise passa por um processo de expansão monetária. Essa expansão monetária pode ocorrer de várias formas, e a mais comum é a diminuição das taxas de juros da economia (as quais devem ser, naturalmente, controladas pelo governo).

O pensamento Keynesiano

A ideia é simples: se as taxas de juro são altas, as pessoas são incentivadas a poupar e obter ganhos com suas aplicações. Ao decidirem poupar, elas não podem mais consumir. E se elas deixam de consumir, as empresas vendem menos, e consequentemente contratando menos pessoas e consumindo menos. Ao mesmo tempo, como as taxas de juro estão altas, as empresas e famílias não pegam dinheiro emprestado, deixando de realizar investimentos ou de consumir via endividamento, o que “esfria” ainda mais a economia. Portanto os poupadores e pessoas que vivem de renda, embora suas poupanças possam fazer bem para eles, estão trazendo malefícios para a sociedade ao não gastar o que possuem.

Porém, se o governo baixar as taxas de juros, qualquer que seja a forma (congelamento de juros, diminuição do rendimento dos títulos da dívida pública, criação de bancos com linhas de crédito barato, etc.), o efeito contrário deve ocorrer. Como poupar não gera mais tanto retorno, as pessoas tenderão a gastar mais ao invés de deixar seu dinheiro guardado. E os agentes econômicos que precisam de crédito para consumo – famílias – ou para investimento – empresas – ficarão estimulados a se endividarem mais, pois o crédito está barato agora.

Com mais consumo, endividamento e investimento, a economia prospera. Agora que o juro está barato, o cidadão pode comprar um carro financiado, gerando emprego para os vendedores, transportadores, fabricantes, fornecedores dos fabricantes e demais agentes econômicos envolvidos na produção e distribuição desse bem de consumo. Ao mesmo tempo, as empresas, graças ao juro mais barato, fazem mais investimentos, aumentam suas indústrias e contratam mais mão de obra.

Portanto, a solução para todos os problemas acaba de ser alcançada. A economia está com um alto índice de desemprego, e as vendas das empresas não estão indo bem? Crie crédito, e faça as pessoas gastarem ao invés de pouparem. As empresas pararam de investir? Baixe o juro, e torne esses investimentos viáveis. E se não for o suficiente, torne-os negativos (como de fato ocorreu em vários países desenvolvidos após 2008).

Mas e de onde vem todo esse crédito? Pela simples criação de moeda nova, de forma artificial. Alguma instituição do país cria o dinheiro – o banco central ou o tesouro nacional – e o empresta para os bancos (ou então, usa o dinheiro criado para pagar suas dívidas, o que também resulta em mais dinheiro em circulação). Por sua vez, os bancos emprestam essa quantia para famílias e empresas.

No período que se sucedeu à segunda guerra mundial, principalmente entre os anos 1950 e 1970, a expansão monetária e outras políticas públicas inspiradas na teoria macroeconômica keynesiana influenciaram a maioria dos governos da Europa, Estados Unidos, Japão e até mesmo de países subdesenvolvidos, como o durante o período militar no Brasil.

Economia não é tão simples quanto pensa

Na mesma época, Hayek alertava que as políticas de expansão monetária eram insustentáveis, que elas criavam profundos desarranjos na estrutura econômica, e que as políticas de crédito fácil até geravam emprego e crescimento no curto prazo, mas ao custo de um desequilíbrio estrutural no longo. Como se pode imaginar, ninguém deu muita atenção para ele durante essa época de prosperidade. A economia está crescendo e temos pleno emprego, então qual o problema em manipular taxas de juros e expandir o crédito?

Porém, nos anos 1970 e 1980, após o primeiro e o segundo choques do petróleo, os problemas alertados por Hayek vieram à tona. A inflação e o desemprego começaram a aumentar nos países desenvolvidos, e o crescimento parou ou mesmo retraiu. A maioria dos países decidiu expandir o crédito e aumentar os gastos públicos, mas não obtiveram sucesso. De repente, as pessoas perceberam que a velha fórmula de expansão monetária não estava ajudando a tirar os países da crise. E então, Hayek começou a ser escutado.

Mas o que ele tinha pra dizer? Basicamente, ele apontava que as teorias econômicas keynesianistas e desenvolvimentistas desconsideravam completamente a estrutura do capital, e por isso criavam grandes desequilíbrios econômicos. Esses desequilíbrios, por sua vez, precisariam de profundos ajustes para serem corrigidos.

Como funciona a taxa de juros

Voltemos ao princípio. A ideia comum era que com juros mais baixos, haveria menos rentistas e mais gastos e investimentos, via expansão de crédito e diminuição das taxas de juros. Porém, o fato é que o juro é um preço como qualquer outro – especificamente, o preço do “aluguel do dinheiro”. E, em uma economia normal, o preço dos bens e serviços varia conforme a oferta e demanda. A demanda por crédito é proveniente do desejo dos consumidores e das empresas de se endividar. Porém, a oferta de crédito precisa vir da poupança. Se eu tomo emprestado, alguém teve que me emprestar. E se alguém me emprestou, essa pessoa teve que parar de consumir, ao menos temporariamente. Em outras palavras, sem poupança não existe empréstimo – ou ao menos não deveria existir.

Se poucas pessoas poupam e muitas querem se endividar, o juro aumentará, pois a oferta de crédito é pequena e a demanda é grande. E se ocorrer o contrário, o juro diminuirá, pois teremos muitos poupadores e poucos tomadores de recursos. E assim deveria ocorrer o equilíbrio econômico.

Porém, o que acontece quando o governo adota políticas de expansão monetária? Em um primeiro momento, a poupança diminui e as pessoas e empresas passam a se endividar mais. Mas esse dinheiro emprestado para as famílias e empresas não foi poupado por outras pessoas, mas sim criado artificialmente pelo governo e redistribuído para os bancos, como destacado alguns parágrafos atrás. E isso só é possível porque hoje em dia quase todas as moedas do mundo não possuem lastro, portanto podem ser criadas ilimitadamente.

Uma euforia econômica ocorre, e ela dura anos ou até mesmo mais de uma década. Todo mundo está feliz com a economia crescendo, os preços das ações subindo, as empresas se expandindo e os empregos e empréstimos aumentando. E o combustível de tudo isso é a expansão monetária.

Expansão monetária gera inflação

Porém, ocorre uma consequência inevitável: os preços começam a aumentar, na medida em que a maior quantidade de dinheiro na economia gera uma maior demanda pelos recursos existentes. E esse é um ponto importantíssimo da análise de Hayek – e da escola austríaca em geral. Os recursos de que uma sociedade dispõe não são ilimitados. Existe uma quantidade limitada de recursos naturais, mão de obra, máquinas, terrenos, computadores, etc., que podem ser combinados e utilizados de diferentes maneiras.

O aumento da expansão monetária gera um aumento na demanda por todos os recursos. Por exemplo: o juro é barato, então as famílias decidem comprar carros. Isso consumirá uma determinada quantidade de minério de ferro para produzi-los. Ao mesmo tempo, as empresas decidem aproveitar seus empréstimos para comprarem novas máquinas, o que também exigirá uma quantidade maior de ferro para construí-las.

Os preços do ferro aumentarão, porque é um recurso escasso e a demanda é maior tanto por parte dos investidores quanto dos consumidores. O mesmo acontecerá com as casas, pois existe uma quantidade limitada de terrenos e imóveis disponíveis. Até mesmo os salários aumentam, pois as empresas precisam contratar mais, e a oferta de mão de obra existente é limitada. Em outras palavras: a partir do momento em que os empréstimos não são provenientes de uma poupança genuína, mas sim de criação de dinheiro artificial, os preços da economia aumentarão – ou seja, a inflação aumentará.

E, embora por trás de tudo isso haja todo um enorme arcabouço de instituições financeiras e ideias econômicas complexas, as teorias de expansão monetária e baixa artificial dos juros se resumem basicamente a isso: a crença de que, se o governo criar dinheiro “do além”, a sociedade irá prosperar.

Em algumas ocasiões, o crédito novo e artificial é “bombeado” para setores específicos, o que acaba gerando bolhas específicas – crédito imobiliário gera aumento no preço das casas e produção desnecessária de imóveis. Crédito para investimento e especulação gera bolhas no mercado de ações. Créditos para a indústria geram aumento temporário de investimentos seguidos de quebras decorrentes de linhas de produção paradas e superprodução. E, quando o crédito é distribuído para todos os setores econômicos de uma maneira indiscriminada – o que acontecia precisamente à época de Hayek – ocorrem bolhas e crises generalizadas na economia.

Durante essa euforia, outra consequência ocorre: as empresas, motivadas pelo crédito barato, fazem investimentos que não poderiam ter feito caso o juro fosse mais caro. E, muitas vezes, são investimentos que requerem grandes empréstimos e um enorme dispêndio de recursos.

Conforme a euforia continua, a inflação passa a aumentar. E, dependendo da leniência dos bancos centrais, a inflação pode continuar a crescer por anos até um ponto insustentável. A inflação possui efeitos perversos na economia: dificulta o cálculo econômico, inibe os incentivos para investimentos de longo prazo, incentiva as pessoas a pouparem ainda menos do que antes e aumenta as desigualdades sociais.

O que deve ser feito

Então, um bom governo se esforçará para diminuir a inflação. Mas para fazer isso, ele precisará aumentar os juros novamente, diminuindo a demanda por crédito, parando de alimentar o sistema financeiro com dinheiro artificial e incentivando o aumentando da quantidade de poupança.

Só que esse não é um processo fácil. Muitas empresas fizeram investimentos baseados nas condições que vigoravam durante a expansão monetária, isto é, crédito barato e consumo alto. São investimentos que nunca deveriam ter sido feitos. A partir do momento em que os juros aumentam e a demanda dos consumidores diminui, os encargos com dívida aumentam e as vendas caem, e o resultado é que muitas companhias acabam quebrando. Ao quebrarem, ocorre desemprego, diminuindo ainda mais a demanda e quebrando outras empresas, gerando um “efeito cascata”.

Mas o que aconteceria se o governo decidisse manter os juros baixos “para sempre”? Uma hiperinflação e o total desequilíbrio econômico, fazendo a economia regredir profundamente. Ou então, o governo poderia aumentar seus gastos para gerar empregos momentâneos e criar crédito para salvar empresas em dificuldade. Mas, embora tais medidas diminuíssem temporariamente o impacto da crise, elas prolongavam enormemente a sua duração, pois os recursos econômicos continuavam sendo direcionados para áreas desnecessárias e investimentos ruins.

Nesse momento, vários acadêmicos e governantes decidiram pedir ajuda à Hayek: “Você estava certo em apontar que a expansão creditícia era insustentável, mas então o que deve ser feito para que a crise acabe e a sociedade prospere novamente?” A resposta era simples: é necessário “limpar” o sistema econômico.

Durante a fase de euforia econômica, ocorreu um desequilíbrio econômico entre oferta e demanda de crédito, e muitos investimentos ruins foram feitos. Agora, para sanar isso, o juro deve aumentar para que a inflação se torne controlável novamente. Nesse processo, inevitavelmente, as empresas ruins (que nunca teriam existido sem o crédito e o consumo artificiais) irão quebrar. É um processo doloroso, mas necessário.

Dessa forma os recursos que elas usam – mão de obra, recursos naturais, terrenos, máquinas, ferramentas, etc. – param de ser utilizados para projetos ruins, e gradualmente são redirecionados para os projetos economicamente sustentáveis dos empreendimentos de qualidade.

Essa fase de reajuste é dolorosa e frequentemente envolve um aumento no nível de desemprego. Mas é preferível esse ajuste temporário do que a existência de uma economia cambaleante por anos, que não quebra mas também não cresce.

Em um nível mais profundo, Hayek era até mesmo contra a existência do dinheiro sem lastro. Se uma moeda é lastreada, é impossível produzir mais unidades dela. Consequentemente, a expansão monetária artificial não ocorre. Porém, desde o fim do padrão ouro em 1971, todas as moedas do mundo se tornaram fiduciárias e sem nenhuma garantia que não fosse a confiança no próprio governo.

Portanto, a lição Hayekiana é clara: por mais que o estado possua o controle da moeda e do juro, não se deve estimular a economia de forma artificial e cair na armadilha do crédito fácil. Baixar os juros artificialmente só gera um boom temporário, seguido de recessão para corrigi-lo. E se essa correção econômica for impedida, as crises apenas se prolongarão. A história comprova esta afirmação ao longo de diversas crises e bolhas que, sem exceção, foram previstas pela Escola Austríaca – escola de pensamento econômico da qual Hayek faz parte – tais como a crise dos anos 1970, o colapso no mercado imobiliário dos EUA em 2008, a crise grega que continua em andamento e até mesmo a depressão de 1929.


Confira os outros artigos do Especial Hayek aqui.


Autor: Luciano Rolim é um empreendedor libertário, autodidata e escritor nas horas vagas. Possui um e-commerce de produtos libertários, a Atlas Galt, e também trabalha com investimentos em Startups.

Fontes:

HAYEK, Friedrich, Desemprego e Política Monetária, Instituto Mises Brasil, 2011

KEYNES, John Maynard, Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda, Saraiva, 2013

GARRISON, Roger W., Time and Money: The Macroeconomics of Capital Structure, Routledge, 2001

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