O Socialismo do Século XXI prometia ser um sonho de liberdade em uma América Latina já fatigada por tiranetes ao longo dos séculos passados, no início da última década. Porém, puxada pela força da realidade, a Venezuela viu as distorções ocasionadas pelos governos chavistas tornaram-se crises, e o sonho dourado transformou-se em um pesadelo para o povo que o erigiu. Uma nação que poucos anos atrás “exportava” um novo modelo de país, hoje exporta seus miseráveis para os países que lhe fazem fronteira. Quais foram as raízes dessa tirania, como ela se desenvolveu, quais suas consequências para o povo venezuelano, e os impactos dessa crise humanitária para o Brasil?

Porque os piores chegaram ao poder na Venezuela

No caso Venezuelano, por se tratar de uma democracia a princípio, foram tomadas medidas econômicas que, embora deletérias para a própria economia a longo prazo, produziram bons efeitos a curto prazo. Medidas estas que não começaram a ser implementadas no governo de Chávez, mas sim nos que o precederam, uma vez que a instauração do projeto socialista foi somente a culminação de um longo processo de intervenção estatal e desrespeito a propriedade privada no país. Para maiores informações, recomenda-se a leitura do artigo de José Niño “Um breve histórico da Venezuela: da quarta  população mais rica do mundo à atual mendicância.

Concomitante a  tais medidas, no final da década de 1990 o sistema capitalista enfrentava auges de impopularidade no mundo ocidental, e para empobrecida Venezuela, bem como para muitos outros países na América Latina, o novo socialismo era uma promessa de progresso. Para os que desejarem melhor compreender os motivos que levaram a essa repulsa – quase que instintiva – ao capitalismo no ocidente, o livro de Ludwig Von Mises, “A Mentalidade Anticapitalista”, mostra-se crucial. Além disso, o aumento no preço das commodities, em especial a do petróleo durante a década de 2000, foi outro fator que permitiu a Chávez construir seu experimento socialista sem maiores dificuldades, uma vez que pôde aumentar a máquina do estado e o sistema assistencialista sem maiores consequências. Já Nicolás Maduro, diferentemente de seu predecessor, não teve ao seu lado esse fator econômico, porém contou com uma constituição que concentrava muitos poderes em suas mãos e uma militância organizada – e armada.

Uma definição de Socialismo Bolivariano.

Para melhor compreensão do regime implantado pelos governos chavistas, uma breve descrição de suas característica e artifícios utilizados na instauração faz-se necessária. No que tange a características da economia, Geanluca Lorenzon descreve o socialismo bolivariano em seu livro “Ciclos Fatais: Socialismo e direitos humanos” como “uma economia de valores em substituição a uma de preços de mercado”; outras características elencadas pelo autor incluem a formação de blocos regionais de poder (ideologicamente alinhados), e constante enfoque na reformulação da democracia representativa para um sistema de “democracia direta”, a fim de fortalecer o partido ou a coligação de partidos que ocupa o poder. Além disso, existe uma forte tendência a dilatar-se o termo democracia para que esse se assemelhe cada vez mais como o termo socialismo. E uma vez feito isso, o primeiro termo torna-se sinônimo do segundo, e a democracia poderá ser eventualmente suprimida. Outras características ressaltadas por Geanluca são a tendência antiamericanista baseada na falácia econômica da teoria da exploração internacional (teoria a qual é desmentida na série de artigos de Luciano Rolim, A Farsa da Teoria da Exploração Internacional), e um certo paternalismo que em boa parte consiste em aproximar as figuras chaves dos regimes com versões idealizadas de figuras do passado (no caso Venezuelano a figura de Simón Bolívar). Outras artifícios facilmentes identificáveis desses regimes são o aparelhamento e a referência constante a regimes não democráticos (no sentido clássico da palavra) como se democráticos fossem. Na Venezuela, a principal referência adotada foi o regime cubano.

Como a Venezuela chegou ao caos

“Toda tentativa socialista vai falhar, e isso ocorrerá de maneira arrasadora e previsível. Essa afirmação não é baseada tão somente nos exemplos da história, mas sim em um arcabouço teórico que responderá se as violações aos direitos humanos são um fenômeno intrínseco, necessário e inevitável ao modelo econômico socialista.”

A frase acima, retirada do livro “Ciclos Fatais: Socialismo e direitos humanos” possui significado muito maior que o aparente. A inevitabilidade citada refere-se, entre outras aspectos, a impossibilidade do planejamento central da economia, fato crescente na Venezuela. Tal incapacidade dos governos pode ser explicada pela teoria da dispersão do conhecimento na sociedade de Hayek, ou pela impossibilidade do cálculo econômico socialista, explicado por Mises: ambas, em seu âmago, afirmam que qualquer tentativa de planejamento gerará o caos, e que qualquer tentativa de produção levará a destruição.

Nesse sentido, a descoordenação da economia começa no momento em que o estado passa a controlar totalmente determinados segmentos econômicos. Uma das consequências mais notáveis dessa ação é a escassez, pois muitas vezes os burocratas tendem a optar por medidas que aumentem seu capital político (como por exemplo, fixação de preços), mesmo que em detrimento da rentabilidade (escassez de produtos nos mercados). Essa remoção de setores da economia do mecanismo de mercado, somada ao fato de que a casta política não detém todo o conhecimento necessário para gerir a economia, é sintetizada por Thomas Sowell do seguinte modo:

“Quando tanto o conhecimento especial, quanto o conhecimento mundano, são contemplados e tidos como conhecimento genuíno, torna-se duvidoso se mesmo a pessoa mais culta do planeta tem sequer uma pequena fração de todo o conhecimento acumulado do mundo, ou mesmo uma pequena fração do conhecimento mais significativo de uma sociedade qualquer.”

Os primeiros sinais da ineficiência desse arranjo na Venezuela se deram quando a escassez começou a se manifestar em 2005 durante a presidência de Hugo Chávez. Já no governo de Nicolás Maduro, a situação atingiu o status de crise, e têm se agravado desde o início de 2013. A resposta do governo venezuelano foi mais um exemplo de pretensão do conhecimento: ao invés reintroduzir os mecanismos de mercado, optou por um controle ainda maior do governo na produção alimentícia.

A segunda fase apontada por Lorenzon é a crise totalitária. Embora não seja nesta fase que o desprezo pela moral comum aparece, é nela que ele se torna mais evidente. Nessa fase o governo socialista se vê obrigado a optar entre a supressão das liberdades ou o abandono de seus projetos de poder. O regime venezuelano, evidentemente, optou pelo enrijecimento de suas práticas repressivas, tornando-se de facto uma ditadura, embora ainda preserve instituições nominalmente democráticas. Em março de 2017, a Suprema Corte Venezuelana assumiu as funções de congresso, corte essa que vinha sendo fortemente aparelhada nas últimas décadas por figuras leais ao chavismo. Nesse contexto, percebemos que no caso venezuelano o totalitarismo utilizou-se de meios democráticos para sua implantação. Ainda no campo normativo, no ano de 2013 o governo madurista tornou crime proferir insultos a figura do presidente. Apesar desses exemplos de aumento dos poderes do estado no campo jurídico, a maior parte da expansão do poder do governo de Maduro se deu por meio de concessão de privilégios a certos grupos, armamento de simpatizantes e uso de força bruta para calar dissidentes. Ou seja, embora a Venezuela ainda não tenha suprimido as suas instituições democráticas no campo legal, já o fez no campo prático, já configurando um governo totalitário.

A fase da crise anti-humanitária é aquela em são violados sistematicamente os últimos aspectos da liberdade, que, embora não estejam intocados, ainda não foram completamente esfacelados na Venezuela. Além disso, é marca dessa fase a criação de um sistema que possibilite subjugar uma grande massa de sua população a trabalhos forçados. Em outras palavras, cria-se a chamada escravidão institucional. Embora a Venezuela já possua um decreto que possibilite essa prática, ainda não há notícias de sua execução. Um exemplo histórico dessa prática em outros regimes socialistas são os gulags soviéticos, os quais tiveram seu auge durante o período stalinista.

Consequências do regime: mortes e fuga

Entre abril e julho de 2017 morreram cerca de 125 pessoas em protestos contra a ditadura de Nicolás Maduro. Segundo o Ministério Público da Venezuela, mais de 65% das vítimas são menores de 30 anos, uma mostra de que o preço do socialismo do século XXI está sendo pago por meio de sua juventude. Oscar Perez, ator venezuelano, investigador do CICPC, a agência de investigação da Venezuela, e líder de resistência política, foi tido pelo governo como “terrorista” e “fascista” e supostamente “vinculado a CIA”. Sua classificação, porém, é mais simples: Oscar é apenas mais um que perdeu a vida como consequência do quadro de violência sistemática infringida a um povo. Ele e todos os outros 125 assumiram uma postura fundamental a ser tomada por todo libertário: a rebelião contra a tirania.

Nesse sentido, o martírio do povo venezuelano não se dá apenas por meio do sangue nas ruas, como também por milhares de pessoas que, impedidas de votar em urnas contra a tirania, “votam com os pés” para se verem livres da fome e da opressão, e hoje fogem de seu país. Segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA) a pobreza já é a realidade de cerca de 80% dos que vivem naquele país.

Devemos pagar a conta?

O Governo Federal, por meio da medida provisória nº 820 de 2018, decretou medidas de assistência emergencial para os imigrantes venezuelanos em Roraima. É evidente neste caso que todos compreendem o sofrimento pelo qual passa o povo venezuelano que busca em terras brasileiras refúgio para uma vida de fome e miséria. Porém, já explicava Bastiat, a diferença entre a verdadeira caridade (aquela financiada com o próprio dinheiro) e a falsa caridade (aquela financiada com o dinheiro dos outros):

Nunca nos foi demonstrado que a caridade se possa impor, pois onde quer que ela se manifeste só pode ser espontânea ou não é caridade. Decretá-la é o mesmo que aniquilá-la. Se a fraternidade suscita vivamente a nossa simpatia é justamente porque atua fora de toda coação legal. Se a lei raramente pode forçar o homem a ser justo, jamais conseguiria forçá-lo a ser abnegado”

Atualmente já existem inúmeros casos de grupos de ajuda aos necessitados organizados de maneira privada e voluntária, mesmo em um estado marcado por um certo grau de pobreza (a renda per capita de Roraima é de R$ 1068,00), e que agora se vê assolado por uma aumento no preço dos alimentos acima da inflação média do país.

Por fim, ainda não foi anunciado o volume de recursos que será enviado para auxiliar o governo local na gestão desta crise, todavia, não é difícil imaginar quanto desse dinheiro será desperdiçado em burocracia e corrupção. Ao fim, podemos ter uma certeza: se esse dinheiro não tivesse sido espoliado dos roraimenses, e tivesse sido mantido em mãos privadas, é muito provável que, além de mais rápida, a ajuda também seria muito mais efetiva.

Um balanço final

Em meio a essa crise humanitária, podemos perceber que o produto principal desse socialismo que há pouco era tido como o modelo para uma nova América Latina é a miséria e o sofrimento.  A liberdade prometida ao povo é paga em tirania, escassez e violência, uma vez que a noção de propriedade, pilar fundamental da liberdade, foi diluída em um caldo de socialismo cultural até que se tornasse irreconhecível. Para que haja uma economia livre, e para que essa liberdade seja duradoura, é necessária a inexistência de um sistema de governo coercitivo.

Autor: Eduardo Peixoto

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