Por Anderson Denardin
Após um breve período de armistício, a economia brasileira se depara com a retomada da escalada da taxa básica de juros (Selic), o que não causa nenhuma surpresa diante do cenário macroeconômico que se apresenta.
Dando seqüência ao processo de ajuste da taxa básica de juros para conter a escalada de preços, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, elevar em mais meio ponto percentual (0,5%) taxa Selic. A taxa Selic, que representa a taxa básica de juros da economia brasileira e que serve de referência para o rendimento das aplicações financeiras e para os custos das operações de empréstimos realizadas pelo sistema bancário, volta ao patamar de dois dígitos, atingindo o nível de 10% ao ano. O novo patamar dos juros faz com que o Brasil reforce sua posição no grupo das economias que comungam com as maiores taxas de juros reais do planeta.
Recentemente, a queda da taxa Selic foi apresentada como um das maiores proezas dentro da estratégia de política econômica adotada pelo atual governo, na tentativa de tonificar o consumo e o investimento, e promover a aceleração do crescimento econômico. Assim sendo, a retomada da trajetória de aumentos na taxa de juros encerra um curto período de absolutos enganos e profundas desilusões, em uma tentativa frustrada do atual governo em resgatar as teses desenvolvimentistas.
A política monetária facilitada por uma excessiva e irresponsável expansão de crédito, combinada com uma política fiscal expansionista, desmedida e descoordenada, aparentemente, sem critérios adequados de planejamento, não conseguiram produzir a tão ambicionada e propagada aceleração do crescimento da economia. Muito pelo contrário, as promessas de um “PIBão”, tão propagadas pelo governo, foram frustradas pela realização de um irrisório e vergonhoso “PIBinho”.
Nesse breve interstício em que o governo, numa tentativa ousada e insana, tentou adotar estratégias não convencionais de estímulos à economia, verificou-se que, o principal objetivo não foi concretizado, dado que o Produto Interno Bruto continuou em expansão muito lenta, quase beirando a estagnação. No entanto, o governo conseguiu a fantástica proeza de produzir resultados contraproducentes muito significativos, que estão contribuindo para empurrar a economia no caminho de uma absoluta desordem, colocando em xeque a estabilidade econômica que vinha sendo conquistada, até então, com relativo sucesso, além de comprometer os bons fundamentos que vinham se consolidando, de modo bastante satisfatório.
Com sua estratégia de ação o governo conseguiu reacender a ameaça de retorno da inflação e da instabilidade financeira ao resgatar as velhas práticas perversas de produzir desequilibrando nas contas públicas com a farra das gastanças, com vistas a estimular a demanda agregada, acelerando o processo de endividamento, ameaçando comprometer o regime de metas de superávit primário e a Lei de responsabilidade Fiscal, e ampliando o intervencionismo e o protecionismo na economia. Esse cenário contribuiu para comprometer a confiança dos investidores externos, a qual vinha sendo conquistada a muito custo, e voltar a produzir significativa instabilidade no mercado de câmbio e desequilíbrio externo negativos.
Não obstante a taxa Selic tenha atingido seu menor nível histórico desde que foi criada, em 1986, registrando um valor nominal de 7,25%, e de 2% em termos reais (vigorando entre outubro de 2012 e abril de 2013), não constituiu um estímulo suficiente para tonificar a economia conforme apregoavam os gestores da política.
Em compensação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve de referência para a política do Bando Central, foi fortemente estimulado, conseguindo, por vezes, superar a marca dos 6,5%, ficando acima do teto limite fixado na legislação, que é de dois pontos percentuais acima da meta de 4,5%. O referido índice tem persistido em situar-se em níveis muito acima do centro da meta, como é possível constatar na figura que segue, o que tem causado muita preocupação e insegurança no mercado.
É importante considerar que, não obstante já se apresente em níveis significativamente altos, a taxa de inflação só não é mais elevada por estar sendo fortemente reprimida em virtude do monitoramento dos preços da energia elétrica e do preço de combustíveis adotadas pelo governo, que tem como efeito colateral o comprometimento negativo do valor patrimonial e da lucratividade das empresas do setor.
A breve redução na Selic não serviu sequer para produzir melhoras nas contas públicas, advindas de redução de encargos com o estoque de dívida, pois este tem crescido de modo expressivo em virtude do endividamento que o governo gerou para alimentar a expansão de crédito e irrigar as operações de financiamento de bancos públicos (BNDES). Assim sendo, fez com que os juros mais baixos incidissem sobre um maior estoque de dívida, mantendo em níveis elevados as despesas com juros.
Como se pode constatar na figura que segue, durante o período de queda da taxa Selic a economia gerada com o pagamento de juros foi irrisória, pois as despesas se reduziram de 5,2% do PIB, no final do governo anterior (quando a Selic era de 10,75%), para cerca de 4,8% no atual governo. Portanto, uma redução temporária de apenas 0,4% do PIB, sendo que as expectativas apontam que logo voltarão a crescer e superar a marca dos 5%.
O governo tem gasto, em média, cerca de 5% do PIB ao ano com pagamento de juros para uma dívida líquida de cerca de 35% do PIB. Se levarmos em consideração a relação entre o juro pago e o estoque de dívida liquida, chega-se a uma taxa média de juros a ser paga da ordem de 14,5% ao ano, ou seja, bem acima da taxa básica de 10%.
A dívida pública tem seguido uma trajetória de aumento persistente, superando, em outubro de 2013, a marca de 2 trilhões de reais, o maior nível já registrado. Segundo os dados da Secretaria do Tesouro Nacional, nos últimos oito anos a dívida pública praticamente dobrou, considerando que o estoque de dívida estava na ordem de R$ 1,01 trilhão, em 2004.
Dessa expansão do endividamento público de cerca de R$ 1 trilhão, mais de R$ 300 bilhões (30%) correspondem a emissões de títulos públicos, que tiveram como principal propósito a capitalização do BNDES, cuja principal finalidade foi de viabilizar a política de direcionamento de crédito para os chamados “campeões nacionais”, que correspondem a setores eleitos pelo governo como merecedores de créditos fáceis e subsidiados, com critério de eficiência alocativa dos recursos altamente duvidosos e questionáveis.
Um outro aspecto intrigante no que tange ao endividamento público, está relacionado ao perfil da dívida que tem demonstrado alterações significativas, mais recentemente. Segundo informações da Secretaria do Tesouro Nacional, a dívida do governo indexada à variação do dólar atingiu cerca de R$ 151 bilhões em outubro deste ano, o equivalente a 7,85% do endividamento público total. O aumento da dívida do governo atrelada à variação do dólar tem acontecido com maior intensidade nos últimos meses. Até meados do ano, estava abaixo de 1% da dívida total, em junho, passou para 2,76% e, em agosto, já estava em 6%, superando recentemente a marca de 7%.
Esse processo de ascensão da dívida indexada ao cambio resulta das emissões de contratos de “swap cambial”, decorrentes da vendas de dólares no mercado futuro pelo Banco Central. Esse mecanismo auxilia para evitar a pressão sobre a taxa de câmbio em momentos de alto risco quando o ambiente é contaminado com elevada incerteza, colaborando para baixar a cotação do dólar no mercado à vista. A necessidade desse instrumento reflete a tentativa do governo em contornar as incertezas dos investidores e a saída de capitais, que tendem a exercer fortes pressões sobre o câmbio a vista.
Dados oficiais demonstram que o volume de dívida vinculada à variação da moeda norte-americana foi bastante significativa no imediato período pré e pós desvalorização cambial (janeiro de 1999). Para se ter uma idéia, em dezembro de 1999, quando iniciou a série histórica para este indicador, a dívida cambial, após as operações de “swap”, representava 22,8% do total e, em setembro de 2002, chegou a atingir a expressiva marca dos 40% da dívida total, representando cerca de R$ 267 bilhões. Em virtude de tratar-se de um período de grande instabilidade, este instrumento de dívida foi utilizado pela necessidade de conter processos especulativos sobre a volatilidade da taxa de câmbio e garantir maior estabilidade no mercado cambial. Porém, em virtude da alta parcela de dívida atrelada ao dólar gerar instabilidade no comportamento da dívida e, devido à falta de previsibilidade das flutuações sofridas pelo dólar, o governo reduziu significativamente sua participação para níveis irrisórios, justamente para garantir maior estabilidade e controle sobre o processo de endividamento. Desde então, o governo atuou para baixar este patamar que, já em 2004, era menor que 10% do total, e recentemente chegou a ser inferior a 1%.
Esse movimento vem se refletindo diretamente nas contas públicas através da redução sistemática do superávit primário, e uma piora no resultado operacional, como se pode constatar na figura que segue.
Essa situação só tem se agravado, pois as contas do Tesouro Nacional fecharam o mês de outubro com o saldo mais baixo já registrado para o mês desde 2004, e o governo conseguiu até agora cumprir apenas com 46% da meta comprometida para o ano de 2013. De acordo com os dados divulgados para o mês, a arrecadação de impostos e outras receitas foram suficientes apenas para gerar uma sobra de 5,4 bilhões em relação às despesas com pessoal, programas sociais, custeio administrativo e investimentos. Essa economia gerada pelo governo, chamada de superávit primário, que é destinada para cobrir o pagamento com juros e o abatimento da dívida, tem sofrido constante deterioração. Com gastos em permanente ascensão e receitas abaixo do esperado, a economia do governo nos primeiros dez meses do ano foi de R$ 33,4 bilhões, muito abaixo da meta fixada para ser atingida até dezembro, que é da ordem de R$ 73 bilhões.
O governo se comprometeu a entregar um superávit equivalente a 2,3% do PIB em 2013, o que representa R$ 108,09 bilhões. Porém, o Ministério da Fazenda retificou a meta anunciando que deduziria desse valor gastos efetuados com investimentos e desonerações, embarcando em uma manobra contábil criativa e altamente duvidosa, fixando uma nova meta de R$ 73,03 bilhões, que ainda corre sérios riscos de não ser cumprida.
Na tentativa frustrada de revigorar o consumo e a atividade produtiva, o governo tem sistematicamente elevado seus gastos e reduzido impostos. As conseqüências dessa estratégia tem se refletido no aprofundamento dos desequilíbrios das contas públicas. Constata-se que, enquanto as receitas crescem a uma taxa de 8,4%, as despesas se elevaram em 14%, sinalizando para entrar em uma trajetória de inconsistência dinâmica para o ajuste nas contas públicas, se nada for feito para contornar essa situação.
A decisão prudente e extremamente necessária do Banco Central de elevar a taxa básica de juros, em uma tentativa de controlar a inflação, está ocorrendo justamente em um momento desfavorável para as finanças públicas, dado que as contas do governo vêm demonstrando sinais evidentes de deterioração, em virtude do aprofundamento nos desequilíbrios e do acelerado processo de endividamento. Isso significa que, se as irresponsabilidades fiscais persistirem, a elevação dos juros pode colaborar para piorar o atual cenário e aprofundar o pessimismo que vem tomando conta do mercado.
Isso já se reflete no setor real da economia que vem apresentando sinais de piora, como é possível perceber no que tanga ao desempenho da atividade da indústria que vem perdendo força, demonstrando claros sinais de desaceleração, como demonstra a figura que segue.
O atual cenário apresentado pela economia brasileira tem sido motivos de grandes preocupações, pois se percebe que a fórmula que vinha sendo adotada, com grande sucesso, para manter a estabilidade financeira, baseada no tripé controle da inflação, câmbio flutuante e metas de superávit primário vem sendo gravemente sacrificada. A política fiscal e monetária flexível, adotada até então pelo atual governo, em vez de crescimento acelerado, só tem feito produzir desordem, desconfiança e instabilidade.
A constante piora que vem sendo verificada na política fiscal, principalmente, à partir de 2010, tem produzido temores expressivos com a pressão que tem exercido sobre os preços, em virtude dos incentivos ao crescimento de demanda que uma política fiscal frouxa tende a promover. A recente preocupação com a elevação da inflação tem exigido um maior esforço por parte do Banco Central para tentar trazê-la novamente para o centro da meta (4,5% ao ano).
Considerando constante piora das contas públicas, além da preocupação com a inflação, vem a tona uma preocupação ainda mais séria que causou grandes temores no passado, e que parecia ter sido solucionada, mas que volta a assombrar novamente, que é o potencial risco de insolvência por parte do governo que, embora seja ainda muito baixa, já começa a se refletir na exigência de prêmios de riscos mais elevados para a compra de títulos públicos e através das constantes ameaças de corte na nota de avaliação de risco dos títulos soberanos brasileiros.
Caso não seja atingida a meta do superávit prevista para o ano de 2013, a economia começa a ter que conviver com sérios desequilíbrios, e emitir sinais evidentes de que, mesmo no curto prazo, não há nenhum controle muito menos comprometimento, o que aumenta a incerteza e destrói a confiança de investidores externos, o que tende a agravar ainda mais o atual cenário.
Por conta da evidente deterioração das contas públicas, só existem duas possibilidades, ou o governo segue na trajetória aventureira e dá continuidade à política irresponsável de expansão fiscal descoordenada, aprofundando ainda mais os desequilíbrios (ampliando os déficits e o endividamento público) e joga o problema para o futuro, ou promove um imediato ajuste fiscal. Se seguir a segunda opção, que seria a escolha mais sensata e prudente, terá que adotar medidas impopulares tendo que repensar a questão das desonerações realizadas até então ou, inevitavelmente, vai ter que cortar despesas e/ou aumentar imposto e socializar os custos das desordens produzidas até então. Se optar pelo continuísmo, os problemas só tendem a se agravar, e quando mais postergar o inevitável ajuste, maior vai ser a conta a ser transferida para o futuro, e o custo a ser socializado para cobrir os crescentes prejuízos causados. Ou seja, trata-se de uma escolha intertemporal entre pagar uma conta menor agora ou uma conta mais pesada no futuro, a escolha vai definir quanto vai pesar no bolso do contribuinte que é quem vai ter que pagar a conta por mais essa herança maldita produzida por governos irresponsáveis.
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Anderson Denardin é Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e escreve todos os domingos para o site do Clube Farroupilha.
As informações, alegações e opiniões emitidas no site do Clube Farroupilha vinculam-se tão somente a seus autores.