O economista e professor Roberto Campos costumava dizer, com a sagacidade que lhe era contumaz, que existiam apenas três saídas para a economia brasileira: Galeão, Cumbica e o liberalismo. Muito além do que apenas uma especulação ideológica, Roberto Campos detinha convicção teórica acerca da superioridade do liberalismo e, à época dessa afirmação, já possuía certeza empírica do fracasso intervencionista/protecionista.
O Brasil aos olhos de Campos continuava a dar murros em ponta de faca com políticas de sintonia fina (seja lá o que for isso), que substituíam importações e protegiam os ditos setores estratégicos, buscando com essas artimanhas industrializar a economia brasileira e sair do ostracismo econômico apontado pela CEPAL[1] e outras escolas de pensamento econômico.
O fato é que o Brasil – a despeito de todas essas tentativas do governo e das mesmas recomendações cepalinas para tirar a indústria brasileira de sua inerente insipiência – nunca fez a lição de casa. Nunca percebeu que a condição necessária para crescer é acumular capital constantemente, e isso só é possível poupando internamente. Como nunca fizemos tal sacrifício, jamais conseguimos períodos longos e sólidos de investimento que consolidassem uma acumulação forte de capital (leia-se, em economês, uma acumulação na formação bruta de capital fixo).
Isso tudo ocorreu ao longo de parcimoniosos anos 30, 40 e 50 em que o Brasil com uma política econômica financiada por poupança externa (leia-se endividamento externo) e substituição de importações, até vislumbrou algum fruto industrial que culminou no conhecido e fantasioso “milagre econômico” dos anos 70. Alguns teóricos afirmam que foi nesse momento que o Brasil perdeu a oportunidade de abrir e se modernizar industrialmente. Que era esse o momento de expor a nossa indústria ao comércio internacional.
Nesse contexto, o que fosse eficiente sobreviveria à concorrência imposta pelo mundo e o contrário cairia na falência industrial – isso então revelaria as nossas vantagens comparativas[2] em bens de capital e não apenas em commodities agrícolas ou minerais.
Acerca desse debate poderíamos dissertar longamente se erramos na época (ou não) no que tange a política industrial, porém, essas minúcias históricas fogem ao escopo aqui pretendido.
Este é mais atual e se refere ao atual debate sobre a desindustrialização brasileira. Como já dito em artigos anteriores, por aqui, o estudo e a negligência com as lições históricas é um fato. A consequência é que continuamos a repetir os erros que a história não cansa de nos alertar. Isso pode ser observado pelas recomendações de renomados economistas[3] brasileiros que desejam voltar ao passado protegendo setores e substituindo importações novamente. Tais preceitos não encontram respaldo empírico, sequer teórico. Muitos desejam que continuemos protegendo os setores estratégicos e nos financiando com poupança externa (agora chinesa) com a ingênua esperança que assim acumulemos capital e migremos para uma economia – novamente em economês – intensiva em capital.
Há quem diga também que o Brasil deve parar de tentar se industrializar. Que estamos destinados a sermos intensivos em trabalho e não em capital, logo, estaria mais do que na hora de aproveitarmos as nossas vantagens comparativas em trabalho e exportamos o que sabemos fazer (leia-se commodities) e importarmos o que o resto do mundo faz melhor (bens de capital).
Quanto a este humilde colunista, entre essas duas posturas, eu fico com a última. No entanto, vejo como perfeitamente possível nos tornarmos intensivo em capital e reproduzirmos plantas industriais de maiores encadeamentos produtivos[4]. O mais difícil, provavelmente, é nos tornarmos um país inovador em alta tecnologia. Por quê? Pelo simples fato de que não acumulamos capital necessário para isso e, principalmente, porque temos um capital humano arcaico no que se refere à inovação e tecnologia. Falta educação de qualidade nas terras tupiniquins e por mais insano e doloroso que seja isso não podemos dourar a pílula para negarmos a realidade.
No entanto, isso não significa que necessariamente estamos condenados a produzir soja, açúcar, minério de ferro e café. Evidentemente podemos reproduzir tecnologia e plantas industriais modernas. Podemos gerar encadeamentos produtivos e industrializar nossa economia diversificando-a produtivamente. Isso sem dúvida geraria empregos em setores mais produtivos e de maior valor agregado em comparação a uma economia baseada em commodities e setor de serviços.
Porém, para isso (com o perdão da incessante repetição) é preciso acumular capital! Logo, é necessário poupar! É a poupança que diminui os juros de forma sustentável (e não por marretada de presidente). É a poupança que libera os fatores e propicia que a estrutura produtiva se torne mais intensiva em capital, focada menos na produção de bens finais e mais na produção de bens de ordem superior[5]. O Brasil precisa aprender essa lição! Esquecer o curto prazo e os pontos no já mísero PIB[6] de Guido Mantega e sua tropa de incompetentes. Junte-se a isso um programa de desoneração fiscal e trabalhista de verdade e temos o caminho pavimentado para se industrializar, empregar e crescer economicamente.
Agora com um governo em que os conselheiros econômicos são Luiz Gonzaga Belluzo e Delfim Netto[7] os brasileiros, sinceramente, não devem ter muita esperança. Vamos ficar labutando todos os dias para que as recomendações deles nos levem a mais desindustrialização[8] e atraso econômico. Enquanto os oniscientes de Brasília seguirem tentando reinventar a roda eu recomendo que trabalhemos e poupemos sem nunca esquecer do que Albert Einsten já nos alertava – duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta. E no Palácio do Planalto essa estupidez prospera, eu diria, em progressão geométrica – o futuro brasileiro realmente preocupa!
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Felipe Rosa é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento (PPGE&D) da UFSM. Escreve todas as quintas para o site do Clube Farroupilha.
[1] A CEPAL é conhecida como uma escola de pensamento econômico desenvolvimentista e estruturalista de natureza heterodoxa com vasta literatura acerca da desindustrialização. Tem como principais teóricos Raul Prebisch, Celso Furtado e Ricardo Bielschowsky.
[2] A teoria das vantagens comparativas no comércio internacional foi formulada pelo economista clássico David Ricardo em seu Princípios de Economia Política e Tributação. Em termos gerais propõe que as nações produzam bens em que possuem mais tecnologia e abundância de fator de produção (trabalho, capital ou terra) e importe aqueles bens em que possuem tecnologia e fator de produção mais escasso.
[3] Um dos baluartes da mídia e da academia brasileira no que tange a desindustrialização é Bresser-Pereira. Para ele o problema segue sendo a abertura econômica e o câmbio apreciado (não obstante o fato de que a mais de um ano o mesmo esteja acima do R$ 2,00 e a indústria simplesmente não cresça). Existe vasta literatura desse autor sobre o assunto em questão. Em uma primeira leitura sobre o tema recomendo esse artigo para o Valor em que ele sintetiza a suas fantasiosas ideias acerca da desindustrialização. http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/desprotecionismo-e-desindustrializacao-por-bresser-pereira
[4] Uma explicação imprescindível para o entendimento sobre a estrutura produtiva da economia e seus encadeamentos é feita pelo professor Roger Garrison. Ver: http://mises.org.br/Article.aspx?id=206
[5] Um excelente ensaio sobre a desindustrialização brasileira que explica acuradamente essas ordens entre bens superiores/inferiores e demonstra que o Brasil está em processo de despoupança interna e depredação de capital (ao invés de acumular) foi realizado pelo professor Domingos Branda. Ver: http://mises.org.br/Article.aspx?id=1262
[6] O PIB do terceiro trimestre demonstra que já conseguimos a façanha de somar recessão com inflação. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/12/1379990-pib-brasileiro-recua-05-no-terceiro-trimestre.shtml
[7] “Quem conhece a presidente Dilma diz que ela não escuta quase ninguém, principalmente em economia. Por ser economista, ela possui ideias próprias e exige que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, as executem. Os mais próximos dizem que ela respeita apenas três economistas: Delfim Netto, ministro da Fazenda e do Planejamento no regime militar; Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da FGV de São Paulo; e Luiz Gonzaga Belluzzo, secretário de Política Econômica do governo Sarney.” Ver: http://www.dzai.com.br/nunes/blog/blogdovicente?tv_pos_id=141370
[8] http://www.valor.com.br/brasil/3349816/industria-perde-cada-vez-mais-espaco-na-criacao-de-empregos
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