O advento do capitalismo nunca fui planejado. Sequer pensado. Quando Marx em um sentido pejorativo usou tal termo o processo de produção capitalista (outro termo marxista) já estava em curso acelerado confundindo ainda mais as variáveis econômicas daqueles que, como Marx, atreviam-se a entendê-las. Compreender a valoração das coisas, a formação de preços, a alocação de recursos, entre outros era uma tarefa árdua para época ali vivida.

O capitalismo não tem dono. Não tem um pai fundador. Surgiu espontaneamente, parafraseando Mises, da ação humana propositada que necessitava trocar para diminuir seu desconforto (ou mesmo sobreviver) e da percepção criativa que só a cognição humana pode realizar. Emergiu da nossa capacidade em perceber que para trocar era preciso produzir e que isto só era possível, eficientemente, em um sistema de propriedade privada. No entanto, não bastou um sistema privado de propriedade para que o capitalismo emergisse das trocas entre as pessoas. O capitalismo enquanto sistema só pôde ser erguido pelo alto grau de acumulação gerado. E tal acumulação só foi possível (de novo) pela percepção humana de que ao dividir a produção em várias etapas a produtividade de cada indivíduo aumentava (e a produção como um todo). É nesse ponto (que não tem cronologia definida) que se estabeleceu um processo de produção alicerçado na divisão do trabalho.

O respeito à propriedade privada adjunto a produção com divisão do trabalho, portanto, está no cerne do processo de produção capitalista[1]. Não fosse assim não se teria o capitalismo como se define hoje.

É com essas características que o capitalismo conseguiu alocar os escassos recursos humanos e naturais com uma eficiência até então inimaginável. Primeiramente, com a propriedade privada tornou-se possível (ao produtor) realizar mais eficientemente o cálculo econômico sobre a escassez da terra, do trabalho e dos insumos produtivos. Disso derivaram-se os preços sinalizando pelo lado da demanda o quão escassos são os bens produzidos e o grau em que estes estão disponíveis. Surgia assim a intrincada rede de trocas conhecida hoje como mercado ou processo de mercado no âmbito de um sistema de produção capitalista.

Posteriormente, com a divisão do trabalho foi possível atenuar o desperdício de tempo na troca entre um trabalho e outro, diminuir a leniência acarretada por essa mudança da técnica produtiva e, assim, aumentar o grau de especialização do trabalho, bem como, a capacidade individual de criação e inovação de cada indivíduo inserido em um processo produtivo. Isso aumentou o padrão de acumulação em níveis inauditos propiciando as condições para que ocorressem os processos de mercado descritos no parágrafo acima.

Vem de toda essa intricada rede o nosso atual padrão de produção dinâmico, tecnológico e inovador. O capitalismo surgiu daí e se desenvolveu sobre essas bases. Nega-las é negar o capitalismo. É negar a capacidade que esse processo de produção tem de produzir riqueza como nunca antes visto ou imaginado. É, justamente, dessas benesses capitalistas que derivam os seus maiores pecados atuais – vamos a eles.

Mais de três séculos depois o capitalismo se desenvolveu (nos países que os governos permitiram) plenamente. Gerou riqueza em níveis absurdos transformando, por exemplo, a fome em um problema de distribuição ao invés de escassez. Quem cresceu sobre esse sistema de produção já desenvolvido (e não o estuda) apenas o reproduz. Pensa ingenuamente que assim sempre se produziu riqueza e que a atual infinidade de bens e serviços disponíveis só teve seus níveis alterados em maior ou menor grau. Logo, imaginam que bens hoje básicos ou essenciais sempre foram abundantes. Nunca souberam que comer e vestir na idade média era um privilégio das classes abastadas. Que água potável e encanada nem essas classes possuíam. Que o acesso à saúde e educação era precário ou sequer existia dependendo do quanto se volta no estudo da história. Essa é a culpa do capitalismo! Transformar bens considerados de luxo em básicos e abundantes nos dias atuais.

No entanto, essa sensação de abundância permitida pelo capitalismo gera um efeito pernicioso nos mais incautos. Estes atrelam a distribuição de bens ditos básicos e essenciais como um direito. Outorgam, assim, aos governos o dever de provê-los. Sequer sabem que é exatamente o Estado (este ser onisciente e distribuidor de riqueza) o maior entrave para a produção desses mesmos bens considerados essenciais e de direito de todos. O Estado nunca produz nada. Quando em sua máxima eficiência apenas distribui riqueza de um para outro. O direito a saúde, educação, alimentação entre outros só puderam ser assim considerados porque o capitalismo produziu (e produz) esses bens escassos de uma maneira que os torna abundantes.

Essa é outra culpa do capitalismo, por assim dizer. Dar a sensação de que todos possuem direito a tudo que seja considerado elementar para uma mínima qualidade de vida. Portanto, se um cidadão reside no meio do pantanal e considera que deve ter direito a telefone, energia elétrica e água encanada é falha do capitalismo não lhe prover isso. É uma falha de mercado, dizem aqueles que adoram as vias de reprodução da miséria e do atraso (respectivamente o socialismo e o intervencionismo). O capitalismo falhou! Os mercados não funcionam, dizem eles. Cabe ao Estado (este benevolente) ofertar ao isolado cidadão tais bens que só o capitalismo propicia em níveis passivos de tamanha distribuição.

A sociedade precisar estudar o que de fato os cerca – precisa estudar o capitalismo. Imaginar que o capitalismo chega em meio ao deserto, com todas as sua benesses, para uma meia dúzia de indigentes que lá vivem é desconhecer seu funcionamento. Considerar que cabe ao capitalismo fornecer bens e serviços a regiões onde sequer existe demanda é querer a perfeição de um sistema de produção que jamais será perfeito, pois é formado e construído por pessoas. São estas que trabalham todos os dias para que os direitos a bens e serviços escassos possam ser fornecidos em sua maioria e para todos.

O maior perigo do capitalismo é deixar que a ignorância coletiva transforme sua maior virtude (a imensa produção e distribuição de riqueza) em defeito. Afinal o elemento corretivo para tal advém sempre por vias estatais que apenas atrasam o desenvolvimento das nações e a distribuição de bens e serviços. Cabe aos liberais que de fato entendem os processos de mercado e o capitalismo mostrarem como se produz de fato riqueza e as dificuldades inerentes a isto. Cabe a nós alertarmos também para as limitações do capitalismo sem esquecer sua inexorável importância na produção e distribuição de riqueza. E acima de tudo, cabe a nós, demonstrarmos que a solução distributiva raramente passa pela caneta de um legislador ou burocrata abnegado que pretende, geralmente sem sucesso, transformar bens escassos em direito.

O capitalismo tem esse pecado! Dar a sensação de que tudo é abundante e que, portanto, é direito de todos. Essa é uma perigosa via para mais Estado e menos mercado. É preciso que todos enxerguem que – nas palavras de Bastiat – o estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver às custas de todo mundo e que a melhor via para distribuir riqueza é o mercado. Demonizar este é combater o capitalismo. É acabar com a produção de riqueza. É voltar à idade média. Cuba quase faz isso. A Coréia do Norte está quase conseguindo! Você leitor, gostaria de morar lá?

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Felipe Rosa é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento (PPGE&D) da UFSM. Escreve todas as quintas para o site do Clube Farroupilha.

[1] Evidentemente não se pode esquecer o papel fundamental da moeda como meio facilitador de trocas. A moeda ao tornar as trocas indiretas dinamizou as mesmas e propiciou a acumulação necessária para o sucesso do modo de produção capitalista. Mises em seu tratado Ação Humana disseca sua importância. Ver: Ação Humana – Um Tratado de Economia, cap. XVII.

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