Por Derick Azevedo
A economia, como ciência social, é o estudo da ação humana ao longo do tempo sob condições de incerteza genuína. Ou seja, a economia é formada pelo conjunto de trocas voluntárias dos indivíduos, que têm a expectativa futura de melhoria de suas condições prévias, e agem, através dos meios disponíveis, para alcançar determinados fins. E posto que o conhecimento humano é limitado e imperfeito, todas estas ações ocorrem em um ambiente de incerteza genuína e valoração subjetiva. Em prática, a economia busca a alocação de bens e recursos escassos em face a demandas ilimitadas.
Durante a milenar trajetória civilizacional da humanidade, os indivíduos foram descobrindo e criando novas formas de produção e comércio, cada um buscando seu bem-estar, que em agregado trouxeram o crescimento e desenvolvimento econômico da sociedade. Este processo possibilitou uma evolução cultural e social nunca antes imaginada. Hoje vivemos na era mais próspera, de maior qualidade de vida e riqueza da história da humanidade.
Após a revolução industrial este processo foi acelerado de forma monstruosa, fazendo com que em pouco mais de 200 anos a taxa de extrema pobreza caísse de 90% para menos de 10% da população atualmente. Este desenvolvimento incrível se deu pelo mercado e pelas redes de troca livres, que com os incentivos certos proporcionou uma alocação eficiente dos recursos e meios disponíveis.
Apesar de que pela força do mercado, ao longo prazo, o crescimento econômico tender a ser constante, ele não ocorre em linha reta. Pelo contrário, ele passa por períodos de maior expansão (boom) e aumento da produção e períodos de contração (bust), reajuste ou realocação de capital. Este dinamismo da economia a torna volátil e forma o que a escola austríaca chama de “ciclos econômicos”. Estes ciclos podem ser naturais ou afetados (e muito, como vamos ver a seguir) pela atuação do Estado.
Após essa não tão breve introdução, vamos ao tema principal do artigo, no qual buscaremos entender como funcionam os ciclos da economia, a causa das crises econômicas e de que forma o coronavírus pode afetá-lo.
Parte II – As crises e os Ciclos da Economia
Conforme explicado na parte I do artigo, há muitos anos o Federal Reserve Bank dos EUA, o Banco Central Europeu e autoridades monetárias de vários países como o Japão, vêm promovendo políticas econômicas de expansão de crédito e injeção de liquidez na economia global por meio de instrumentos como o Quantitative Easing e a emissão de moeda. Tais medidas são classificadas como anti-cíclicas, ou seja, são tentativas de alterar o ciclo econômico impedindo o reajuste real do mercado e prolongando um processo de expansão econômica. Em uma primeira análise pode parecer positivo e desejável, para a maioria das pessoas, que o governo não deixe a atividade econômica cair e que mantenha a economia sempre em crescimento. Esta ideia, apesar de equivocada, é muito popular e está enraizada na mente de grande parte da população brasileira, que continua apoiando políticos que promovem manipulações gigantes no mercado, e que após falharem repetem que o problema foi a falta de intervenção. Por isso é necessário entendermos o papel da moeda, do crédito e dos bancos na economia, sua relação com a produção e o desenvolvimento econômico e como isso faz parte dos ciclos da economia.
Moeda, Capital e Crédito
A moeda é o meio usado pelos indivíduos em uma economia de mercado para facilitar as trocas. Não é uma mercadoria com um valor intrínseco, pois a moeda só tem serventia real na medida em que pode ser trocada por algum bem ou serviço, ou seja, seu valor é diretamente atrelado ao seu poder de compra. Outra função da moeda na economia é a do seu uso como reserva de valor, quando o indivíduo abre mão do consumo imediato da sua renda para poupar. Esta poupança de capital é feita através de instituições financeiras (bancos), que usam estes recursos para realizar empréstimos para para pessoas que desejam fazer um investimento ou empreendimento, cobrando uma taxa de juro em cima do valor original. Assim os bancos servem como intermediários entre poupadores e investidores (pessoas com capital excedente e pessoas que precisam de capital) .
Contudo, para que os empréstimos sejam viáveis (para o credor e o tomador) e para que exista um incentivo à poupança, o valor e o poder de compra da moeda precisam ser estáveis. Apesar de não ser uma mera mercadoria, a moeda está sujeita à lei da oferta e demanda e a sua desvalorização tende a desincentivar a poupança e promover o consumo imediato. A oferta da moeda é representada pelo volume disponível na economia, a base monetária circulante. E a demanda da moeda é representada pela necessidade de produção e investimento.
Todo esse processo possibilita o uso muito mais efetivo do capital aculmulado, visto que ele tende, dentro dos incentivos corretos do sistema de preços e taxas de juros , ser repassado a indivíduos que o utilizarão de maneira mais produtiva, expandindo as atividades de uma empresa, iniciando um empreendimento, investindo no desenvolvimento de uma nova tecnologia, dentre outras infinitas possibilidades. Além disso, esse dinamismo impulsiona a coordenação social, empreendedores reagem aos sinais e informações transmitidas e procuram alocar seu capital de maneira a atender a demanda sinalizada pelos preços da economia. Esta tomada de decisão por parte dos agentes econômicos tende a ser correta quando o planejamento é feito sob preços livres, que refletem a real conjuntura financeira da sociedade. Se estas informações estiverem distorcidas, o planejamento será equivocado e o capital será mal gasto, resultando em deterioração de riqueza e gerando um ciclo econômico não natural.
Em resumo, em uma economia livre a baixa preferência temporal (abdicação do consumo imediato) e a poupança, que por meio dos bancos se transformam em crédito e posteriormente em empréstimos e investimentos corretos, promovem um crescimento econômico e formam ciclos saudáveis, com reajustes menores e maior produtividade e aumento de riqueza a longo prazo.
O Ciclo
Hoje vivemos em um sistema macroeconômico controlado por bancos centrais, que por meio de políticas monetárias geram ciclos econômicos de maior volatilidade e marcados por fortes expansões e contrações, certamente um modelo nada saudável.
Esse ciclo não natural se inicia com uma expansão de crédito baseada, por exemplo, em um queda artificial na taxa de juros, antes elevada devido à pouca poupança e alta preferência temporal dos indivíduos.
Hayek, um dos maiores estudiosos dos ciclos econômicos, influenciado pela teoria do capital de Böhm-Bawerk, observou que a expansão do crédito, por entrar de maneira heterogênea na economia e atingindo diversos setores de maneiras diferentes e em tempos distintos, causa alterações diretas nos preços relativos (os preços de um bem em relação aos demais). Os empresários e investidores recebem a falsa informação de que a demanda maior é para o consumo no longo prazo de bens de maior valor agregado, sustentado por uma suposta poupança dos indivíduos. Isto leva a um deslocamento do fluxo de bens de capital para a produção de bens de maior ordem (mais afastados dos bens de necessidade imediata). Quanto maior a ordem deste bem, mais etapas “roundabouts” a sua cadeia produtiva exige, logo a economia fica mais complexa, ou nas palavras de Bawerk, “mais capitalista”.
O Triângulo de Hayek; Fonte: (IORIO,2011)
O vetor horizontal do triângulo representa o tempo, cada fração ou coluna do gráfico
representa uma etapa intermediária do processo produtivo, o vetor
vertical representa a quantidade de bens produzida ou o valor adicionado por
cada etapa. A imagem busca ilustrar como se dá a dinâmica da produção.
Uma tendência natural à poupança levaria empresários a tomar a correta decisão de produzir bens mais complexos para o consumo futuro, pois os consumidores realmente estariam mais propensos a o consumo de bens futuros. Entretanto, como os Bancos Centrais quase sempre distorcem esta informação, a realocação do capital ocorre de maneira errada, mas isso é quase imperceptível no curto prazo.
Enquanto os investimentos e decisões estão indo para o caminho errado, os números da economia aumentam, obras são feitas, empreendimentos são formados e negócios são expandidos, ocorre um aumento no consumo (que gera um aumento momentâneo na oferta de bens de consumo imediato), queda no desemprego, o PIB cresce a sensação de todos é de que há uma conjuntura econômica de prosperidade e produtividade. Este exemplo se encaixa muito bem com a realidade brasileira quando, em 2010, crescemos 7,5% em relação ao PIB em meio a esbanjamento de crédito. O que se via era a euforia da população com o aumento do consumo, emprego e renda. Fora da vista, no entanto, estavam a perpetuação de empresas ineficientes, maus negócios alavancados, setores improdutivos recebendo recursos e investimentos de alto risco a juros baixíssimos.
Conforme o dinheiro entra na economia, a demanda por bens e serviços cresce de forma desordenada sem ser compensada por um aumento na produção dos mesmos, visto que o capital foi direcionado à produção de bens de ordens maiores, de processos mais longos e para consumo futuro. Assim, uma disfunção na oferta e demanda aparece e a inflação começa a subir. As pessoas que recebem por último essa injeção de dinheiro vão ter sua moeda (poder de compra) muito reduzido, visto que os preços já estarão altos quando o “benefício” dessas políticas chegar até elas.
Quando o ciclo atinge seu pico, as reais informações começam a aparecer, empresas se dão conta de que não terão a demanda esperada para a sua produção e que não terão receita suficiente e geração de caixa para cobrir suas despesas e dívidas. Concorrentes terão dificuldade de entrar no mercado devido ao preço inflacionado dos bens de capital, (quem “chegou depois” tende a ser prejudicado), e assim se inicia um processo de liquidação e reajuste, no qual os maus investimentos têm de ser expurgados: demissões, queda na atividade econômica, endividamentos e calotes, empresas quebram e os bens imobilizados e meios de produção começam a mudar de mãos para futuramente poderem ser reaproveitados em atividades mais produtivas.
Em uma analogia com o Brasil, começamos a pagar o preço das políticas erradas já em 2014 com o baixo crescimento, e entramos de vez em um forte processo de contração em 2015.
Quando a contração começa, o Estado se vê em uma situação onde tem duas opções:
1- Deixar o reajuste acontecer, promovendo medidas de flexibilização do mercado e de liberdade econômica que facilitem a realocação do capital.
2- Injetar mais dinheiro na economia, salvar algumas empresas e prolongar o ciclo econômico.
Caso a primeira opção seja escolhida, os impactos da crise serão fortes no curto prazo e pessoas serão prejudicadas, mas ao longo prazo a economia tende a se recuperar e voltar ao curso normal.
Caso a segunda opção seja a escolhida, a curto prazo os efeitos serão em alguma medida mitigados, mas os maus investimentos e alavancagens erradas aumentarão e o preço futuro a se pagar se tornará maior ao longo do tempo. Quando a bolha estourar, os impactos serão muito maiores e duradouros. A inflação acumulada poderá sair do controle, mais empregos serão perdidos, maior será a diminuição na renda geral da população, maior será o custo para o bolso dos trabalhadores e empregadores e mais capital será perdido em empreendimentos que nunca deveriam ter existido.
Em resumo, essa é a dinâmica dos ciclos econômicos sob a qual boa parte das economias controladas por bancos centrais operam. Processos artificiais e disfuncionais, onde as demandas genuínas dos indivíduos são distorcidas. Alguns setores e pequenos grupos são beneficiados e a grande maioria da população é prejudicada.
Não podemos esquecer que existem efeitos ainda mais perversos que os já demonstrados e evidentes em uma análise pós recessão. Ao longo prazo e com a sucessão de ciclos,os esforços e recursos econômicos se voltam para a direção sinalizada pelos bancos centrais, o que faz-se perder o real potencial que os indivíduos agindo em conjunto poderiam despertar, não nos deixando saber como seria a estrutura econômica se não fossem as sequências de intervenções do Estado. Mas de algo podemos ter certeza: teríamos um arranjo muito mais eficiente e produtivo, visto que os esforços se voltariam à genuína demanda dos consumidores. Todo aquele capital humano e monetário desperdiçado ou mal direcionado joga a economia em um situação de menor produtividade em relação a que seria possível com as decisões corretas levadas por informações claras e reais.
Outro fato a se considerar é o de que qualquer intervenção positivada do Estado causa algum desequilíbrio na economia e altera a sua dinâmica. Desde a burocracia para abrir uma empresa a pequenas leis ou taxas sobre serviços, todo este escopo de atuação governamental vai de encontro com a livre iniciativa. No Brasil, por exemplo, o histórico de alta inflação, o fato de o Estado tomar quase metade da renda do trabalhador em impostos, complexidade, lentidão, insegurança jurídica e grandes barreiras que limitam a liberdade econômica diminuem a geração de riqueza e a possibilidade de acúmulo de capital, o que torna maior o risco de se investir no país e torna inviável para boa parte da população possuir um excedente de recursos para poupar, o que eleva os juros. Assim, políticos argumentam que o Estado precisa promover o crédito e a liquidez para a economia, ou seja, ele cria uma dificuldade e apresenta uma solução que, no fim, dará origem a um problema ainda maior.
Qual a influência da pandemia do coronavírus no ciclo econômico mundial?
É algo factual que estamos em uma das fases (pelo menos momentânea) de liquidação econômica e de rearranjo de capital, com empregos sendo perdidos, empresas alavancadas passando por sérias dificuldades, endividamento recorde dos países e injeções emergenciais recordes. Todos os impactos, principalmente nas maiores economias do mundo, estão ocorrendo em uma velocidade nunca antes vista, com grandes negócios se transformando em ativos podres da noite para o dia.
O número de pedidos de seguro desemprego nos EUA saltou para mais de 9 milhões nas últimas duas semanas. O principal índice da bolsa americana (Dow 30), assim como diversos outros índices como o de Shangai e de Frankfurt, tiveram quedas recorde, e os sinais de recuperação se deram apenas por estímulos (informações falsas) feitos por políticas de injeção de liquidez, que como explicado ao longo do artigo, não são boas alternativas para recuperar uma economia. O coronavírus parece ter desencadeado um processo de reajuste econômico, afetando diretamente o ciclo da economia, não apenas incentivando governos a promoverem políticas expansionistas, mas também promovendo um reajuste de mercado.
Estes fatos levantam dois importantes questionamentos, que serão respondidos na próxima e última parte do artigo:
O novo coronavírus será um fator que encerrará o ciclo econômico mundial ou irá prolongá-lo?
Toda essa eminente crise se deve exclusivamente ao coronavírus ou a pandemia é apenas uma faísca que acendeu a bomba de maus investimentos e políticas erradas dos últimos anos e que virá a se transformar na próxima grande recessão mundial?
Buscaremos entender o ciclo econômico mundial desde a crise de 2008 até os dias de hoje, em que fase ele se encontra agora e quais as perspectivas futuras dentro do cenário que estamos enfrentando.
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