Nos dias atuais, é comum ver imagens e notícias que escancaram o desastre que é o sistema de saúde brasileiro ao lidar com a pandemia. O choque causado pela visão destas cenas lamentáveis contrasta com as lembranças de tempos mais felizes  no mundo pré Covid.

É evidente que o vírus voltou a atenção de todos à área da saúde e, para muitos, pode parecer que o colapso de nosso sistema veio apenas como resultado da pandemia.  No entanto, a verdade é que o Corona apenas lançou luz sobre os problemas estruturais que impregnam a saúde pública e privada no Brasil.

Um importante fator contribuinte é, obviamente, o desgoverno negacionista de Jair Bolsonaro e os jogos orquestrados por tantos outros políticos nesses tempos conturbados.  A discussão destes fatores renderia vários outros artigos, portanto, este terá como foco mostrar ao leitor que a crise de nosso sistema de saúde data de muito antes de março de 2020.

 

Muito antes da Covid:  a construção de um sistema de saúde frágil e fadado ao fracasso.

Dia 5 de Outubro de 1988. É aprovada a nova constituição do Brasil, que viria a ser apelidada de “Constituição Cidadã” por Ulysses Guimarães, por grande parte de seu conteúdo ser voltado às áreas sociais. Um símbolo da volta da democracia após o período da ditadura militar.

No artigo 196 do texto, lia-se: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos  e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Então, com a “Constituição Cidadã”, nasceu o SUS.

O Sistema Único de Saúde, propriamente dito, só passou a acontecer da forma que é hoje a partir de setembro do ano 2000. Era administrado a partir de recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios.

O orçamento é claro, vem do seu bolso. Uma parte vem das “contribuições” ao INSS, outra vem do ICMS, imposto embutido em produtos e serviços, do IPI, sobre produtos industrializados, do Cofins sobre o lucro e do IPVA de automóveis e IPTU sobre propriedades.

O governo federal tem a obrigação de todo o ano destinar o mesmo valor do ano anterior, mais a variação nominal do PIB, e também é responsável por formular as políticas nacionais de saúde. A execução de tais políticas, no entanto,  fica a cargo dos estados, municípios e da iniciativa privada.

Além dos recursos da União, em nível municipal, é obrigatório que seja destinado 15% do orçamento à saúde. No caso dos estados, a fatia obrigatória é de 12%. 

  Mas como este orçamento é aplicado?

Vamos supor que você, leitor, tropeçou em um buraco em uma calçada muito bem cuidada pela prefeitura de sua cidade, acabou por quebrar o dedão do pé esquerdo e sofreu um pequeno corte no mesmo membro. Neste cenário, você não possui um plano de saúde privado e então, como pode todo o cidadão brasileiro, vai se tratar pelo SUS.

Primeiro você vai até uma UBS, onde poderá marcar uma consulta com um clínico geral, pediatra ou ginecologista. No seu caso, provavelmente será atendido por um clínico geral e ele provavelmente irá te transferir para um ortopedista.

Ainda na UBS, será feito um curativo no corte no dedão de seu pé esquerdo e se necessário pode tomar um remédio ou uma injeção para a dor. De quebra, ainda vai tomar aquela vacina que estava faltando na carteirinha e talvez fazer um teste rápido de HIV ou Sífilis, só por desencargo de consciência.

Agora vamos pensar em um cenário mais fatalista. Você chegou à UBS e começou a pensar em quanto tempo vai ter que ficar sem trabalhar ou jogar futebol por conta do dedão de seu pé esquerdo, que está quebrado.

Seu coração começa a disparar pelo nervosismo, sente uma pontada no peito e a dor irradia pelo braço esquerdo. Você está infartando. A emoção foi demais, seu colesterol já estava alto e, vamos ser honestos, você é sedentário.

A gentil moça que pedia seus dados percebe o que está acontecendo e prontamente começa a seguir o protocolo de uma situação como esta. Você logo é transferido para uma Unidade de Emergência onde são administrados medicamentos, e um  choque de desfibrilador faz seu coração voltar ao ritmo natural.

  Isso tudo claro, na teoria.

Na prática, você provavelmente chegará à UBS onde entrará em uma lista de espera para consultar com um clínico geral. Te darão um comprimido de paracetamol 500 mg para aguentar a dor no dedão de seu pé esquerdo, e um tapinha nas costas antes de voltar para a casa e aguardar sua consulta .

Depois de um tempo muito maior do que seria saudável, chega o dia de se consultar. O médico avalia o dedão de seu pé esquerdo, concluindo que ele realmente está quebrado, te dá outro paracetamol 500 mg e te encaminha para a lista de espera para uma consulta com um ortopedista.

Você sofre mais algumas semanas com a dor no dedão de seu pé esquerdo até que é atendido pelo ortopedista. Ele realiza os tratamentos adequados, mas seu dedão já está muito pior do que quando o problema começou, por conta da demora.

No cenário em que você sofreu um infarto,  você pode ficar à beira da morte, pois a unidade de emergência mais próxima é do outro lado da cidade e a ambulância que o transporta está com equipamentos faltando. Chegando ao hospital, você será atendido de forma improvisada em um corredor, por profissionais que dividem sua atenção com três outros pacientes, pois o hospital está superlotado.

Tudo bem, talvez o lado romancista do autor tenha falado mais alto nesta última parte, mas muitas pessoas passam por situações parecidas com as descritas acima. Mesmo antes do Covid, não era estranho ver fotos de corredores cheios de pacientes sendo tratados precariamente à espera de um leito.

Também eram comuns entrevistas em que pessoas reclamavam por estar, há meses, esperando uma simples consulta com um clínico geral ou ginecologista. Um levantamento feito pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso mostra que o tempo médio de espera para um atendimento no SUS é de mais de 1 ano e 4 meses. Os dados são referentes a 2019, pré pandemia.

Ainda em 2019, mais de 10 mil pacientes estavam na lista de espera por uma cirurgia no Espírito Santo, segundo a Secretaria de Saúde do próprio estado. É claro que esta não é uma realidade exclusiva dos capixabas.

Um grande número de brasileiros de baixa renda acaba tendo que se endividar ou achar alguma outra forma para poder recorrer à iniciativa privada. Maria do Socorro Gondim, empregada doméstica, relatou ao jornal TV Gazeta que precisou pagar por um plano de saúde e por procedimentos privados, pois estava aguardando uma cirurgia há quatro anos, após serem encontrados 3 miomas em seu útero.

Mas como chegamos neste estado? Como a ideia tão atrativa de um sistema de saúde pública e de qualidade trazida pela “Constituição Cidadã” se mostrou tão ineficiente?

Primeiramente, a própria ideia de um “sistema único de saúde” em um país com 210 milhões de pessoas e 8,5 milhões de km² em área já soa estranha. As demandas e necessidades de uma grande metrópole no sudeste são muito diferentes das de uma pequena vila no meio da Amazônia.

Claro que apesar do nome, as operações acabam se adaptando à realidade local. O problema, neste caso, é resultado de algo que parece ser política de Estado para tudo no Brasil, a centralização.

Um pequeno grupo de políticos e burocratas em Brasília decidem sobre políticas nacionais de saúde pública que serão aplicadas em lugares a dezenas de milhares de quilômetros de onde estão. Lugares que a grande maioria deles nunca visitou ou vivenciou a realidade local.

Além disso, é importante também falar sobre a viabilidade econômica do SUS.  Para isso vamos observar um dos princípios da economia, a lei da oferta e demanda.

Esta lei é o que define o preço de um produto em um sistema de livre mercado, quanto mais oferta e menos demanda, menor o preço e vice-versa. Esta dinâmica tende a alocar os preços em valores viáveis para que pessoas que querem comprar certo produto ou serviço consigam fazê-lo, de acordo com a oferta de tal produto ou serviço.

O que isto tem a ver com o SUS? Os produtos e serviços relacionados à saúde, são como todos os outros, escassos.  Então, no decorrer de um longo período de tempo em que se tenta oferecer saúde gratuita e de qualidade a todos, é natural que comecem a faltar recursos.

Quando a oferta não consegue atender a demanda em um sistema de mercado, os preços sobem para equilibrar a balança, pois a preços mais altos, menos pessoas poderão ou terão interesse em comprar certo produto ou serviço, assim a demanda cai e se equilibra à oferta.

Outro cenário possível é o aumento da oferta. A empresa pode investir em uma nova fábrica para aumentar a produção, uma nova concorrente pode entrar no mercado, ou mais pessoas podem começar a oferecer certo serviço, tudo isto respondendo ao incentivo criado pela demanda alta. Desta vez, a oferta sobe para se equilibrar à demanda.

O problema do SUS (e da saúde pública gratuita no geral) é que se fixa artificialmente o preço de serviços e produtos em zero, ignorando oferta e demanda. Sendo assim, a demanda tende a se elevar ao máximo possível.

Ao contrário do mercado, no entanto, não existe o feedback dado pelos preços. É possível saber quantas pessoas consultaram com um ortopedista e quantas com um ginecologista, mas é impossível determinar de qual a população tem mais necessidade, afinal tudo é gratuito.

Com o tempo, isto resulta em falta de equipamentos, falta de estrutura, falta de medicamentos, falta de médicos e enfermeiras, enfim, escassez. Um paciente pode morrer por falta do medicamento “A”, enquanto o hospital possui toneladas do medicamento “B” em desuso. Pode haver uma fila de meses para uma consulta com o ginecologista, enquanto o dermatologista atende duas pessoas por semana.

Sem falar na questão orçamentária. O Estado não pode constantemente ampliar a oferta de saúde, pois ele não tem lucro com a área para reinvestir.  Ele pode aumentar a  taxação, tomando das pessoas o dinheiro para oferecer saúde a elas mesmas, ou se endividar. Nos dois casos o povo paga.

Claro que o Estado pode cortar gastos em outras áreas para investir na saúde, mas o brasileiro calejado sabe que isto é improvável. E, mesmo que ele consiga aumentar a oferta de saúde, a demanda continuará maior, pois a “saúde é gratuita”.

Existem diversos outros problemas: funcionários públicos que não podem ser demitidos, independente do empenho com que exercem sua função. Políticos desviando verbas e superfaturando obras destinadas à saúde. Alta regulação e taxação sobre remédios, equipamentos e sobre o próprio trabalho.

Informações e incentivos incorretos e distorcidos que são administrados por políticos e burocratas estatais, cuja própria natureza é a ineficiência. Além de tudo isso, são poucos os que conseguem pagar por um plano de saúde privado e assim fugir do caos da “saúde pública, gratuita e de qualidade” brasileira.  

São poucas empresas que concorrem neste mercado por conta da alta regulação imposta pelo Estado. Tabelamento de preços, limites para o lucro obtido sobre procedimentos (muito abaixo do nível do mercado). Taxação excessiva, protecionismo, lobby político das grandes empresas contra as concorrentes e tudo aquilo que afeta também tantas outras áreas da economia brasileira

Independente se o leitor acredita que é dever do Estado prover saúde aos mais pobres ou não, tem que admitir que a forma como isto é feito no Brasil está longe de ser a mais eficiente. Por isso aqui estão alguns exemplos de países que adotam sistemas de saúde pública mais eficientes.

Holanda: Considerado um dos melhores sistemas de saúde do mundo, na Holanda é obrigatório que todo o cidadão tenha um plano de saúde. Várias empresas concorrem no mercado oferecendo modelos variados de seguros a diferentes preços, então as pessoas podem escolher entre diversos médicos e seguradoras.

A população mais pobre que não poderia pagar por um seguro por conta própria recebe um subsídio do governo para que contrate um plano privado. A maioria das empresas holandesas tem parcerias com seguradoras para oferecer planos a preços mais acessíveis aos seus trabalhadores e, em alguns casos, a própria empresa oferece serviços de saúde aos empregados.

De acordo com um relatório de 2018 realizado pelo Euro Health Consumer Index, o sistema de saúde holandes aparecia como segundo colocado na União Europeia, e foi o único que permaneceu no top 3 por 3 anos seguidos.

Japão: Assim como na Holanda, os japoneses são obrigados a possuir um plano de saúde privado e, geralmente, o seguro vem com o emprego. Os que não podem contratar um plano privado, participam de um dos diversos programas oferecidos pelos governos locais.

Para serviços básicos de cuidados com saúde, como exames de triagem, exames pré-natal e controle de doenças infecciosas o paciente arca com 30% dos custos, e os outros 70% são subsidiados pelo governo.

O Japão é o país com a menor mortalidade infantil, a melhor taxa de recuperação de doenças graves e lá a expectativa de vida é de 86 anos.

Suíça: Na Suíça, os habitantes também são obrigados a contratar um seguro de saúde privado. Existe ampla concorrência entre as muitas seguradoras do país, as mensalidades variam de acordo com a empresa e a região.

Os pacientes, no entanto, precisam pagar pelo menos 300 francos por ano pelos custos de seu tratamento. Podem escolher pagar mais em troca de uma mensalidade mais barata. Na prática isso significa que se o paciente possui a maior franquia, de 2.500 francos, ela deve pagar suas despesas médicas e com medicamentos até somar este valor, só depois disso o seguro cobre os demais custos.

Aos menos favorecidos, os governos locais subsidiam uma redução nos custos das mensalidades. O governo também co-financia muitos hospitais, no setor de internação por exemplo, o Estado chega a arcar com 55% dos custos.

Em 2018, a Suíça apareceu em 1º lugar no Euro Health Consumer Index.

 

Conclusão:

Apesar de todo o populismo e demagogia daqueles que tanto elogiam o SUS, dizendo que o sistema brasileiro é referência mundial e espelhado por muitos países, na prática não é bem assim. O brasileiro já estava acostumado a esperar longas filas e à falta de medicamentos muito antes da pandemia.

O Covid-19 veio para escancarar a ineficiência de nosso sistema da pior forma possível. Um sistema que só tende a piorar, pois, desde seu início, estava fadado ao fracasso.

Por isso, não aposte sua vida nos burocratas populistas que construíram e mantêm este sistema de saúde. Evite aglomerações, trabalhe de casa se puder, se não, tome todos os cuidados possíveis e principalmente, quando chegar a hora, tome a vacina.

Pois não é com o Planalto recomendando remédios sem eficácia comprovada e falsas soluções aos seus seguidores, nem com governadores, prefeitos e juízes impedindo as pessoas de trabalhar, enquanto eles mesmos têm seu salário garantido todos os meses, que vamos superar o vírus.

É com a consciência de cada indivíduo, que só deseja passar por este momento tenebroso vivo, e sem precisar enterrar nenhum ente querido.

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