Você só acha que sabe o que é liberalismo
Nos termos da Ciência Política, um reacionário é aquele sujeito – ou instituição – com opiniões políticas que clamam por um retorno a um estado anterior da sociedade onde, supostamente, as coisas seriam melhores. Existem aqueles que clamam pela volta do estado onde a gasolina “era barata”, não importando se fosse à marra da canetada ou de indicações políticas duvidosas. Existem aqueles que clamam por um suposto “planejamento econômico”, mesmo que seja apenas outro nome para disfarçar desejos verdadeiramente ingênuos que desaguam em autoritarismo. E pior ainda, clamam por isto publicamente com ares de superioridade.
Como se não fosse vergonhoso por si só defender publicamente um planejamento econômico, pior ainda é desconhecer as definições políticas e chamá-las de ingênuas por pura e simples paralaxe cognitiva, isto é, o afastamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real do próprio indivíduo. Na obra de 1988, “Arrogância Fatal: Os Erros do Socialismo”, o economista austríaco, Friedrich Hayek aponta o erro fulcral da lógica do pensamento centralizador: se as pessoas não são suficientemente sábias (segundo alguns) para fazerem escolhas por si mesmas, por que deveríamos acreditar que as pessoas que compõem o Estado são sábias o suficiente para escolher pelos outros? A arrogância fatal para o autor é que apenas um grupo seleto de burocratas engravatados dentro do Estado saberiam exatamente o que é melhor para a vida de milhões de cidadãos. De acordo com Hayek, a sociedade (economia inclusa) é demasiadamente complexa para que um planejador central pudesse compreendê-la a ponto de ser capaz de moldá-la a seu bel-prazer. O conhecimento é disperso e as informações numerosas demais para que qualquer ser humano ou grupo de seres humanos, por mais inteligentes e bem intencionados que sejam, tenham a pretensão de prever e controlar os rumos das vidas alheias. Ao contrário do que desejam os presunçosos centralizadores, Hayek acreditava que somente as ações esparsas e involuntariamente coordenadas de milhões de indivíduos são capazes de direcionar uma sociedade à prosperidade – o que ele chamou de “ordem espontânea”. Segundo ele, assim como na evolução biológica, as sociedades se adaptam em um constante processo de aprendizagem que passa por tentativas, erros, acertos e adaptação, movido exclusivamente pelas ações humanas – e não pelas intenções, como pode se imaginar.
Além de problemas com flertes de ideias não só reacionárias, mas altamente totalitárias, também temos um problema de definição e linguístico. Hoje, é possível criar um liberalismo da minha própria cabeça e atacá-lo como desejo. Não importando se o liberalismo é uma das bases do Estado moderno em que vivemos, também não importando se o liberalismo não é algo homogêneo, eu posso transformá-lo em um só se assim eu desejar.
De todos os rótulos políticos, nenhum tem sido tão mal utilizado como “liberal” e “democrático”. É isso que nos fala o intelectual austríaco Erik Von Kuehnelt-Leddihn no seu livro “Liberdade e Igualdade”, onde também define que o liberal é “um homem ou mulher que está interessado em ter pessoas gozando da maior liberdade razoável – e isto independentemente do tipo jurídico de governo que eles estão vivendo sob”. A mistura da confusão de termos e falta de base teórico argumentativa somadas à arrogância fatal produzem opiniões públicas do tipo aberrantes como por exemplo que o controle artificial da gasolina seria muito elevado e bonzinho se feito em nome do “planejamento econômico”.
Até quando opiniões desprovidas de qualquer argumento, até quando flertes totalitários disfarçados de bom mocismo, serão impingidos no debate público e exigindo serem levados à sério?
Por Gideon Maciel