A história da Venezuela, assim como a de outros países da América Latina, é marcada por períodos de instabilidade e momentos de progresso. Em 1958, após a queda da ditadura do general Marcos Pérez Jiménez e sua fuga para a República Dominicana, o país iniciou um processo democrático com eleições, que havia sido brevemente experimentado em 1947, com relativo sucesso. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre o final da década de 1950 e o início dos anos 1980, a Venezuela experimentou baixas taxas de desemprego, um crescimento econômico anual médio de 4,3% e uma das menores inflações da América Latina. Durante a década de 1970, a moeda venezuelana, o bolívar, proporcionava aos cidadãos do país o maior poder de compra da região. A frase ou “Es barato, dame dos” ou “Está barato, me dê dois”, tornou-se o chavão de reconhecimento de venezuelanos que realizavam compras na cidade de Miami, nos Estados Unidos.
No entanto, a partir da década de 1980, a Venezuela começou a enfrentar crises econômicas sucessivas, principalmente devido à volatilidade do mercado de petróleo. Em 1992, ocorreu uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez, liderada por quatro tenente-coronéis do Exército: Francisco Arias Cárdenas, Yoel Acosta Chirinos, Jesús Urdaneta e Hugo Chávez. Exatamente seis anos depois, em um contexto de crise econômica agravada, a população venezuelana elegeu, em 1998, Hugo Chávez, um dos protagonistas da tentativa de golpe para se sentar na Presidência da República.
Hugo Chávez começou seu governo em 1999, e nele começou que ele mesmo chamou de “Revolução Bolivariana”, que sustentava-se no nacionalismo e em um modelo de economia estatal que, segundo Chávez, seria o modelo de socialismo do século XXI. Chávez e seu partido possuíam 120 dos 131 assentos da Assembleia Nacional, o que permitiu que Chávez convocasse uma nova Constituinte a fim de redigir uma nova Constituição para a Venezuela que previa o aumento de 5 para 6 anos do mandato presidencial, a reeleição e a adoção de um modelo unicameral, que unisse o Senado e a Câmara do país. A nova Constituição foi aprovada ao final de 1999 e Chávez convocou novas eleições em 2000, ganhando com mais de 60% dos votos válidos para governar a Venezuela até 2007. Com a maioria na Assembleia Nacional, Chávez aprovou a Lei Habilitante, que concedia plenos poderes para governar o país a partir de decretos presidenciais, sem que fossem aprovados pela Assembleia. Chávez deu continuidade à sua Revolução Bolivariana, com uma forte intervenção econômica por parte do Estado na economia, a estatização de empresas privadas, reforma agrária e também a demissão de todos os gestores da companhia de petróleo da Venezuela (PDVSA), substituindo por pessoas de sua confiança e o aumento do número de juízes da Suprema Corte do país. Em abril de 2002, houve uma tentativa de golpe de Estado contra Chávez por parte de alguns militares. O resultado foi um referendo popular, organizado após pressões de setores à direita e da esquerda do país, fazendo com que Chávez fosse escolhido para permanecer até o final de seu “segundo” mandato no poder. Em 2006, Chávez foi reeleito para um terceiro mandato e permaneceu nele até sua morte, em 2013, em decorrência de um câncer. Quem assumiu foi seu vice, Nicolás Maduro.
Na posse de Maduro, estavam todas as grandes figuras de Esquerda da América Latina e Caribe, Cristina Fernández de Kirchner da Argentina, Evo Morales da Bolívia, Dilma Rousseff do Brasil e Raúl Castro, de Cuba. A Venezuela já vinha de um contexto de grave crise econômica, o que Maduro prometeu resolver, mas sem sucesso algum. Até os ajustes fiscais feitos pelo governo Maduro em 2022, o povo venezuelano enfrentava uma hiperinflação que beirou 2.000.000% ao ano. Os ajustes feitos por Maduro foram simples: corte nos gastos do governo, restrições fiscais e a livre circulação do dólar. Segundo dados do Jornal Poder360, desde quando assumiu até 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) da Venezuela diminuiu em mais de 60%, a extrema pobreza atingiu um novo patamar de 68% da população em 2021 e a inflação chegou a impressionantes 190% em 2023. Desde 2014, Maduro governa o país da mesma maneira que Chávez, através de decretos especiais, levando adiante a Revolução Bolivariana sob as mesmas intromissões estatais na economia, estatização e gastos exorbitantes do governo federal.
Depois das eleições fraudulentas no último 28 de julho que consagraram Maduro para um novo mandato, a maioria da comunidade internacional percebeu que o que acontece na Venezuela é gravíssimo. Desde o governo chavista, a Venezuela atravessa um cenário terrível deixado pelo socialismo que corrói o país. O cenário alarmante pode ser sentido aqui, no Brasil, quando vemos que somente durante o ano passado, mais de 500 mil venezuelanos atravessaram a fronteira em Pacaraima, totalizando mais de 7 milhões de refugiados do regime bolivariano, tornando os venezuelanos a maior população refugiada da América Latina. Ao longo dos 10 anos de governo Maduro, vimos inúmeras manifestações, em especial em 2014, 2017 e agora em 2023, contra o governo e sua resposta é sempre a mesma: violência. Não podemos nos deixar esquecer que, em 2019, durante uma das maiores manifestações contra o regime de Maduro, o governo ordenou que os blindados da Guarda Nacional avançassem contra civis desarmados ocasionando, inclusive, mortes. Desde dessa época, gosto de dizer que quem não chama o regime venezuelano de ditadura não é mais burro, mas cúmplice.
A cumplicidade atinge os mais altos setores da República e da diplomacia brasileira. Não é exagero quando dizemos que temos nossa diplomacia oficial à serviço de um ditador. O Presidente Lula e seu Assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, brincam de defensores da Democracia no Brasil, mas simplesmente não conseguem ser mais firmes com Maduro na Venezuela. Lula já disse que “não tem nada de grave” acontecendo na Venezuela e Celso Amorim já disse que “oposição não consegue provar” a derrota de Maduro. Dia 5 de agosto, o grupo Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas (IDEA) fizeram um pedido conjunto com assinatura de mais de 30 ex-chefes de Estado e de Governo de países da América Latina e da Espanha para que Lula e o Partido dos Trabalhadores (o mesmo partido que já havia lançado uma nota oficial dizendo que eleição na Venezuela foi democrática e soberana) tivessem uma postura mais firme em relação ao regime venezuelano.
Não consigo negar o peso da diplomacia brasileira e de que a reprovação de seu “cumpanheiro” seria importante para a derrocada de Maduro, mas isso não pode, nem de longe ou perto, ser o fator derradeiro. Nicolás Maduro é a cara do regime, mas acredito piamente que ele não seja o que sustenta tudo, tal qual era com Saddam Hussein e Gaddafi. O chavismo e Maduro transformaram o Estado da Venezuela em um novo tipo de ditadura, onde as instituições, os militares e todos os outros aparatos possíveis do governo estão em conluio com o crime organizado e o narcotráfico. Não é à toa que em 2020, os Estados Unidos estão oferecendo 15 milhões de dólares por Maduro.
Nas eleições fraudulentas de 2018, mais de 50 países reconheceram Juan Guaidó como presidente legítimo e os observadores do Center Carter e da União Europeia não classificaram o resultado das eleições legítimas. Maduro se manteve de pé não por Lula, mas por outros agentes mais perigosos: os chineses e os russos. Em 2019, um grande avião pousou com tropas russas e 35 toneladas de material não especificado na Venezuela e desde então o regime de Maduro vem fazendo acordos estratégicos com a Rússia. Já pelo lado dos chineses, o país é o maior credor da Venezuela, além de estar nos investimentos da Nova Rota da Seda proposto pelo líder Xi Jinping, que prevê a construção de portos, rodovias, usinas de energia, ferrovias e redes de 5G em diversos países para aumentar a influência de Beijing. Além das duas grandes potências, Irã e Turquia também mantêm a Venezuela respirando.
A depender do governo e dos militantes que sequestraram a diplomacia brasileira, iremos referendar como “normalidade” os mais de 1300 presos em manifestações nas últimas duas semanas e os mais de 270 assassinados pelas forças do governo. Como podemos classificar como normalidade um processo eleitoral onde Maduro controla todas as instâncias de poder, do governo local ao Conselho Nacional Eleitoral venezuelano? Para nós, que prezamos pela liberdade, cadê apenas repetir incansavelmente que a Venezuela é uma ditadura socialista de Esquerda iniciada por Hugo Chávez, herdada por Nicolás Maduro em completo caos econômico, com mais da metade de população em situação de fome e extrema pobreza, forçando que sua própria população fuja das mazelas do país, onde o regime assedia, persegue e mata seus opositores.