Autores: Euller Pietczaki e Derick Azevedo
Com a contínua depreciação do real perante o dólar devido a baixa contínua de juros, inúmeros economistas da corrente mainstream continuam a minimizar o caos gerado por essas consecutivas quedas. O mainstream econômico continua a bater na mesma tecla de sempre: a desenvolvimentista. “O Dólar alto é bom para a exportação”, “O Dólar alto é bom para vender as reservas e assim quitar dívidas governamentais”. Contudo, é importante dizer que o regime de câmbio adotado pelo Brasil, o flutuante, com certeza já sofreu algumas vezes com a alta do dólar e da inflação. Igualmente importante é salientar que as últimas moedas brasileiras estiveram sempre sob controle monopolístico dos agentes estatais – assim como todas as moedas vigentes no mundo -.
Quando falamos de etapas para desenvolver o Brasil, normalmente sugerimos medidas como a desburocratização do mercado, privatizações, simplificação tributária e outras medidas que partem da premissa de que uma menor intervenção governamental sempre resulta em impactos positivos. Porém, pouca gente acaba falando da mudança de regime cambial como um plano claro para o desenvolvimento econômico brasileiro. Por mais que atualmente a taxa de inflação esteja controlada, a volatilidade da democracia e a troca de administração da economia faz com que a moeda possa sofrer muito com inflação, o que é grave – diferente do que os economistas mainstream pregam -, visto que interfere diretamente na vida do brasileiro por meio da redução direta do poder de compra da parcela mais pobre da população.
No primeiro artigo dessa série você irá entender como o ouro foi introduzido de modo espontâneo na sociedade e como o mesmo enriqueceu as nações que o utilizaram, tanto na sua utilização como moeda, quanto na sua utilização como lastro.
Pré-História e Idade Antiga
Para entender alguns conceitos do artigo presente precisamos voltar aos princípios que fazem um objeto ser mutuamente aceito como meio de troca: escassez, durabilidade, divisibilidade e compatibilidade. O ouro, que fascinava civilizações como o Egito – onde os faraós esbanjavam sua preciosidade em suas roupas e joias -, encaixava-se perfeitamente nesses princípios para a constituição de uma moeda. Assim, o ouro foi adotado como um sistema intercambial, permitindo que o escambo fosse descontinuado nas trocas voluntárias.
Contrários ao ouro e seu sistema monetário, o Império Romano adotou a prata, a qual o levou ao caminho da inflação. Os romanos inauguraram os primeiros processos inflacionistas, tendo o Imperador Nero entre seus pioneiros, o qual reduziu as concentrações de prata nas moedas de 98% para 92%. Com o aumento do volume de moedas para uma mesma quantidade de prata, a moeda foi altamente depreciada, o que abalou a confiança de toda a população romana.
Idade Média
Como o Império Romano teve a prata como seu experimento inflacionário, o Império Bizantino preferiu a adoção do ouro como sua moeda. Bizâncio acreditava que o metal era superior por ser uma moeda neutra, o que mostrava a sua preferência pelo livre comércio em relação ao mercantilismo, o modelo econômico mais comum da época. Como a localização da capital era privilegiada, sendo próxima a várias rotas comerciais da Eurásia e do Norte da África, o Império Bizantino possuiu uma das economias mais fortes da região mediterrânea, o que influenciou diversas outras civilizações a também adotar o padrão ouro como seu regime cambial.
Durante seis séculos, o Bezante (nome da moeda da época) manteve seu valor inalterado, com a inflação cambial estabilizada em níveis próximos a zero. Esse período durou até 1078, quando o imperador Nicéforo III Botaneiates aproveitou-se de uma guerra contra os turcos para reduzir a abundância de ouro em cada moeda. Repetindo o modelo romano, acreditou que criando mais moedas com uma mesma quantidade de ouro, conseguiria financiar seu exército mais tranquilamente. O resultado foi um só: a moeda mundial sofreu uma tremenda inflação, fenômeno econômico que foi chave para o desequilíbrio do império. Esse desequilíbrio não apenas fez Nicéforo III perder sua guerra, mas também provocou o fim do Império Bizantino.
Idade Moderna
Desde a segunda metade do século XVIII, a Inglaterra passou a adotar o padrão ouro, no qual as moedas de ouro foram sendo substituídas gradativamente por notas em dinheiro fornecidas pelo Banco da Inglaterra. Essas notas eram títulos de resgate das moedas de ouro guardadas em instituições financeiras. Este mesmo padrão mais tarde foi adotado por países como França, Alemanha, Holanda e nações escandinavas. Nesta época também já se iniciavam as transferências de dinheiro por talão de cheque, no qual um detentor de moedas de ouro poderia, por meio de um “papel” transferir uma parcela – ou a totalidade – de suas moedas para um outro indivíduo.
Para os padrões da época este modelo de lastreamento monetário real em ouro funcionava de maneira eficiente e juntamente com um sistema de relativa concorrência entre bancos, o número de fraudes praticamente não existia. Como a totalidade das reservas não estava concentrada nas mãos do governo ou de um banco central, a manipulação da moeda era muito difícil. Então, caso o governo desejasse aumentar de forma abrupta seus gastos, ele precisaria tomar dívida ou aumentar sua carga tributária, o que não era bem visto na época. A tomada de dívida diminuiria o dinheiro em circulação e prejudicaria diretamente a atividade econômica, enquanto o aumento na carga tributária seria um desincentivo aos produtores nacionais. Pode ser seguramente dito que durante o período de paz entre a metade do século XVIII e 1803, a moeda e o câmbio inglês permaneceram estáveis.
Entretanto, com o início da guerra da Grã-Bretanha contra Napoleão (a qual durou até meados de 1815), e com as consequentes necessidades de gastos militares, o padrão ouro estável foi abandonado e o governo adotou um regime de concentração das reservas de ouro, passando a conceder empréstimos ao Banco da Inglaterra sem o aumento real de suas reservas, criando moeda “do nada” e desvalorizando o valor das notas em circulação, o que encareceu o ouro e tornou-o escasso em relação ao dinheiro. Isso foi possibilitado por uma lei estabelecida que tirava do Banco da Inglaterra a obrigação de resgatar as notas emitidas. A taxa oficial antes das guerras de Napoleão era de aproximadamente uma onça de ouro a £3, enquanto em 1814, pouco antes do fim da guerra, o preço real em termos das notas do Banco da Inglaterra era de aproximadamente £5. Uma desvalorização de aproximadamente 50% no valor da libra.
Esta grande distorção ocorrida por si só já configura um grande problema para a economia do país, como a perda no poder de compra dos indivíduos e encarecimento da importação. Se já não bastasse isso, após a guerra, o governo sabiamente decidiu voltar ao padrão ouro, porém acreditou que era corretor voltar a cotação da sua moeda para o mesmo valor de antes da guerra, iniciando um processo artificial de re-valorização da moeda. Essa volta para uma moeda “forte”, parecia ser o correto e justo a se fazer, mas no fim gerou uma disfunção econômica ainda maior. Muitos agricultores britânicos, que buscaram aumentar sua produção para atender uma crescente demanda alimentar impulsionada pela grande dificuldade de importação no período, tinham hipotecado suas fazendas e contraído empréstimos, os quais receberam em libras desvalorizadas “leves”, e agora deveriam a pagar de volta em libras “pesadas”. Tal fenômeno trouxe um enorme prejuízo para este setor (o mesmo fenômeno ocorreu em diferente escala com a nascente indústria inglesa), com o setor produtivo danificado e com a moeda artificialmente valorizada, os produtores nacionais não tiveram condições de competir no mercado internacional e uma economia antes competitiva e produtiva se viu em crise e desemprego por uma grande distorção monetária. Além disso ocorreu um grande processo de transferência de renda de tomadores de empréstimos (agricultores e trabalhadores prejudicados) para o setor financeiro em conchavo com o Estado.
Com o tempo, a longo prazo, a economia inglesa se recuperou e o padrão ouro ajudou a manter sua moeda estável até a primeira guerra mundial (assunto que será abordado na segunda parte desta série), mas os danos à economia foram graves e prejudicaram o desenvolvimento do país.
O padrão ouro possibilita uma maior estabilidade monetária e cambial, pois exige que toda a moeda seja lastreada e seja passível de resgate, impossibilitando manipulações por parte de governos e dificultando fraudes bancárias. Contudo para que as vantagens do padrão ouro sejam aplicadas, é necessário que o controle das reservas não esteja concentrado nas mãos do governo e que este não tenha o poder de coagir os cidadãos a aceitar suas intervenções em prol de causas próprias.
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