Essa semana os técnicos do Banco Central confusos e preocupados com a teimosia da inflação brasileira em não se arrefecer, decidiram subir em 0,5% a taxa básica de juros da economia (Selic) que chegou ao patamar de 10,5% em termos nominais. Trata-se da maior taxa de juros real do mundo.
Foi o que bastou pra que a mesma turma cômica de sempre esperneasse, assim como fizeram os empresários amigos do rei – em geral ligados a FIESP. Cada um por seus motivos, mas ambos reclamando do alto valor dos juros na economia brasileira. Pois bem, a despeito de toda essa choradeira, se ambos estudassem a boa e velha teoria econômica entenderiam “os porquês” de tais valores, de fato, absurdos. Vamos a ela.
A taxa de juros representa nada mais do que o valor de qualquer coisa no tempo. Logo, procura representar hoje o que custará determinada coisa no futuro depois de realizadas as trocas intertemporais entre os agentes nesse período do tempo. Ou, analogamente, é o valor que o tempo agrega (ou desagrega) a determinada coisa ao longo do tempo.
Assim, percebe-se que não é nada fácil entender a complexidade representativa da taxa de juros do mercado, ainda mais considerando os componentes de incerteza nas ações humanas que se processarão no decorrer desse tempo. É justamente por isso que os juros não deveriam estar a mercê de decisões políticas advindas de técnicos sentados em uma sala de um prédio pomposo em Brasília. Justamente por ser a medição do risco de algo no tempo que esta deveria estar sob a batuta de uma ordem social muito mais harmônica e eficiente: o mercado.
Porém, esse infelizmente não é o padrão monetário atual e ficar especulando tal cenário hoje é pura divagação teórica. O fato é que toda vez que o Banco Central obriga-se a subir a Selic, uma série de movimentos[1] nos mercados monetários e de títulos do tesouro ocorrem para que os agentes incluam em suas operações tal aumento advindo da turma de Alexandre Tombini. Mas o escopo aqui não é explicar como isso ocorre (ainda que tais movimentos sejam fundamentais para entender a bagunça que o atual padrão de reservas fracionárias gera na economia como um todo). Quem quiser se aprofundar no tema ver aqui.
A questão primordial presente é entender o porquê temos juros tão altos. E aí temos que nos remeter, novamente, a teoria econômica e ao autor inglês David Ricardo. Em seus Princípios de Economia Política e Tributação, além de formular a famosa lei das vantagens comparativas no comércio internacional, Ricardo também contribui proficuamente naquilo que o Nobel Friedrich Hayek cunhou e aperfeiçoou (em Prices and Production de 1931) como efeito Ricardo, ou seja, o postulado de que uma abstenção de consumo (leia-se poupança voluntária) ao reduzir a demanda por bens de consumo final ocasiona uma redução nos preços destes bens (e no faturamento dos capitalistas). Como os salários nominais, em geral, são rígidos para baixo (no Brasil isso se tornou lei através da arcaica CLT) tal poupança voluntária acarreta em aumento nos salários reais pagos nesses setores de consumo final. Assim, fica evidentemente sinalizado aos empregadores que é mais viável economicamente, em termos relativos, substituir mão de obra[2] por capital.
Isso faz com que a economia se torne mais abundante em capital pelo efeito de acumulação gerado pela poupança voluntária. Esse é o efeito Ricardo! A poupança voluntária propiciando uma estrutura produtiva mais intensiva em bens capital. Logo, mais produtiva (através da comunhão homem-máquina), com bens de maior valor agregado, mais industrializada e, portanto, mais competitiva em relação ao mundo.
Além disso, a poupança voluntária ao liberar fatores de produção (capital, trabalho e terra) na economia torna o custo destes, no tempo, mais barato. E o custo no tempo de qualquer fator de produção está refletido na… taxa de juros!
Logo, se a FIESP, a CUT, o Guido Mantega, o Tombini e outros querem juros menores é necessário pouparmos fatores de produção, ou seja, realizarmos o sacrifício de renunciar ao consumo presente em prol de um consumo futuro mais barato e sustentável. Portanto, tentar diminuir os juros via poupança forçada (leia-se enxurrar a economia com notas de real ou dólar) como propôs Lord Keynes apenas acarreta em alterações ineficientes na estrutura produtiva, má alocação dos fatores e pressão inflacionária pelo lado da demanda advinda do cabo de guerra entre consumo e investimento, haja visto, que os fatores de produção não foram poupados. É oriundo, entre outros fatores, dessa teoria econômica simples mas importante o porquê do governo brasileiro não ter conseguido manter os juros baixos por mais de seis meses.
David Ricardo compreendeu isso há quase duzentos anos atrás. Hayek no século passado retomou tais preceitos, aperfeiçoando-os. E os “iluminados” da equipe de Guido Mantega continuam ignorando o papel fundamental da poupança voluntária (e não forçada) para baixar os juros de forma sustentável e sem pressão inflacionária. Se sequer isso eles entendem o que dirá de efeitos econômicos mais complexos. Ainda se o Ministro da Fazenda fosse um David Ricardo (ou Hayek) poderíamos ter a esperança de que o futuro brasileiro não preocupa tanto!
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Felipe Rosa é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento (PPGE&D) da UFSM. Escreve todas as quintas para o site do Clube Farroupilha.
[1] Para uma minuciosa explicação sobre essas tais oscilações ver o artigo em duas partes de Leandro Roque para o IMB. Parte 1: http://mises.org.br/Article.aspx?id=344 e parte 2: http://mises.org.br/Article.aspx?id=355
[2] No entanto, enganam-se aqueles que imaginam (normalmente marxistas) o efeito Ricardo como um movimento de inerente desemprego estrutural ao substituir homem por máquina, pois como bem mostrou Hayek em Prices and Procution (1931) à mão de obra no médio prazo migra para os setores mais intensivo-capital que estão em processo de desenvolvimento e fomento ao emprego, advindo justamente da poupança.