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Por Daniel Gomes.

“O centrão não se compra, apenas se aluga”. Esta frase foi dita pelo cientista político Bruno Holanda em entrevista ao portal Boletim da Liberdade ao comentar, entre outros assuntos, a vitória do governo com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da câmara dos deputados.

 

Quem é Arthur Lira?

Filho do ex-senador por Alagoas, Benedito de Lira, Arthur segue os passos do pai, tendo uma extensa carreira política de quase 30 anos. O novo presidente da câmara  transitou por 5 diferentes partidos antes de, em 2009, se filiar ao Progressistas, partido ao qual segue filiado desde então.

Ingressou na vida pública aos 23 anos, quando se elegeu vereador de Maceió, pelo PFL. Se reelegeu em 1996 pelo PSDB, mas interrompeu seu mandato para assumir o cargo de deputado estadual de Alagoas em 1999.

Continuou atuando como deputado estadual até que em 2010 foi eleito deputado federal pelo PP. Se reelegeu em 2014 e de novo em 2018, e mais recentemente tomou posse como o 55° presidente da câmara dos deputados.

 

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Arthur Lira dá seu primeiro discurso como presidente da câmara dos deputados.

 

Lira é conhecido no parlamento por sua “habilidade de articulação política” e é muitas vezes comparado a Eduardo Cunha. Tal semelhança não é mera coincidência, o alagoano foi um dos mais fiéis aliados de Cunha durante as investigações que resultaram na prisão do ex-presidente da Câmara.

Em fevereiro de 2015, Cunha indicou Lira para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No ano seguinte, como prova de sua lealdade, Arthur adiou ao máximo a análise do processo por quebra de decoro por parte do ex-presidente da casa, e emitiu um parecer favorável ao investigado.

No dia anterior à votação do relatório pela cassação do emedebista, Lira emitiu um documento relativo a possíveis mudanças nas regras de cassação, tentando salvar o mandato do aliado.

A manobra acabou por não funcionar e Eduardo Cunha foi cassado em uma votação com 450 votos favoráveis e apenas 10 votos contrários. A este ponto o leitor já pode imaginar que um destes 10 votos foi de Arthur Lira.

 

Investigações e histórico de corrupção

“Diga-me com quem andas e te que direi quem és”. O ditado popular pode ser muito bem aplicado ao observarmos que as semelhanças entre Arthur Lira e Cunha não se limitam à capacidade de articulação política.

A Operação Taturana, deflagrada em 2007, tinha como objetivo desmontar uma organização criminosa que tomava lugar na Assembléia Legislativa de Alagoas, e operou fraudes de imposto de renda e esquemas de “rachadinha” de até 200 milhões de reais durante 5 anos. Foram investigados deputados, ex-deputados, seus assessores, funcionários fantasmas e também funcionários da casa. Os deputados usavam dinheiro desviado da Assembléia para pagar empréstimos pessoais.

Como resultado das investigações, Arthur Lira, entre uma dúzia de outros deputados, foi condenado a ser exonerado de seu cargo e a ressarcir o erário público no valor de 182 mil reais. Assim como os outros condenados, Lira recorreu e não houve o cumprimento da sentença.

Em dezembro de 2011 um juiz da 17ª Vara da Fazenda Pública de Maceió determinou o afastamento do cargo público e o bloqueio de bens de Arthur Lira. A decisão, no entanto, foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de Alagoas pouco tempo depois.

No ano seguinte, Lira foi condenado pela 17ª Vara Cível de Maceió por improbidade administrativa como consequência da mesma operação. O então deputado estadual teria manipulado a folha de pagamento quando atuava como primeiro secretário da mesa diretora da AL de Alagoas. Mais uma vez, a defesa do parlamentar recorreu.

Já em 2016 o Ministério Público do Estado de Alagoas deu parecer favorável à manutenção da condenação dos deputados estaduais indiciados na Operação Taturana. Segundo o MPE, Lira teve movimentação bancária de mais de R $9,5 milhões entre os anos de 2001 e 2007.

Ainda em 2016, Lira e mais oito deputados e ex-deputados foram condenados  na esfera civil por improbidade administrativa pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), confirmando a decisão da primeira instância.

Pela Lei da Ficha Limpa, o alagoano ficaria inelegível, mas graças a uma liminar do TJ-AL, o atual presidente da câmara conseguiu concorrer em 2018. Guarde esta informação, pois ela será importante no decorrer deste artigo. 

 

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Arthur Lira e outros deputados condenados são anunciados inelegíveis em manchete no Jornal de Alagoas, antes de liminar que permitiu  Lira concorrer em 2018.

 

Lira também foi denunciado pela ex-PGR Raquel Dodge pelos desvios na AL de Alagoas, mas o caso acabou indo à primeira instância da Justiça Estadual de Alagoas após mudança na jurisdição do STF sobre o foro privilegiado. O caso foi arquivado pelo Juíz Henrique Pita Duarte da 3ª vara criminal de Maceió, por considerar que as provas eram nulas.

Engana-se quem pensa que Arthur Lira é “peixe pequeno” no mar da corrupção brasileira. Seu envolvimento em esquemas de corrupção transcendem as “rachadinhas” e o desvio de verba da Assembléia Legislativa de seu estado.

O alagoano também é réu em uma ação no STF, acusado de ter recebido em 2012 uma propina de R$106 mil de Francisco Colombo, na época presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos. O montante foi encontrado pela Polícia Federal quando um assessor parlamentar de Lira tentava transportar o dinheiro debaixo das roupas pelo aeroporto de Congonhas. O doleiro Alberto Youssef confirmou as acusações em sua delação premiada, afirmando que Arthur e seu pai Benedito de Lira exerciam influência no órgão federal.

Também com base na delação de Youssef, em 2020 a PGR o denunciou ter recebido R$1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão, empresa envolvida no mensalão e no petrolão, grandes esquemas de corrupção que operaram durante os governos petistas. Três meses depois, porém, a subprocuradora geral Lindôra Araújo descartou as acusações.

 

Acusação de violência doméstica

O “mal caratismo” de Lira não se limita a esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público. Em 2006, Jullyene Cristine Santos Lins, sua ex-esposa e mãe de seus filhos, prestou queixa contra o então marido na Polícia Civil por lesão corporal.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Jullyene diz que foi ameaçada pelo ex-marido a dizer que fez as acusações por vingança. Ela relata que o ex-marido, que possui um temperamento explosivo, bateu na mesa e disse:

“Ou você fala o que eu quero ou você vai perder os meninos porque quem manda aqui sou eu, o que eu quiser eu faço e aconteço. Ou você faz isso, ou nunca mais você vai ver seus filhos.” 

Na audiência em que mudou sua versão, Jullyene não estava acompanhada de seu advogado, mas sim o que representava seu ex-marido. Ele a orientava sobre o que falar e a cutucava por baixo da mesa.

 

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Em sua primeira acusação, Jullyene acusa Lira de a agredir durante 40 minutos com socos, pontapés, murros e até de esgana-la e enquanto gritava  ofensas. Segundo ela a babá de um de seus filhos que ouviu a situação, ligou para sua  mãe, que encontrou Jullyene desacordada.

 

É evidente que o passado de Arthur Lira é obscuro e diz muito sobre o tipo de pessoa que é, mas o que podemos esperar de seu futuro como o 55° presidente da câmara dos deputados?

 

Aliança com Jair Bolsonaro e eleição da câmara

Com o fim do namoro entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, Arthur Lira se tornou o mais novo “patriota conservador” no Panteão esquizofrênico dos bolsonaristas. Durante semanas antecedendo as eleições na câmara, Lira foi recebido em aeroportos por todo o Brasil por pessoas de verde e amarelo que erguiam faixas ostentando frases como “Lira pelo Brasil” ou “Lira com Bolsonaro”. Como isso aconteceu? Como o Presidente que se elegeu dizendo que ia acabar com o “toma lá da cá” veio a convencer sua militância a apoiar um deputado que é a própria personificação do centrão?

Após as eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro já sabia que não conseguiria ter uma base no congresso composta apenas por deputados eleitos em sua onda de popularidade.  O problema se agravou mais tarde quando ocorreu seu racha com o PSL e com o distanciamento de deputados populares como Joice Hasselman (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP).

Além disso, a necessidade do Presidente em blindar a ele mesmo e seus filhos de investigações o pressionou ainda mais a formar uma base com políticos que, como ele, tem honestidade duvidável. As ações de Bolsonaro para salvar sua família de tais investigações dariam conteúdo para outro artigo.

Nas eleições para a mesa diretora da câmara para o primeiro biênio de seu governo em 2019, Bolsonaro apoiou a reeleição de Rodrigo Maia, como um aceno aos partidos do bloco do centrão. Com o decorrer do tempo, o Presidente também passou a distribuir cargos e lotear seus ministérios com indicados de caciques políticos como Ciro Nogueira (PP) e ACM Neto (DEM).

Durante 2019 e no começo de 2020 o governo sofreu derrotas no legislativo e precisou cada vez mais recorrer a parlamentares da chamada velha política. Segundo aliados de Arthur Lira, o deputado foi contatado pelo executivo para angariar apoio à reforma da previdência.

O alagoano, que já tinha consciência de que dificilmente teria apoio de Maia como candidato à sua sucessão, enxergou isso como uma oportunidade. Desde então ele dialogou com colegas do centro para construir uma base aliada ao governo, esperando ter o apoio do Planalto para o pleito de 2021.

De fato ele conseguiu o apoio e muito mais que isso. Para Lira angariar votos em seu favor, o governo liberou mais de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares e teria prometido ministérios como o da Saúde, Cidadania e Educação a diversos partidos.

Como resultado, Lira derrotou o candidato de Maia, Baleia Rossi, com uma diferença de 157 votos e se tornou o presidente da câmara para o biênio 2021/22. 

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Bolsonaro e Lira gravam video juntos em tom amistoso.

 

O que esperar da presidência de Lira?

Após as eleições no Senado e na Câmara, Bolsonaro apresentou a seus candidatos vitoriosos uma lista com as 35 prioridades do governo no parlamento. A lista inclui pontos como a privatização da Eletrobrás, a reforma administrativa e a reforma tributária, além da já aprovada autonomia do Banco Central

A justificativa de muitos bolsonaristas para apoiar Lira, foi justamente a capacidade de articulação para facilitar a aprovação de pautas como as reformas e privatizações. Não coincidentemente, esta foi a mesma justificativa que foi dada quando apoiaram Maia dois anos atrás. Nas palavras da própria deputada bolsonarista, Carla Zambelli:

Rodrigo Maia é o único candidato que consegue conversar com a esquerda e a direita. […] Para a aprovação de uma reforma da previdência isto vai ser necessário”.

Apesar de tal justificativa, não demorou muito para Bolsonaro e seus aliados mudarem o discurso e começarem a culpar Rodrigo Maia por não pautar as reformas e travar as privatizações. Maia foi um bode expiatório fácil para as incompetências do governo (pois ele mesmo está longe de ser santo). Me pergunto quanto tempo demorará para que o mesmo aconteça com Lira.

A verdade é que Bolsonaro foi e ainda é corporativista, sempre querendo manter os privilégios de sua classe enquanto deputado, herdou a mente estatista da ditadura militar. Prova disso é que o governo pouco fez pela reforma da previdência, com deputados relatando que Bolsonaro só conversou com eles para tentar desidratar a reforma, retirando os militares do novo sistema.

As reformas em tramitação também não animam. A administrativa veio sem incluir juízes, políticos e todo o alto escalão do funcionalismo público. A tributária veio fatiada e com o Ministro Paulo Guedes, prometendo a volta da CPMF no futuro.

O governo também parece ter grande relutância com relação às privatizações. Apesar de o discurso ser de que “a culpa é toda do congresso”, existem estatais como a EBC (a famosa TV Lula) que podem ser extintas apenas com uma canetada do Presidente. Além disso, Bolsonaro já se manifestou várias vezes como contrário à privatização de empresas como o Banco do Brasil, Caixa e Petrobras.

É difícil esperar que o legislativo avance pautas enviadas pelo executivo quando o próprio executivo não está tão empenhado em promover o avanço delas. Ainda mais quando o Presidente possui uma massa de militantes acéfalos que o apoiará independentemente do que faça ou deixe de fazer.

Então se você esperava que a eleição de Arthur Lira iria possibilitar grandes privatizações e reformas massivas, vai se decepcionar. Sim, talvez mais medidas importantes como a autonomia do Banco Central sejam aprovadas, mas eu não esperaria nada muito grande.

Até porque o maior problema do governo e de Lira não é a incompetência do executivo.

 

O país está, de novo, nas mãos do centrão (se é que já deixou de estar).

O maior impeditivo para as reformas e privatizações é a própria base que Bolsonaro e Lira criaram para aprová-las. 

Para eleger Lira e proteger Flávio e a si mesmo, Bolsonaro distribuiu verba e influência para os partidos e políticos do centrão. Conseguiu fazer isso mais rápido e em maior quantidade do que Temer, Lula e Dilma fizeram.

Este é o centrão que adora manter estatais com seus cargos tão preciosos. O centrão que não quer arriscar aprovar uma reforma que vai descontentar seu eleitorado, e o centrão vai lutar para manter os privilégios das corporações que formam sua base eleitoral.

O centrão que loteava os ministérios de Dilma e fazia parte da base de seu governo, mas quando viu a maré de popularidade virar, abriu e aprovou seu Impeachment. O centrão que vai sugar este governo até a última gota.

E este centrão é encabeçado pelo novo presidente da câmara, Arthur Lira, que tem um passado maculado e cujo mandato se segura apenas por uma liminar. Uma liminar que pode cair tão facilmente se ele mexer com os privilégios da pessoa errada.

A verdade é que o futuro de Arthur Lira e da câmara dos deputados vai depender de muitas variáveis. Quanto tempo vai demorar até que os bolsonaristas chamem Lira de comunista? A popularidade de Bolsonaro vai cair ainda mais e sua base de mercenários vai começar a debandar? A liminar que sustenta o mandato de Lira vai cair? Só o tempo dirá.

Uma das poucas coisas certas é que Arthur Lira alugou o centrão por um preço muito alto, e o fiador é o Presidente da República.

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