Quando em abril de 2012 a presidente Cristina Kirchner anunciou em cadeia nacional a estatização da petrolífera YPF – empresa subsidiária da espanhola Repsol – o governo argentino, da viúva de Ernesto Kirchner, revelava claramente aos argentinos o verdadeiro caráter do seu governo, ou seja: de esquerda, intervencionista e prepotente – assim como todos os governos que se julgam sapientes o suficiente para planejar algo tão intrincado como uma economia de mercado.

O que segue depois disso, jamais distanciou-se do que Mises definiu como a lógica do intervencionismo[1], ou seja, um sistema em que a intervenção governamental nos processos de mercado ocasiona distorções que os governos não podem prever. Isso, dizia Mises, acarreta em mais intervenção na tentativa, em geral frustrada, de corrigir o problema ocasionado pela primeira intervenção. Causando mais intervenção (com perdão da tautologia)! O ápice deste processo contínuo de erros e intervenções apresenta-se em um estado social letárgico em que o governo suprime a economia de mercado e as liberdades individuais – é o caminho do planejamento central ou se preferirem do totalitarismo/socialismo.

É incrível como a Argentina marcha impávida para essa direção. No início do século XX os argentinos possuíam a décima economia mais rica (em termo per capita) do mundo com taxas de crescimento de 7,7% ao ano[2]. Esse cenário de prosperidade se manteve até 1930, para depois, entrar em uma espiral de empobrecimento e intervencionismo econômico alicerçado na panaceia do protecionismo e do modelo de substituição de importações[3].

Não cabe aqui elencarmos historicamente as bobagens do peronismo e do que se seguiu politicamente na Argentina, basta que saibamos que boa parte dos problemas atuais advém dessas políticas de engenharia social. A outra parte é oriunda da herança amarga (e de beleza questionável) deixada por Ernesto Kirchner ao povo argentino – sua esposa Cristina.

O governo de Cristina Kirchner, uma extensão ao de Ernesto, está absolutamente perdido. Além de não estudar história e saber o mesmo que um lêmure de teoria econômica, a mandatária argentina vem destruindo com o pouco que resta da economia – levando, aos poucos, a nação aos níveis de pobreza da era Menen[4].

As bobagens econômicas do atual governo são inúmeras. A primeira delas está em acreditar que quebrando o termômetro é possível curar a febre. O governo vem intervindo e controlando tudo (câmbio, preços, fluxo de capitais, imprensa argentina, etc.).

No que tange ao câmbio fixo, o problema está claramente na falta de austeridade fiscal e monetária por parte do governo. A dívida externa da Argentina já ultrapassa os US$ 140 bilhões[5]. Como os gastos fiscais não decrescem o passivo externo e interno se mantém em crescimento constante. Para financiar essa festa o Banco Central argentino emite títulos do tesouro e expande a base monetária. Mais pesos na economia e menos dólares geram uma pressão depreciativa sobre o câmbio elevando a dívida externa. É nesse ponto que está um dos maiores estrangulamentos da economia argentina.

Como o câmbio – em função da pressão inflacionária – está forçosamente apreciado os argentinos importam mais. Essa fuga de dólares compromete as limitadas reservas argentinas em dólar o que gera desconfiança na capacidade do governo de honrar a taxa de cambio fixada e, consequentemente, as suas dívidas externas. A ação governamental, como previsto por Mises, é intervir nesse processo com o intuito de corrigi-lo. O governo, então, vem proibindo a livre mobilidade de capitais financeiros (com a intenção de conter a fuga de dólares). Isso está varrendo a confiança dos investidores[6], derrubando os níveis de investimento estrangeiro direto, deteriorando ainda mais o nível de reservas internacionais e a capacidade do governo argentino em cumprir a meta cambial e os compromissos mundiais.

Em suma, esse cenário já causa consequências severas aos argentinos. A inflação está maquiada para baixo e os preços estão controlados. O cenário futuro é certamente de escassez de bens – basta estudar o mínimo de história e teoria econômica e já se pode afirmar isso.

Pra piorar, o governo não cessa o endividamento fiscal e a emissão de pesos para financiar a farra do gasto público. Some a isso um câmbio oficial apreciado artificialmente (para segurar a inflação de preços) e temos uma depreciação das reservas internacionais culminando em um câmbio vulnerável e susceptível a ataques especulativos ou crises externas[7].

O economista Mario Henrique Simonsen dizia, grosso modo, que a inflação aleija, mas o câmbio mata. O governo de Cristina Kirchner está conseguindo a façanha de juntar os dois: descontrole inflacionário e crise de balanço de pagamentos.

É impressionante como, apenas com uma caneta na mão, um governo consegue acabar rapidamente com toda a poupança, a riqueza e o esforço que os indivíduos e as gerações anteriores construíram. O exemplo da Argentina está aí como lição[8]. Nunca devemos subestimar a prepotência e estupidez dos governantes. O governo argentino vem matando o seu aleijado povo. O tango argentino já desafinou e eu espero que o samba brasileiro não siga os mesmos compassos.

Felipe Rosa é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento (PPGE&D) da UFSM. Escreve todas as quintas para o site do Clube Farroupilha.


[1] Ao leitor interessado em aprofundar-se na teoria de Mises sobre o intervencionismo eu sugiro a leitura de: Uma Crítica ao Intervencionismo, cap. 1 e 5 e Intervencionismo: Uma Análise Econômica, p. 28-31.

[2] Ver http://books.google.com.br/books?id=HVhRKS1uAjYC&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false

[3] Um completo e magnífico levantamento da história política e econômica da Argentina foi feita por Leandro Roque. Ver: http://mises.org.br/Article.aspx?id=1562

[4] Ao final de 2002, pasmem, mais de 50% da população argentina estava abaixo da linha da pobreza. Ver: www.indec.mecon.ar/nuevaweb/cuadros/74/sh-pobreza2.xls

[5] O passivo externo total argentino (público + privado) já passa dos US$ 200 bilhões. Ver: http://opontobase.com.br/por-que-o-brasil-nao-esta-diante-de-uma-crise-cambial-mas-a-argentina-sim/

[6] Outra demonstração de que a loucura realmente corre solta na Casa Rosada é que para aumentar a confiança internacional na economia argentina a presidente Cristina Kirchner nomeou para chefiar o Ministério da Economia, justamente, o padrinho da ideia de reestatização da petrolífera YPF – uma sábia ideia, afinal, nada melhorar do que um marxista declarado para aumentar a confiança do investidor internacional. http://oglobo.globo.com/economia/dolar-dispara-na-argentina-com-novo-ministro-moreno-renuncia-10827492

[7] Ver: http://opontobase.com.br/me-quiero-ir-del-peso-argentino/

[8] Ainda que o Brasil, recentemente, tenha batido recorde no déficit em transações correntes os níveis de reservas internacionais do Brasil não apontam, no curto prazo, para uma crise de Balanço de Pagamentos. Mas como bom liberal eu que não subestimarei a incapacidade gerencial de Guido Mantega e sua turma. http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE97M04G20130823

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