No primeiro artigo da série que homenageia o economista Friedrich A. von Hayek nos 25 anos de seu falecimento, falaremos sobre um dos principais temas sobre o qual advoga. Nascido em 1899, em Viena, Hayek lutou na Primeira Guerra Mundial, bem como presenciou a ascensão do Comunismo, do Fascismo e do Nazismo. Ele classificava tais regimes, bem como quaisquer ideais socialistas, em uma palavra: Coletivismo. Hayek argumenta que, embora de vertentes e origens distintas, o que une todos estes tipos de socialismo é a crença de que o planejamento centralizado da economia por um ditador, ou por um grupo de pessoas, é a solução para as mazelas da sociedade atual.
“Na realidade, o que une os socialistas da esquerda e da direita é essa hostilidade comum à concorrência e o desejo de substituí-la por uma econômica dirigida.” [1]
Coletivismo é, portanto, como explica Hayek, quaisquer ideologias que, sejam de direita ou de esquerda, buscam o desenvolvimento da sociedade através da planificação da economia e que, portanto, independente do quão conflitantes possam ser entre si, possuem um inimigo em comum: o liberalismo econômico.
“É verdade que na Alemanha, antes de 1933, e na Itália, antes de 1922, comunistas e nazistas ou fascistas entravam mais frequentemente em conflito entre si do que com os outros partidos. Disputavam o apoio de pessoas da mesma mentalidade e votavam uns aos outros o ódio que se tem aos hereges. No entanto, seu modo de agir demonstrava quão semelhantes são, de fato. Para ambos, o verdadeiro inimigo, o homem com o qual nada tinham em comum e ao qual não poderiam esperar convencer, era o liberal da velha escola.
O hitlerismo chega mesmo a se definir o protetor do cristianismo, e o mais terrível é que esse grosseiro equívoco consegue ainda causar alguma impressão. Mas um fato se destaca com perfeita clareza em toda essa confusão: Hitler jamais pretendeu representar o verdadeiro liberalismo. O liberalismo tem a honra de ser a doutrina mais odiada por Hitler.” [2]
Entendida a definição Hayekiana de coletivismo, chega-se à questão: Como se deu a ascensão do coletivismo? Em um mundo em que, durante boa parte do século XIX, o Liberalismo foi a grande tendência, o que aconteceu para que, logo no início do século XX, se presenciasse um grande “boom” de ideologias planificadoras?
Antes de mais nada, é preciso especificar: Liberalismo é o princípio fundamental segundo o qual devemos utilizar ao máximo as forças espontâneas da sociedade e recorrer o menos possível à coerção.[3]
Ou seja, uma sociedade baseada no individualismo e na livre concorrência.
Por individualismo, entende-se que cada indivíduo tem a liberdade para escolher o método pelo qual buscará atingir os próprios objetivos e, desta forma, se relacionará harmoniosamente com outros indivíduos que também estão perseguindo os próprios objetivos. A famosa máxima de Adam Smith sintetiza muito bem a ideia:
“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles.” [4]
Por livre concorrência entende-se que os agentes do mercado – consumidores, empresas, fornecedores, trabalhadores, empregadores – devem ter a liberdade para vender e comprar seus produtos (a força de trabalho também é um produto) a qualquer preço que encontre um interessado na transação; todos devem ser livres para produzir, vender e comprar tudo aquilo que possa ser produzido ou vendido; e o acesso às diferentes ocupações deve ser facultado a todos de modo que a lei não tolere que indivíduos ou grupos tentem restringir esse acesso através da coerção.
“A doutrina liberal é a favor do emprego mais efetivo das forças da concorrência como um meio de coordenar os esforços humanos, e não de deixar as coisas como estão. Baseia-se na convicção de que, onde exista a concorrência efetiva, ela sempre se revelará a melhor maneira de orientar os esforços individuais. Essa doutrina não nega, mas até enfatiza que, para a concorrência funcionar de forma benéfica, será necessária a criação de uma estrutura legal cuidadosamente elaborada, e que nem as normas legais existentes, nem as do passado, estão isentas de graves falhas.
[…]
O liberalismo econômico é contrário à substituição da concorrência por métodos menos eficazes de coordenação dos esforços individuais. E considera a concorrência um método superior, não somente por constituir, na maioria das circunstâncias, o melhor método que se conhece, mas, sobretudo por ser o único método pelo qual nossas atividades podem ajustar-se umas às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da autoridade. Com efeito, uma das principais justificativas da concorrência é que ela dispensa a necessidade de um “controle social consciente” e oferece aos indivíduos a oportunidade de decidir se as perspectivas de determinada ocupação são suficientes para compensar as desvantagens e riscos que a acompanham.”
Para Hayek, um dos principais motivos do declínio do liberalismo no início do século XX foi o próprio liberalismo. Como explica em “O Caminho da Servidão”, a liberdade econômica e a liberdade política conquistadas pelo homem europeu ao longo dos séculos XVIII e XIX lhes permitiu alcançar um desenvolvimento industrial e tecnológico nunca antes presenciados. Como consequência do crescimento econômico, a qualidade de vida aumentou para todas as classes e, por isso, as mazelas da sociedade começaram a ser enxergadas de uma forma que não costumavam ser. Devido ao êxito já alcançado, o homem se foi mostrando cada vez menos disposto a tolerar os males ainda existentes.
Foi assim que, julgando a própria situação como algo “já conquistado” e portanto dessujeito à perda, o cidadão comum europeu decidiu prescindir das forças de livre concorrência – que produziam resultados imprevistos e vagarosos – e substituir o mecanismo impessoal do mercado pela condução coletiva e “consciente” de todas as forças sociais em direção a objetivos previamente escolhidos.
“A Inglaterra perdeu a liderança intelectual na esfera social e política e passou a importar ideias. Nos sessenta anos seguintes, a Alemanha converteu-se no centro de onde as ideias destinadas a governar o mundo no século XX se propagaram para leste e oeste. Hegel ou Marx, List ou Schmoller, Sombart ou Mannheim, o socialismo em sua forma mais radical ou apenas a “organização” ou a “planificação” de natureza menos radical – o pensamento alemão foi pronta e amplamente importado, e as instituições alemãs imitadas.” [5]
“Quase não nos ocorre hoje que o socialismo era, de início, francamente autoritário. Os autores franceses que lançaram as bases do socialismo moderno não tinham dúvida de que suas ideias só poderiam ser postas em prática por um forte governo ditatorial. Para eles o socialismo significava uma tentativa de “acabar com a Revolução” por meio de uma reorganização intencional da sociedade em moldes hierárquicos e pela imposição de um “poder espiritual” coercitivo. No que se referia à liberdade, os fundadores do socialismo não escondiam suas intenções. Eles consideravam a liberdade de pensamento a origem de todos os males da sociedade do século XIX, e o primeiro dos planejadores modernos, Saint-Simon, chegou a predizer que aqueles que não obedecessem às comissões de planejamento por ele propostas seriam “tratados como gado” [6]
Apesar disso, foi o socialismo que, no início do século XX, substituiu o liberalismo como “a doutrina dos progressistas”. Isto não indica apenas que as pessoas modificaram por completo seus objetivos e sua crença moral mas sim que foram convencidas de que, para atingir os seus antigos objetivos – de liberdade, crescimento econômico, melhor qualidade de vida, etc – o caminho correto seria o do coletivismo.
Durante o século XX, pouco antes das revoluções de 1848[*], eclodiram na Europa fortes correntes democráticas. Foi neste período que o socialismo começou a aliar-se às forças de liberdade e democracia, sob o pretexto de acabar com as monarquias, instalar Repúblicas e, consequentemente, dar mais liberdade e autonomia ao povo, especialmente à classe operária. Foi sob o slogan de “uma nova liberdade” que o “novo socialismo democrático” caiu nas graças do povo europeu, inclusive antigos liberais. Tocqueville, à época, já percebia a falácia contida na promessa de unir democracia, uma instituição essencialmente individualista, e socialismo:
“A democracia amplia a esfera da liberdade individual, o socialismo a restringe. A democracia atribui a cada homem o valor máximo; o socialismo faz de cada homem um mero agente, um simples número. Democracia e socialismo nada têm em comum exceto uma palavra: igualdade. Mas observe-se a diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura a igualdade na repressão e na servidão.” [7]
É importante destacar o que essa “nova liberdade” prometida significava. Para os liberais, o conceito de liberdade traz o sentido de indivíduo livre da coerção e do poder arbitrário de outros homens. Na nova liberdade socialista, o indivíduo se liberta da necessidade material e das restrições que o sistema econômico impõe.
“A reivindicação da nova liberdade não passava, assim, da velha reivindicação de uma distribuição equitativa da riqueza. Mas o novo rótulo forneceu aos socialistas mais uma palavra em comum com os liberais, e eles a exploraram ao máximo. E, conquanto o termo fosse empregado em sentido diferente pelas duas correntes, poucos o notaram, e menor número ainda se perguntou se as duas formas de liberdade prometidas poderiam realmente harmonizar-se.
[…]
Mas essa convicção apenas intensificaria a tragédia se ficasse demonstrado que aquilo que nos prometiam como o caminho da liberdade era na realidade o caminho da servidão. Foi inquestionavelmente a promessa de maior liberdade que atraiu um número crescente de liberais para o socialismo e tornou-os incapazes de perceber o conflito existente entre os princípios do socialismo e os do liberalismo, permitindo em muitas ocasiões que os socialistas usurpassem o próprio nome do antigo partido da liberdade.”
É necessário esclarecer um equívoco que, muitas vezes, é responsável pelo fato de nações inteiras serem levadas a situações que não seriam desejadas por ninguém. Esse equívoco diz respeito aos “dois conceitos” de socialismo:
Muitas pessoas se dizem socialistas, mas na verdade apenas creem em um destes conceitos – o fim, mas não fazem ideia do caminho que deve ser trilhado para alcançá-lo. Por outro lado, para todos aqueles que veem no socialismo um objeto da política prática, os meios são tão essenciais quanto os fins. E ainda, há aqueles que, ainda que prezem pelos fins dessa doutrina, recusam-se a apoiá-la por acreditar que seus métodos põe em risco outros valores.
Deste modo, a discussão em torno do socialismo tornou-se uma discussão majoritariamente sobre meios e não sobre fins, visto que os métodos utilizados pela doutrina socialista podem ser aplicados para chegar a fins diversos daqueles citados no primeiro conceito. A planificação da economia é o maior exemplo disto.
Como cita Hayek, se quisermos realizar uma distribuição da renda conforme as ideias correntes de justiça social, torna-se imperativo centralizar a direção da atividade econômica. Consequentemente, a “planificação” é desejada por todos os que exigem que a “produção para o consumo” substitua a produção orientada para o lucro. Mas essa planificação não será menos indispensável se a distribuição da renda for efetuada de modo oposto ao que reputamos justo. Se pretendêssemos, por exemplo, que uma elite racial, os nórdicos, os membros de um partido ou uma aristocracia fossem beneficiados por uma maior parcela de bens e amenidades, os métodos que seríamos obrigados a empregar seriam os mesmos que empregaríamos para assegurar uma distribuição igualitária.
Basicamente: se desejamos conceder poder a alguém ou a um grupo para fazer distribuição de renda, este poder pode ser usado tanto de cima para baixo, quanto de baixo para cima – e, geralmente, não há garantia de qual direção será escolhida.
Partindo dos pressupostos acima, independe do nome que se dê, todas as doutrinas coletivistas tem uma coisa em comum: a planificação da economia. E é exatamente nesta planificação que reside o maior perigo das ideologias anti-concorrência. Independente se a planificação ocorre de forma imediata, como no Comunismo ou no Fascismo, ou de maneira gradual como na Social-Democracia ou no Socialismo Fabiano, todo ataque à livre-concorrência significa, inevitavelmente, perda de liberdade.
Como citado no início do artigo, uma sociedade de livre concorrência é aquela baseada no individualismo, ou seja, cada indivíduo é livre para escolher os métodos que utilizará para buscar seus objetivos individuais. Em uma sociedade de economia planificada, pelo contrário, não existem objetivos econômicos individuais, e sim um ou mais objetivos que são decididos previamente pelo planejador central e em prol do(s) qual(is) toda a sociedade deve implantar seus esforços para atingir. Ou seja, existe uma organização intencional das atividades da sociedade em função de um objetivo social definido.
“Os vários gêneros de coletivismo – comunismo, fascismo etc. – diferem entre si quanto ao fim para o qual pretendem dirigir os esforços da sociedade. Todos eles, porém, se distinguem do liberalismo e do individualismo por pretenderem organizar a sociedade inteira e todos os seus recursos visando a essa finalidade única e por se negarem a reconhecer esferas autônomas em que os objetivos individuais são soberanos. Em suma, são totalitários.” [9]
Este “objetivo social definido”, entretanto, costuma ser apontado como “o interesse comum” ou “o bem estar geral”. Nota-se, sem muito esforço, que estes termos são muito vagos para determinar uma linha específica de ação, visto que o “bem estar” de milhões de pessoas, ou até mesmo de um único homem, depende de uma série de fatores que lhe podem ser proporcionadas em infinitas combinações. Seria impossível, para qualquer intelecto, compreender esta infinita gama de necessidades diferentes, de pessoas diferentes, e atribuir um peso para cada uma delas.
É por isso que, concluem os individualistas, o indivíduo deveria ser soberano em relação aos seus próprios objetivos. Isso não exclui, porém, a existência de objetivos comuns: são aqueles objetivos que várias pessoas concordam e por espontânea vontade se propõe a contribuir na busca de tal fim. Coletividade é diferente de coletivismo. O coletivismo é quando se tem um objetivo comum supremo o qual todos são obrigados a perseguir, enquanto que a coletividade é simplesmente a associação voluntária de indivíduos na busca de um ou mais objetivos comuns – que não são objetivos “supremos”, apenas parte dos objetivos daqueles indivíduos. Infelizmente, todos os nossos recursos são escassos – inclusive o tempo – de maneira que, como pontua Hayek, não é possível estender de modo contínuo a esfera da ação comum sem reduzir ao mesmo tempo a liberdade do indivíduo em sua própria esfera.
O planejamento centralizado só poderia ”funcionar” caso o planejador conhecesse o efeito exato de suas atitudes e, para isso, este deveria ser onisciente, onipresente e onipotente – neste caso, retira-se do indivíduo a responsabilidade e a liberdade de escolher o seu próprio caminho e deposita-se esta responsabilidade ao planejador central, ou seja, o estado. Por isso, quanto mais planejamento, menos liberdade e, portanto, o coletivismo trilha o caminho da servidão. Os indivíduos ficam a mercê da vontade do planejador central e abrem mão da sua individualidade, da liberdade de escolher entre dois ou mais caminhos a depender do seu objetivo individual, em prol de um suposto objetivo comum. A questão é que, ainda que o estado consiga subjugar toda a população de uma nação à sua vontade, este continua sendo composto por pessoas – por indivíduos. O estado pode ser onipotente, mas não consegue ser onipresente, nem onisciente. Um grupo de indivíduos é incapaz de prever todos os efeitos das decisões que deveriam estar sob responsabilidade de milhares ou milhões de pessoas acertadamente e, por isso, qualquer planejamento centralizado resultará, invariavelmente, no efeito exatamente oposto àquele inicialmente escolhido.
Tirania pressupõe poder. Para que um homem possa ser classificado com um tirano, ele precisa exercer poder sobre aqueles em quem aplica sua tirania. E o desejo de organizar a vida social de uma nação segundo um plano único – ou seja, subjugar milhões de pessoas ao plano de uma pessoa só (ou de um grupo) – nada mais é do que ambição de poder. Poder, este, que se faz imprescindível para alcançar o êxito na perseguição dos objetivos do planejador central pois apenas na padronização do comportamento e na obediência é que é possível controlar uma sociedade inteira.
Alguns coletivistas argumentam que na sociedade atual já não existe verdadeira liberdade de pensamento pois as opiniões e gostos individuais são influenciados pela mídia e pela publicidade das grandes empresas privadas. Daí se conclui um raciocínio, aponta Hayek, de que se os ideais e gostos da grande maioria são sempre plasmados por circunstâncias passíveis de controle, devemos usar intencionalmente esse poder para levar o povo a pensar da forma que nos parece conveniente.
Supõe-se, também, que se grandes corporações exercem um certo grau de poder sobre a população em geral, seria sensato que um grupo de pessoas “bem intencionadas” tomasse os meios de produção para pôr fim no poder exercido pelas empresas privadas. O fato lógico que se perde pelo caminho é de que, independente do grau de influência que as milhares de empresas privadas existentes exercem sobre os indivíduos, este poder está dividido entre milhares de proprietários que agem independentemente. Ao tomar-se os meios de produção, este “poder acumulado” não se diluiria entre a sociedade mas sim ficaria nas mãos do grupo que reivindicou os meios de produção e, portanto, o que antes era um poder fracionado e independente torna-se poder organizado e concentrado.
“O estadista que pretendesse ditar aos indivíduos o modo de empregar seu capital não somente assumiria uma sobrecarga de cuidados desnecessários como se arrogaria uma autoridade que não seria prudente confiar a conselho ou senado de qualquer espécie, e que jamais seria tão perigosa como nas mãos de um homem insensato e presunçoso a ponto de julgar-se apto a exercê-la”. – Adam Smith
O dono da propriedade, geralmente, é quem determina o que será feito com ela e isso estabelece, sim, uma relação de poder. Entretanto, no momento em que as numerosas propriedades existentes estão divididas entre vários proprietários, nenhum deles, agindo independentemente, terá o poder exclusivo de determinar a renda e a posição dos indivíduos. Ninguém fica vinculado, obrigatoriamente, a um proprietário. O vínculo se dá porque os indivíduos têm a liberdade de escolher entre diversos proprietários qual lhe oferecerá as melhores condições – o melhor custo-benefício. Quando todos os meios de produção são delegados ao estado, este se torna o monopolista da propriedade e portanto extingue-se a liberdade de escolha entre diferentes proprietários e diferentes ofertas de benefício pois a oferta será única e será o estado quem determinará a renda e a posição de todos os indivíduos sob o seu controle.
“Constitui absoluta confusão de ideias sugerir que, como em qualquer sistema, a maioria do povo é liderada por alguém. Não faz diferença que todos sejam obrigados a seguir a mesma liderança. Menosprezar a liberdade intelectual porque ela nunca significará para todos a mesma possibilidade de pensamento independente implica não atentar para os motivos que conferem a essa liberdade o seu valor. O essencial, para que ela exerça a sua função de impulsionadora do progresso intelectual, não é que todos sejam capazes de pensar ou escrever, mas que toda causa ou ideia possa ser contestada.”
Ainda que o líder, junto com seu ideal de planejamento centralizado, tenha sido aceito por vias democráticas, isso de maneira alguma torna o regime coletivista menos tirânico. O povo pode ser convencido de inúmeras maneiras a acreditar que, de alguma forma, tal sistema resultaria em grande prosperidade. Mas chegará o momento em que a população perceberá que a execução da linha de planejamento escolhida pelo tirano exige um consenso muito maior do que na realidade existe, pois não se pode limitar a ação coletiva às tarefas em torno das quais é possível haver acordo, visto que é preciso haver consenso sobre todas as questões para que se possa seguir uma linha de ação, seja qual for.
É neste momento, onde começam a surgir as inevitáveis discordâncias, que surge a tirania brutal no sentido mais literal da palavra. Quando toda a sociedade é dominada por um fim específico, é inevitável que, em determinados momentos, a crueldade se torne um dever. Que ações como o trabalho forçado, o extermínio de certos grupos (como os judeus para os nazistas e os kulak para os comunistas russos) e o fuzilamento de reféns, sejam tratados como “um mal necessário”. Da perspectiva coletivista, a intolerância e a brutal supressão da dissidência, o completo desrespeito pela vida e pela felicidade do indivíduo são consequências essenciais e inevitáveis dessa premissa básica. [10] São ideologias nas quais, sem exceção, os fins justificam os meios – como a história fez questão de provar.
“Será justo ou razoável que o número maior de vozes contrárias ao fim supremo do governo escravize um número menor, que deseja ser livre? Se a força tiver de decidir, mais justo será sem dúvida, o número menor obrigar o maior a preservar sua liberdade (o que não seria fazer-lhe injustiça) do que o maior, para satisfazer sua baixeza, compelir o número menor a compartilhar com ele a escravidão. Aqueles que não procuram senão sua justa liberdade têm direito a conquistá-la, sempre que tiverem tal poder, por mais numerosas que sejam as vozes em contrário” – John Milton
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Autora: Carolina Rothmann é estudante de Ciências Econômicas na PUCRS e Diretora de Comunicação do Clube Farroupilha.
Referências:
[1] – HAYEK, F.A. (1944) O Caminho da Servidão: Individualismo e Coletivismo. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 61)
[2] – HAYEK, F.A. (1944) O Caminho da Servidão: A Grande Utopia. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 51-52)
[3] – HAYEK, F.A. (1944) O Caminho da Servidão: O Caminho Abandonado. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 42)
[4] – SMITH, Adam. (1776) A Riqueza das Nações: O princípio que dá origem à divisão do trabalho. São Paulo, Editora Nova Cultural: Coleção Os Economistas, 1996. (p. 74)
[5] – HAYEK, F.A. (1944) O Caminho da Servidão: O Caminho Abandonado. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 45)
[6] – HAYEK, F.A. (1944) O Caminho da Servidão: A Grande Utopia. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 47)
[*] – As Revoluções de 1848, ou a Primavera dos Povos, foi uma série de revoltas localizadas na Europa Central e Oriental de caráter liberal, democrático, nacionalista e socialista que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, de crises econômicas, do aumento da condição financeira e da falta de representação política das classes médias e do nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias da Europa.
[7] – TOCQUEVILLE, A. Obras Completas de Alexis de Tocqueville: “Discurso à Assembleia Constituinte de 12 de Setembro de 1848 sobre a questão do Direito ao Trabalho”. Paris, Michel Lévy Frères, 1866. (p. 546) (em francês)
[8] – HAYEK, F.A. (1944) O Caminho da Servidão: A Grande Utopia. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 49)
[9] – HAYEK, F.A. O Caminho da Servidão: Planificação e Democracia. São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 75)
[10] – HAYEK, F.A. O Caminho da Servidão: Por que os piores chegam ao poder? São Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. (p. 150)
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