Na série especial de 22 anos do falecimento de Murray Rothbard argumentamos a ilegitimidade do Estado e como a sua existência e manutenção de poder agride, sistematicamente, os direitos naturais e as liberdades individuais. Entretanto, é natural que permaneça uma dúvida pertinente acerca da sociedade anárquica idealizada por Rothbard: Se não o Estado, quem garantiria a segurança dos indivíduos e, principalmente, garantiria que seus direitos fossem respeitados? É importante, para compreender a teoria libertária rothbardiana, admitir que uma sociedade sem Estado – i.e sem um poder centralizado sustentado através da coerção – não significa uma sociedade sem regras. Mas quem faria as regras e garantiria que elas fossem cumpridas? É o que explicaremos no último artigo do Especial #SemanaRothbard.

A Polícia

No sistema atual, toda a população paga a mesma quantidade de impostos em troca dos serviço policial. Entretanto, cada pessoa utiliza esse serviço de forma e quantidade diferentes. Enquanto algumas pessoas julgam suficiente apenas alguns policiais patrulhando as ruas constantemente, outras acham necessário até mesmo o uso de guarda-costas em tempo integral – mesmo assim, não há como escolher a quantidade do serviço que se quer utilizar, pois este é unificado e monopolizado pelo aparato estatal. Além disso, há uma série de outras decisões referentes a alocação de recursos para a polícia que devem ser tomadas, como a quantia que deve ser investida em equipamentos eletrônicos, carros, armamento, salários, uniformes, entre outros – decisões, estas, que o governo é incapaz de tomar de maneira racional, devido ao jogo político, burocracia e, claro, ao fato de que não há concorrência e, consequentemente, feedback da clientela.

A partir desta realidade, a teoria libertária demonstra que a ideia de que apenas o Estado pode fornecer segurança é uma falácia: Ainda que todos paguem impostos em troca dos serviços de segurança, nem todos recebem a mesma proteção – alguns, inclusive, nem sequer recebem alguma proteção. Por isso, Rothbard defende que em uma sociedade libertária, a segurança seria 100% privada e funcionaria, provavelmente, como funcionam as empresas de Seguro ou vigilância de hoje em dia: Cada pessoa pagaria pelo “pacote” de segurança que lhe apresenta o melhor custo benefício, incluindo sistema de vigilância, seguro, alarmes, câmeras, detetives, armamento e tudo o mais que lhe for necessário para garantir sua integridade física e a integridade de sua propriedade. Considerando que haveria competição entre as empresas, a consequência lógica, como ocorre em qualquer setor onde haja a livre concorrência, seria a constante melhora no atendimento e nos preços – o que poderia, inclusive, resultar no fim ou na diminuição expressiva da brutalidade policial, visto que seria prejudicial para a imagem das empresas.

Outro fato que condicionaria à uma maior eficiência da força policial é de que o que guiaria a alocação dos recursos de segurança seria a necessidade real dos clientes – que tem um orçamento limitado e, por isso, só pagariam por aquilo que julgam essencial – diferentemente do que ocorre hoje. Prova disso são os inúmeros casos de falta de contingente para resolver ou evitar agressões à propriedade ao mesmo tempo em que um número considerável de policiais são alocados para missões como “acompanhar a tocha olímpica”, entre outros exemplos.

“Não podemos fazer projeções a respeito de um mercado que existe apenas como uma hipótese, porém é razoável crer que o serviço policial numa sociedade libertária seria fornecido pelos proprietários de terra ou pelas empresas de seguro. Uma vez que estas empresas teriam de pagar seguro às vítimas do crime, é altamente provável que elas proveriam o serviço policial como uma forma de manter o crime em níveis baixos e, assim, evitar os seus gastos com o pagamento de seguros.” [1]

Uma das críticas mais comuns em relação à ideia da proteção privada é a de que, supostamente, pessoas muito pobres não conseguiriam arcar com os custos das empresas e, por isso, acabariam sem sistema de segurança algum. É importante ressaltar alguns pontos em relação a esta teria.

a) As pessoas mais pobres, hoje em dia, recebem uma proteção eficiente? Ou muitas vezes são ignoradas e até mortas por “aparentarem criminosas”. Não raro vemos moradores de comunidades pobres recorrendo à proteção privada até mesmo de membros de facções criminosas por julgarem mais eficiente do que a polícia estatal na sua situação.

A diferença é que, na situação atual, essas mesmas pessoas pobres que são marginalizadas e recebem pouca ou nenhuma proteção do Estado financiam a polícia através de impostos como qualquer outro cidadão.

b) Caso as pessoas mais pobres não tivessem boa parte da sua renda extorquida pelo Estado através de impostos, poderiam alocar seus recursos em setores que julgassem importantes – como a segurança privada, por exemplo, caso este fosse seu desejo.

c) Segurança é um fator de importância vital para qualquer vida humana, é verdade. Também o são comida, abrigo, vestuário e nem por isso podemos pressupor que a comida, por exemplo, deva ser nacionalizada e distribuída “gratuitamente” através de um monopólio compulsório.

d) Pessoas muito pobres poderiam receber ajuda da caridade privada. Seja pela boa vontade das empresas – o que garantiria uma boa imagem para as mesmas – ou através de sociedades especiais de “auxílio policial” como ocorre hoje em dia no caso do auxílio legal.

Os Tribunais

Há poucas coisas na teoria libertária que causem tanto espanto quanto a ideia de tribunais privados – principalmente a parte onde esses tribunais competem entre si. Afinal de contas, como os tribunais poderiam empregar a força em uma sociedade sem Estado? E pior: por conta da competição entre tribunais, não surgiriam eternos conflitos entre eles?

Bem, antes de qualquer consideração sobre a aplicação da ideia de tribunais privados, devemos olhar para a realidade atual: Os tribunais monopolistas do governos estão sujeitos a tantos ou mais problemas e ineficiências do que poderiam estar caso fossem privados. Devemos relembrar que o Estado é formado por pessoas, e também o são seus tribunais. Qualquer conflito de interesses ou de interpretações da lei que pode ocorrer num tribunal privado também pode – e ocorre – nos tribunais estatais.

A função de um tribunal de justiça é resolver os conflitos ocasionados pelo descumprimento da lei. Entretanto, se não há Estado, quem faz as leias? Como foi explicado anteriormente, uma sociedade sem um poder centralizado e coercitivo não significa a ausência de regras. Inclusive, verificamos exemplos dessa afirmação nos mais variados ramos: Toda relação humana possui regras, desde Empresas Privadas com seus códigos de conduta até relações simples como a do casamento – onde ambas as partes determinam regras de convivência, ainda que implícitas. Em uma sociedade libertária, cada comunidade teria seu código legal, feito em comum acordo por todas as partes afetadas – ou feito pelo proprietário de determinada área e, posteriormente aceito pelos locatários. Logo, qualquer desobediência de determinado código legal funcionaria como um desrespeito às cláusulas de um contrato – e, sendo assim, os tribunais de uma sociedade libertária focariam, primordialmente, no ressarcimento das vítimas por parte do indivíduo que desrespeitar o código legal e, em segunda instância, na punição do mesmo – que varia de acordo com o tipo de violação cometida.

Em relação a aplicabilidade: Como seriam financiados os tribunais em uma sociedade livre? Entre as possibilidades, temos o mesmo sistema de mensalidade que utilizamos hoje em dia, por exemplo, em planos de saúde. Outra possibilidade, visto que os tribunais, provavelmente, seriam menos utilizados do que o sistema policial, seria o de pagamento de uma taxa sempre que uma pessoa precisar de seus serviços – enquanto o indivíduo que for condenado por um crime ou pelo rompimento de um contrato, ressarciria ou recompensaria esta vítima. A terceira possibilidade, apontada por Rothbard n’O Manifesto Libertário, seriam tribunais contratados pelas próprias agências policiais para solucionar disputas, ou até mesmo a existência de empresas integradas que fornecem tanto serviços policiais quanto judiciais. Apenas o mercado – ou seja, a necessidade e demanda dos indivíduos, seria capaz de decidir quais métodos seriam mais apropriados para cada comunidade. [2]

 


Leia os outros artigos da série: Direitos Naturais; Legítima Defesa; Liberdades Individuais; O Estado; Educação: Livre ou Obrigatória; Alistamento Militar Obrigatório;


Referências Bibliográficas

1 – ROTHBARD, Murray N. “O Setor Público, III: Polícia” (pág. 258) em O Manifesto Libertário.

2 – ROTHBARD, Murray N. “O Setor Público, III: Os Tribunais” (pág 263) em O Manifesto Libertário.

 

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