Com a saída de Merkel, é possível que a Alemanha caminhe para o liberalismo no futuro?


1Cartaz com o candidato do partido liberal, Christian Lindner, com os dizeres “Como está, não pode continuar” e “Todos os votos pela liberdade

Quando se fala em “Alemanha”, liberalismo não é uma palavra que vem logo à mente. Antes talvez se pense no trauma histórico do nacional-socialismo ou na Alemanha Oriental, a parte socialista que perdurou até 1989. Independente disso, as ideias de liberdade sempre estiveram em maior ou menor grau presentes no país.

Nas últimas eleições federais ocorridas em 26/09, uma notícia pode alegrar os defensores do liberalismo: o Partido Democrático Livres (Freie Demokratische Partei, ou FDP) não apenas elegeu um de seus maiores números de representantes para o parlamento (92), como também foi o partido mais votado entre os Erstwähler, os eleitores que votaram pela primeira vez.

Os liberais ainda terão papel decisivo no próximo governo e já fazem parte da próxima coligação, embora como legenda menos numerosa, para eleger um novo sucessor de Merkel (detalhes do funcionamento das eleições na Alemanha você encontra neste outro artigo do Clube Farroupilha). A coligação “Semáforo” se volta mais à esquerda, enquanto a “Jamaica”, mais à direita.

“O FDP só entra em um governo que haja um Centrismo político”, afirmou o líder da legenda Christian Lindner em uma entrevista postada em seu Instagram em 7/10. “Independente da coligação que prevaleça, o FDP vai se preocupar para que a Alemanha não se vire à esquerda, mas continue para frente”.

Sendo então o elo mais “fraco” da coligação, teria chances de os liberais prestarem influência no cenário político da Alemanha e da EU? Os jovens votando nos liberais e nos Verdes significa um futuro próspero? Existe, afinal, um liberalismo na Alemanha?


2Os candidatos Christian Lindner (FDP) e Annalena Bearbock (die Grünen)

Um (possível) futuro de liberdade

Para muitos jovens, um futuro sem Merkel é, no mínimo, inusual. Há 16 anos no poder, é certo que para grande parte do eleitorado mais jovem, uma Alemanha sem a chanceler é algo inédito. São esses eleitores que pedem mais mudanças no país. Contudo, os mais jovens não possuem ainda um voto decisivo para formar o parlamento: cerca de 58% dos votantes estão acima da faixa dos 50 anos[1].

Por ora, os mais velhos ainda decidem os rumos políticos alemães, o que é de se esperar pela estrutura demográfica do país. Mas as estruturas etárias mostram uma possível futura quebra de paradigma. Entre os Esrtwähler (eleitores estreantes), o FDP quebrou o favoritismo esperado do die Grünen (o partido Verde), empatando com 23% dos votos para ambos.

Entre os eleitores abaixo dos 25 anos, a dobradinha se repetiu. Os Verdes conquistaram 23% dos eleitores nessa faixa etária, seguido pelo FDP com 21%. Ambos os eleitores dos partidos mostram também características comuns: possuem declaradamente boas condições econômicas apoiam mais o programa do partido que o candidato escolhido[2]. Sobretudo, os eleitores dos dois partidos contemplam um bem-estar que eles não acreditam mais que possa ser alcançado com os partidos de seus pais e avós[3].

Se por um lado os alemães votaram pela continuidade dos programas de governo ao manter a hegemonia da dupla CDU e SPD, por outro os mais jovens votaram por mudanças mais radicais na política. Os resultados podem no longo prazo significar uma mudança no protagonismo político do país. Mas para isso, deve se pensar em um processo de “fidelização” com as ideologias propostas a longo prazo.

De qualquer forma, é certo que a junção verde-amarela como fatores decisivos da próxima coligação e preferência entre os mais jovens fez algumas múmias políticas abrirem os olhos para o futuro alemão.

Como deve ser um governo de liberais e verdes?

Apesar de convergirem até certo ponto na idade do eleitorado, as diferenças entre os Verdes e os Liberais não poderia ser mais gritante. Caso a coligação com SPD seja escolhida, o FDP será o único representante à direita na união. Nesse cenário de minoria, como os liberais podem propor mudanças para a Alemanha?

Os dois partidos, o Verde e o FDP, se dividem principalmente quando o tema toca finanças, programas sociais, imobiliários e ambientais. Segundo o jornal alemão Taggeschau, “No geral, os dois partidos têm visões muito diferentes da sociedade: os Verdes veem o Estado como um ator para a comunidade. O FDP vê o Estado mais como o freio e a iniciativa de atuação mais pelo setor privado.” Em consonância, os dois partidos são um voto “contra os status quo” político da federação.

Finanças

“O FDP descarta o aumento de impostos. Ainda mais: os impostos deveriam diminuir, até para os que ganham mais. A abordagem dos Verdes é completamente diferente, eles querem aumentar a taxa tributária máxima e tomar mais impostos sobre herança para o Estado. Eles querem afrouxar o freio na dívida para investimentos em favor do clima.”

Programas sociais

“Também no tema justiça social existem mundos entre o FDP e os Verdes. Salário-mínimo definido por lei, Hartz IV [programa social para desempregados], seguro infantil garantido pelo Estado – todos essas propostas dos Verdes não são apoiados pelos liberais, muito pelo contrário. Eles querem até flexibilizar a proteção legal contra demissões.”

Meio ambiente

“O caminho para o FDP e os Verdes é muito distinto. Os Verdes querem-no alcançar [medidas de proteção ao meio-ambiente] com financiamentos estatais e até proibir algumas coisas no futuro, como motores a combustão. O FDP aposta na inovação e iniciativa da indústria.”[4]

Em um cenário em que a gangorra penda para a esquerda, o papel do FDP seria equilibrar de volta para o centro, como Lindner já previu. Sabe-se que o desejo dos liberais seria tomar o Ministério das Finanças como representante nessa coligação, posição que o próprio Lindner declarara interesse no passado[5].

Conclusões

A Alemanha, de fato, não é reconhecida pela sua veia liberal. Os últimos 16 anos de Merkel criaram um sentimento de continuidade entre os mais velhos. Os mais novos, contudo, clamam por mudanças.

A longo prazo, pode ser que o FDP e o Verde – dois dos partidos com mais diferenças internas – briguem não como peças de coligações, mas em campos antagônicos. Isso depende, contudo, de um avanço constante e identificação com as ideologias. Contudo, como se percebe, os movimentos de cunho ambiental e o liberalismo vêm crescendo entre os jovens por todo mundo, embora o segundo em ritmo menos acelerado.

O que se pode dizer é que os dois partidos saíram fortalecidos das eleições. Ao se unirem para formar parte de uma coligação vencedora, seja ela qual for, os dois partidos menores são “vencedores indiretos”, como definiu o Deutschland Funk[6].

Fontes e Referências

[1] https://de.statista.com/infografik/25776/altersstruktur-der-waehlerschaft-bei-der-bundestagswahl/

[2] https://www.tagesschau.de/wahl/archiv/2021-09-26-BT-DE/umfrage-werwas.shtml

[3] https://www.tagesspiegel.de/politik/etfs-elon-musk-corona-resignation-deshalb-haben-so-viele-junge-menschen-die-fdp-gewaehlt/27654222.html

[4] Todos os parágrafos foram traduzidos do https://www.tagesschau.de/inland/btw21/gruene-fdp-inhalte-101.html

[5] https://www.deutschlandfunk.de/nach-der-bundestagswahl-2021-welche-koalitionen-sind-denkbar.2897.de.html?dram:article_id=502404

[6] https://www.deutschlandfunk.de/nach-der-bundestagswahl-2021-welche-koalitionen-sind-denkbar.2897.de.html?dram:article_id=502404


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