Muito falamos a respeito de uma hegemonia do pensamento de esquerda que vem sendo construída meio a sociedade há décadas. Porém, muitas dos pormenores desse processo nos parecem nebulosos ou difíceis de serem identificados no cotidiano. Por isso, tentarei aqui explicar, como parte desse processo ocorre, em uma das áreas mais fundamentais (se não a mais fundamental) para a sua consolidação, a educação, de acordo com o ponto de vista deste colunista.
Primeiramente, o termo “hegemonia” fui cunhado pelo italiano Antonio Gramsci, nenhuma surpresa aqui. Não vou aprofundar essa questão, mas sabe-se da estreita relação entre o pensamento desse teórico marxista e o processo de dominação ideológica que presenciamos.
Considero a educação uma das áreas fundamentais para a construção e consolidação desse processo por motivos óbvios. São nas salas de aula, da pré-escola às universidades, que a sociedade pode ser habituada mais facilmente a um certo modo de pensar e interpretar a vida e a própria sociedade. Ao meu ver, a influência do pensamento de esquerda na educação precede sua influência em qualquer outro meio, até porque a educação (como formação para a vida) é sempre um ponto de partida.
O que busco aqui é abordar um dos pontos, talvez o mais importante, a respeito de como se tenta construir essa hegemonia: a politização do cotidiano.
Politizar, aqui significa colocar em perspectiva, racionalizar, problematizar, o que talvez poderíamos relacionar diretamente com o ‘materialismo histórico dialético’, parte fundamental do pensamento marxista. Esclareço que não tenho problemas com a dialética, como método, afinal é reconhecida sua importância filosófica. A questão aqui é a dialética marxista, que influencia largamente o pensamento de esquerda, e que por mais que muitos dos movimentos de esquerda não se vinculem mais ao marxismo, são na maior parte das vezes ovelhas desgarradas do rebanho marxista, quer queiram, quer não. Ironicamente a dialética marxista, em essência, se opõe ao idealismo.
A ideia de politizar o cotidiano em si não é um problema, longe disso. O problema reside em habituar a sociedade a certas dicotomias (rico – pobre, burguês – proletário, bem – mal, moral – imoral, etc.) e partir delas indiscriminadamente para então pensar a vida e a sociedade, e é aí que se opera a construção de uma hegemonia. A maior parte dos professores que estão na sala de aula, desde a educação mais básica até o ensino dito ‘superior’, consciente ou inconscientemente, talvez fruto da educação que eles próprios receberam, transmite essa mesma esquemática de mundo aos alunos. Então da educação ela cria raízes e chega aos mais diversos pontos da nossa sociedade, como a mídia, e o processo se retroalimenta ativamente ou por inércia. Um exemplo disso é o sucesso da ideia de soma-zero, na interpretação de economia de mercado que faz o senso comum, fruto direto destas dicotomias. É a escola que “educa para a cidadania”, só esquecem de dizer a que tipo de cidadania se referem e a que interesses ela serve.
Se habitua a massa ao pensamento dicotômico para que toda e qualquer apreensão do cotidiano feito por ela passe a identificar opressores e oprimidos em todas as relações humanas, seja entre pai e filho, seja entre patrão e empregado e assim contribuir para o “acirramento das contradições”, e siga-se então uma condenação a tudo que se identifique pertencer ao lado opressor (aqui se encaixa o “politicamente correto”, por exemplo) e se automatiza esse método, tornando ele quase natural e fazendo com que todos aqueles que se oponham a ele se tornem colaboradores do mal. “Se você não é parte da solução, é parte do problema”. Entendeu? Simples assim. Complexificar é relativismo.
A “marcha gramsciana”, por vezes, parece muito com uma espécie de teoria da conspiração, porém se torna difícil não dar à ideia algum crédito quando nos esforçamos para nos desvencilharmos dessas amarras ideológicas e realmente colocar em perspectiva as situações que nos perpassam. Não consigo identificar um início provável para o processo, mas que os indícios de sua existência existem, existem. É como a história das bruxas, que las hay, las hay.
Ainda sobre a politização do cotidiano, a esquerda compreendeu há tempos que toda e qualquer situação é palco de atuação política em potencial, uma espécie de palanque político, e é neste sentido que há a ocupação de espaço massiva de seus agentes. Que palanque há mais frutífero que as mentes dos jovens? Mais uma vez, não acredito numa interpretação maquiavélica desse processo, onde um comando central tem poder tamanho para dominar a tudo a todos (como O Um Anel de Sauron), mas há sim um comprometimento pessoal por parte de muitos que conscientemente operam construindo essa hegemonia, e os resultados dessa proatividade se encontram no processo de retroalimentação. Resultando numa quimera, nascida há muito, para a qual estamos olhando hoje.
Vinícius Motta é acadêmico de História da UFSM, e escreve para o site do Clube Farroupilha.
As informações, alegações e opiniões emitidas no site do Clube Farroupilha vinculam-se tão somente a seus autores.