LIBERDADE DE EXPRESSÃO, E OS HERÓIS QUE SE PEGAM

Se você clicou nessa postagem, você provavelmente já sabe o que me motivou a escrever esse pequeno texto sobre liberdade de expressão, mas, caso você viva em uma bolha, ou em algum lugar no futuro, cabe a mim explicar o porquê desse pequeno texto.

No dia 6 de setembro de 2019, no Rio de Janeiro, num evento chamado “Bienal do Livro”, após o prefeito da cidade na data, Marcelo Crivella, ficar sabendo que, em algum estande de revistas em quadrinhos do tal evento, uma revistinha da Marvel Comics retratava um beijo romântico entre dois rapazes, mandou a polícia ir até o local e apreender (leia-se roubar), os tais gibis, a decisão seria baseada     nos artigos 78 e 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), já que por lei, as embalagens deveriam estar seladas e conter informações sobre o conteúdo supostamente impróprio na embalagem.

 

Art. 78.  As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.

Parágrafo único.  As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.

Art. 79.  As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.

 

Diante de tal fato, o movimento LGBT+, entrou em polvorosa, redes sociais e a mídia tradicional, todos consideraram esse ato uma afronta, uma censura, um disparate sem tamanho, até fizeram um lindo manifesto, que aparentemente, foi assinado por mais de 70 escritores que participaram da Bienal. Estaríamos vivenciando a volta da ditadura? A direita fascista finalmente começou a por em prática o plano de subjugação das minorias que tanto se falava na época da eleição?

Claro que não, a ação é resultado de apenas mais uma das facetas da bagunça que é o nosso sistema jurídico e a nossa constituição, que mostra, mais uma vez, que não garante direito nenhum a liberdade de expressão. Mas como assim? O artigo 5º da constituição, item V, não garante essa tal liberdade?

E a resposta é de novo: Não, a nossa constituição não garante nem um pingo de liberdade de expressão. Tomemos como exemplo a constituição americana, provavelmente a melhor representação do liberalismo clássico, servindo em tese, apenas como a garantia dos direitos naturais dos seres humanos, “Vida, Propriedade e Liberdade”, como dizia o finado John Locke. Embora muito dos direitos originais que a constituição americana deveria garantir, já tenham sido quase tão relativizados que ela quase nem tem mais o propósito liberal original, mas mesmo assim a primeira emenda americana ainda é o melhor exemplo de liberdade de expressão completa na atualidade, e, para fins de comparação, vou usar ela como “padrão do mundo real o mais próximo do ideal ético”. Bom, vamos aos textos, que eles falam por si mesmos:

“Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.

The 1st amendment

“O congresso não fará leis a respeito do estabelecimento de religiões, ou proibindo o livre exercício do mesmo; incluindo a liberdade de expressão, ou de imprensa;[…].”

Na constituição americana, é vetado ao congresso o direito de sequer tentar mexer no direito a liberdade de expressão, sendo esse um dos motivos de que tanto grupos LGBT, quanto grupos racistas, comediantes, políticos, pessoas físicas, etc. Dispõem de tanta liberdade de discurso nos USA. O direito de ofender e ser ofendido, de publicar o que for, de se expressar como quiser, é garantido pela lei. O estado não pode agredir, sob hipótese alguma, alguém que diz algo considerado completamente imoral, polêmico, ou o que quer que seja. As exceções são ameaças claras de violência a outro indivíduo ou grupos (Gritar fogo num teatro lotado quando não há fogo, e coisas do tipo também são proibidas, obviamente).

Já no texto brasileiro, da constituição de 88, lê-se:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; […] V – é livre a expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais;

A diferença é clara e simples, enquanto na constituição estadunidense, o congresso não pode legislar sobre o conteúdo do discurso pacífico, na brasileira são colocados “termos de uso” para a liberdade, o tal direito, assim, acaba sendo relativizado e perdido no meio de tantos termos vagos e sujeitos a interpretação individual, “honra” “dignidade” “discriminação”, são concepções subjetivas que e acabam servindo apenas para dar mais poder aos juízes e procuradores, de decidir o que eles entendem que cabe na lei, e dá direito para os legisladores legislar sobre os tais termos em que o discurso pacífico é permitido ou não.

Com isso voltamos a questão da censura no Rio, que acabou indo para os Tribunais de Justiça, que entenderam que o prefeito sim tinha razão ao recolher os gibis, e depois para o Supremo, que decidiu que não, vai e vem e vem e volta, mais uma prova da subjetividade da lei e de quanto poder o judiciário detêm a nível nacional. A subjetividade no que diz questão a termos vagos e mal definidos usados na lei, como “honra” na constituição, “valores éticos e sociais da pessoa e da família” no ECA, dão abertura para arbitrariedades em todos os poderes.

Já que tudo é subjetivo, digo eu, como (ultra)liberal, que pouco me importa o que os tais Tribunais decidem sobre um assunto tão simples e básico quanto um beijo gay, se a constituição fosse coerente com a máxima de que “todos são iguais perante a lei”, gibis e personagens fictícios mais ainda, se um beijo hétero entre adolescentes nunca seria censurado por “apologia a sexualidade infantil” ou coisa do gênero, é óbvio que um beijo gay não deve ser censurado, ou que a lei seja posta em vigor com toda a força da mesma, lacrem todo tipo de revista que retrata beijos românticos entre seja quais forem os personagens, mas é claro que isso nunca aconteceria, não é mesmo? O estado é fascista e homofóbico – é o que diria o ativista LGBT ou qualquer socialista fabiano da esquerda – e, nesse caso específico, eu diria até que o tal ativista tem razão, Crivella realmente defende uma moralidade mais conservadora, um conceito mais clássico do que é uma “família normal”, mas o motivo da censura, não é tão problemático quanto o poder que nossos governantes tem, de censurar com base em seus valores particulares, o que lhes desagrada ou ofende, que tanto do lado da esquerda, quanto da direita, existem inúmeros “projetos” de ditador, prontos para impedir que qualquer ideia contrária a própria agenda política seja calada a força, sendo o mais recente exemplo do lado canhoto, a criminalização da homofobia, que sem dúvidas é um atentado ao direito de livre expressão.

As dois lados do jogo político socialista, apenas são contra a censura quando a censura não os convém. Quando a suposta “família tradicional e os bons costumes”, seja lá o que isso signifique, estão em aparente perigo, lá vão os neoconservadores, defender que o dissonante seja calado, por ofender a honra, por colocar as crianças em risco, ou seja lá qual o motivo dessa vez, e quando, um indivíduo ofende, faz piadas de mal gosto, ou é muito ofensivo, lá vão os supostos defensores dos direitos das minorias (que não defendem minorias coisa nenhuma, já que, como a famosa escritora de ficção Ayn Rand diz “a menor minoria é o indivíduo”), pedirem mais censura ao discurso público, que prendam a quem me ofendeu, pois, obviamente, a grandíssima honra deve ter sido ferida pelo discurso odioso.

O pivô de toda essa degradação dos direitos naturais, como sempre, é o estado com suas leis relativistas ao direito natural de propriedade, ao punir indivíduos pacíficos, que apenas estão dando a sua opinião, e fomentando o discurso público, acaba por causar conflitos reais, danos reais a propriedade, crimes, por definição. Tudo por conta de um pedaço de lei, que ao ser mal escrito, gera arbitrariedades na sua aplicação e conflitos em sua suposta resolução. Resumindo, o estado, ao punir um crime sem vítimas, acaba gerando vítimas.

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