Dilma Roussef foi salva pelo impeachment. Não tenho dúvidas que se o mandato da presidente tivesse se completado ela sairia reconhecida como a pior presidente da história do Brasil. No entanto, a narrativa do golpe, aparentemente, a transformou de incompetente em uma injustiçada heroína e defensora do estado democrático de direito.
O suposto golpe fez com que muitos tenham esquecido o que Dilma Roussef fez em pouco mais de 5 anos de governo. Podemos dizer, sem exageros, que nunca um presidente herdou um país tão arrumado como Dilma Roussef. Da República, para cá, ninguém tinha pego um país crescendo à 7,6%, com a inflação relativamente controlada, o endividamento público em uma trajetória controlável, a taxa de câmbio valorizada, as exportações em alta e o país em uma trajetória de quase pleno emprego. Ou seja, bastava a presidente fazer as reformas necessárias e deixar o país livre que o desenvolvimento tenderia a se perpetuar.
Mas Dilma Roussef, além de não fazer reforma alguma, resolveu intervir fortemente em todos os setores. Assim, dobrou a meta na política econômica do governo Lula, criou a inesquecível Nova Matriz Econômica, o desemprego quadruplicou, a inflação dobrou, o endividamento explodiu, o câmbio megadesvalorizou e a economia despencou de um crescimento chinês para uma depressão econômica, até então nunca vista na história brasileira.
E ficamos assim: Michel Temer recebe o país como todos receberam, ou seja, absolutamente desarrumado e com desafios de todos os matizes. Terá que resolver problemas de curto prazo e encarar reformas de médio e longo prazo, ou seja, uma agenda enorme, um verdadeiro presente de grego de Dilma Roussef. Mas o que é possível fazer? Qual é o caminho para Michel Temer?
O principal problema de curto prazo e que afeta diretamente a variável que o brasileiro mais se preocupa, a inflação, é o crescente e quase inercial crescimento da dívida pública. Nessas situações o governo possui dois caminhos para realizar o ajuste fiscal. Um é jogando a conta para a população pagar, ou seja, aumentando os impostos. O outro (que é o melhor, mas o menos desejado por políticos) é fazer o dever de casa e cortar na carne realizando uma severa contenção de gastos públicos.
E um país com renda per capta baixa, impostos altos e de abrangência majoritária sobre o consumo, aumentar impostos significa afetar diretamente a atividade econômica, ou seja, a tendência é que o aumento de impostos acarrete em perda na capacidade de consumo e de investimento, o que acaba gerando um efeito contrário ao que o governo deseja.
Só isso já demonstraria qual é o caminho mais correto para a equipe econômica do governo Temer trilhar: um forte e severo corte nas despesas do governo e nas decisões de gasto e investimento públicos.
No entanto, além de possibilitar a solução de curto prazo para o endividamento do país, cortar gastos passa por repensar todas as prioridades do governo e da intervenção deste na atividade econômica. Portanto, o corte de gasto pode significar (se bem explicado para a população) um recomeço para a participação do Estado na economia e, assim, nos sinais que este envia aos agentes financeiros e suas decisões de investimento futuro.
O caminho passa também por essa sinalização aos agentes de que o governo está ajustando a curto prazo e realizando as reformas políticas de médio e longo prazo associadas a uma menor participação do Estado na economia, o que possibilita mais liberdade para empreender e, assim, gerar investimento e renda para a economia brasileira.
Além disso, a diminuição contínua e perseverante do gasto público possibilitaria pavimentar um caminho para redução dos impostos. Menos impostos significa mais recursos nas mãos do brasileiro e, assim, maior capacidade de consumir e poupar. Aumentos constantes na taxa de poupança interna significam reduções gradativas e sustentáveis nas taxas de juros. Com os juros em queda (devido ao aumento da poupança) os investimentos tendem a crescer, assim como a geração de emprego e renda. A atividade econômica tenda a aquecer e se espalhar pelos demais setores (varejo e serviços) que também começam a experimentar aumentos na geração de emprego e renda. O ciclo de desenvolvimento econômico começa a se perpetuar.
O corte de gastos públicos também propicia a concretização de uma política monetária mais austera, haja visto que o Banco Central não precisa ficar “enxugando” o excesso de dívida pública no open market (o que diminui o crescimento artificial na quantidade de moeda circulando na economia). Se a quantidade de moeda que circula na economia é menor, a inflação de preços tende a cair e a concentração de renda a diminuir. Com essa política monetária mais austera a taxa de câmbio tende a se valorizar o que beneficia as importações e os investimentos em capital estrangeiro. Esse movimento possibilitaria a renovação do parque industrial em setores importantes e abriria as portas para Temer desfazer o protecionismo na economia brasileira, abrindo-a para o comércio internacional e as vantagens comparativas inerentes ao mesmo.
Tudo isso tende a aumentar a produção, o emprego e a renda sem gerar inflação de consumo, afinal, a moeda brasileira estaria mais forte e a produção aquecida.
Essa é uma pequena e resumida explicação do que é o ciclo de crescimento econômico alicerçado em uma política de baixo e limitado gasto público. Esse deveria ser o caminho a percorrer por Temer: a diminuição da intervenção do Estado na atividade econômica, o fomento à poupança das famílias e a acumulação de capital dos investidores.
Dilma Roussef desconhece tais preceitos. Com toda a incompetência que lhe cerca, a ex-presidente acredita justamente no contrário, ou seja, que é o aumento no gasto público e no endividamento que gera o ciclo de desenvolvimento econômico descrito nos parágrafos acima.
A pergunta que fica é: em que o atual presidente e a sua equipe econômica acreditam? Sinceramente, eu não sei. Mas desconfio que passa longe do ciclo aqui explicado.
Esse receituário retira dos políticos o protagonismo sobre a atividade econômica e sobre as nossas vidas e isso é tudo que eles não desejam. O intuito, geralmente, é que pensemos que devemos a eles tudo o que temos. Que o país precisa fortemente de políticos para que cresça e se desenvolva. E nada é mais mentiroso que isso! O Estado são eles, os parasitas também. Quem gera riqueza somos nós. Se um país cresce, isso ocorre pelo seu povo e não por seus políticos.
E é por isso que eu creio pouco (muito pouco) que o receituário econômico aqui explicado será posto em prática. Isso mostraria à população que não dependemos de políticos para crescer e se desenvolver. E a política – como bem demonstrou para nós toda essa enganação por trás da narrativa do golpe e da imagem de democrata da ex-presidente Dilma Roussef – é a arte da aparência e da enganação.
Enquanto essa mentalidade continuar preponderante na maioria das mentes e corações brasileiros o Brasil não terá a menor chance de dar certo, os políticos continuarão gastando o que não é deles, se apropriando do que não conquistaram e se esquivando da responsabilidade de expor um país inteiro ao caos e a pobreza econômica. A estupidez, como bem dizia Roberto Campos, continua a ter um passado glorioso e um futuro promissor no Brasil. O futuro, com ou sem Dilma, continua preocupante.
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Felipe Rosa é professor do Mestrado em Economia do Centro de Estudos Superiores Manuel Ayau (Madrid/ESP)