Uma ação de cartel, se ela for voluntária, não pode agredir a liberdade de competição e, se ela se provar rentável, ela beneficia em vez de prejudicar os consumidores.[1]

Um dos argumentos mais difundidos pela mainstream economics reside nas inerentes falhas de mercado que justificam – teoricamente – a regulação e/ou intervenção econômica. Segundo tal corrente, uma economia de mercado livre caminha sempre em direção a concentração de mercado ou a formação de cartéis. Logo, hipoteticamente, esse modelo de competição livre é altamente ineficiente para os consumidores e, portanto, para a economia como um todo, tornando a intervenção regulatória uma necessidade para que se evite a formação de conluios comerciais.

Um dos fatores que tornam a Escola Austríaca uma corrente de pensamento intrigante são os seus postulados sobre axiomas econômicos aparentemente invulneráveis. Ao se analisar o argumento exposto acima sob a ótica austríaca, os mesmos revelam deturpações preocupantes sobre o funcionamento de uma economia de mercado capitalista. A principal característica do livre mercado reside no fato deste ser composto unicamente de trocas voluntárias, essa é uma premissa inquestionável e que recorrentemente é esquecida nas análises econômicas. O que decorrerá nas próximas linhas necessariamente precisa partir desse postulado – as trocas no livre mercado são sempre voluntárias!

Logo, no livre mercado não existem barreiras legais que impeçam empresas, comerciantes ou fabricantes de unirem-se voluntariamente na oferta de serviços ou produtos para os consumidores. Tampouco, essa estrutura competitiva é necessariamente prejudicial ao consumidor. O fato das empresas (independente do seu tamanho) concentrarem-se como únicas ofertantes de um determinado setor, não lhes garantem proteção a entrada de novos concorrentes e, tampouco, lhes asseguram a certeza de que ao oferecer produtos de qualidade inferior a preços maiores, as mesmas continuarão obtendo a mesma demanda por seus produtos antes da formação do cartel.

Nessa situação concorrencial, os consumidores possuem a soberania de escolher se desejam comprar os mesmos produtos a preços mais altos ou se preferem migrar para bens ou serviços substitutos. O que se verifica é que no livre mercado as empresas concorrem com outras que ofertam produtos idênticos ou substitutos, logo, o consumidor tem sempre o direito inalienável da escolha.[2]

O mercado de combustíveis, por exemplo, é sempre acusado de cartelização. Porém, se ao formar conluios os postos de gasolina ofertarem serviços piores a preços maiores, nada impedirá o consumidor de migrar para outros meios de transporte. Se os mesmos não o fizerem é porque o cartel não está sendo perverso para os demandantes de combustível. Ademais, nada impede – caso as receitas sejam realmente altas – que algum outro produtor adentre o mercado e oferte produtos ou serviços mais baratos e eficientes, assim como, nenhum participante do cartel está impedido de abandoná-lo para ofertar solitariamente seu produto. Em todos os casos o consumidor continuará soberano.

Portanto, para a Escola Austríaca a formação de cartéis voluntários é um direito dos comerciantes, empresários e fabricantes. Ao entrarem em conluios, estes provavelmente vislumbram receitas maiores e ganhos de mercado. O que os austríacos enfatizam, é que isso não significa que os mesmos poderão romper com as leis econômicas da oferta e demanda no livre mercado. Logo, não há imoralidade alguma na formação de cartéis voluntários, tampouco, estes geram resultados nefastos aos consumidores.

Em síntese:   

[…] se os consumidores realmente se opusessem às ações de cartel por acreditar que as trocas resultantes delas fossem prejudiciais, eles poderiam boicotar os cartéis de forma a tornar a curva de demanda de seus produtos elástica, ou seja, sensível aos preços de mercado. Ninguém é obrigado a consumir determinados produtos e há um preço em que certamente é preferível abdicar do consumo ou procurar substitutos. Claro que os consumidores sempre preferem um preço menor. […]: isso quer dizer que o preço ideal é zero, ou perto de zero, para todos os bens pois isso representaria o mais elevado grau de sacrifício dos produtores aos desejos dos consumidores? Enquanto consumidor, todos preferem sempre o menor preço para suas compras; e enquanto produtor, todos preferem o maior preço para suas vendas. Existem apenas duas formas de resolver esse dilema: pelo livre mercado em que os preços são determinados livremente pelos indivíduos; ou pela intervenção violenta no mercado, ignorando os direitos de propriedade.[3]

Logo, o único tipo de cartel que é sempre maléfico por romper com a estrutura de produção e mercado capitalista é o institucional, ou seja, aquele cartel protegido pelo governo da concorrência intensa e ameaçadora típica do livre mercado desregulamentado. Essa forma de conluio retira a principal força do consumidor, furtando-lhe o direito de escolha – a sua soberania.

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Felipe Rosa é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento (PPGE&D) da UFSM. Escreve as quintas para o site do Clube Farroupilha.
As informações, alegações e opiniões emitidas no site do Clube Farroupilha vinculam-se tão somente a seus autores.
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[1] ROTHBARD (1970 apud CONSTANTINO, 2009, p. 112.)

[2] Nesse sentido, ver: MISES, 1990, 412-463, passim.

[3] CONSTANTINO, 2009, p. 112, grifo do autor.

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