Após 16 anos de governança da chanceler, alemães se vêm órfãos na busca de um novo representante à altura
No último domingo (26/09), os alemães marcaram nas urnas suas decisões para compor um novo parlamento. A exemplo de muitos outros países nos últimos tempos, como EUA e Brasil, estas também foram classificadas uma das eleições “mais divididas da história” alemã. Mas diferente dos outros países, não se pode dizer que ela foi polarizada.
E não sem razão: após 16 anos na governança do país, a Chanceler Angela Merkel decidiu se aposentar do cargo, deixando uma nação, por assim dizer, órfão, mas com desejo de continuidade dos rumos políticos tomados.
Uma eleição de dúvidas paira no ar. Em algumas semanas, o parlamento deve eleger um novo Primeiro-ministro para o país, que assume a liderança de um bonde europeu em altíssima velocidade em direção a um futuro difícil de antever. Dois são os candidatos que permanecem na corda bamba da incerteza, o conservador Armin Laschet e o social-democrata Olaf Scholz.
Enquanto as coligações se voltam para decidir o futuro representante do país-líder da União Europeia, muitas perguntas ecoam em aberto pelo Bundestag. O sucessor de Merkel conseguirá liderar com a mesma aprovação que ela? Veremos muitas mudanças nas políticas de governo? Um futuro de liberdade aguarda a Alemanha? Você descobre tudo isso no artigo.
Como toda república parlamentarista, os alemães ao votar em seus candidatos não escolhem diretamente quem se sentará na cadeira de chanceler pelos próximos quatro anos. Os eleitores não votam, portanto, diretamente em seu candidato para a posição, mas em um deputado de sua preferência e em um partido que se familiarize.
A grande escolha fica a cargo dos 735 deputados do Bundestag (parlamento alemão), que devem decidir por maioria absoluta quem ocupará o cargo de primeiro-ministro. Para que isso ocorra, os partidos com mais cadeiras no parlamento devem se juntar estrategicamente a outros para garantir maioria, trocar cargos e conseguir governar sem dificuldade.
O SPD, grande vencedor das eleições com 25,7% dos votos, só conseguiria governar se outro partido se unisse à legenda. Dessa maneira, se o CDU (24,1%) conseguir uma união com o FDP, 11,5%, e o Grüne, 14,8%, sairá como líder da Bundestag, o parlamento alemão.
No cenário atual existem duas coligações possíveis para se conseguir eleger o seu candidato. A “Coligação-Jamaica”, formada pelo Grüne (verde), FDP (amarelo) e CDU (preto), e a “Coligação-Semáforo”, formado pelos dois primeiros mais o SPD (vermelho). Os liberais e os verdes já declaram sua união e serão decisivos para a legenda a quem se associarem.
Desde 1949, das dezenas de partidos existentes, dois têm protagonizado na política germânica: a Union (formado pelo CDU, o partido democrata cristão, e a ala bávara do partido, o CSU) e o SPD (o partido social-democrata). Se alternando no poder com diferentes legendas, os dois maiores partidos haviam colocado a gangorra em equilíbrio e se uniram em 2005, ao eleger a jovem política e “centrista-radical” Angela Merkel.
Hoje o cenário é diferente, e os partidos voltam mais uma vez a se enfrentar como oposição. Armin Laschet representa o CDU, partido de Merkel, com um discurso mais conservador, enquanto Olaf Scholz, ministro de finanças do último governo, defende o SPD com uma ideologia social-democrata e é o preferido pela população para continuar na trilha de Merkel.
Mas como dito, embora estas sejam as eleições mais divididas da história alemã, elas não podem ser classificadas como polarizadas. Se por um lado, um muro divide os eleitores praticamente na metade entre conservadores e sociais-democratas, o sucessor de Angela Merkel deve tentar fazer um “5º mandato” do atual governo. Sem grandes mudanças, por que essa escolha é tão importante para o país? O que defendem os dois principais candidatos? E quem deverá ser o novo chanceler da Alemanha?
Uma coisa une os dois partidos antagonistas, o centrismo de seus posicionamentos. Não por acaso, ambos governaram lado a lado desde 2005. Sua oposição é muita mais histórica e menos ideológica. Por que, então, escolher entre Laschet e Scholz continua sendo tão difícil? A resposta é: nenhum dos dois seria o candidato ideal para o momento. “A pessoas se decidiram contra o status quo”, afirmou o candidato do FDP e cientista político, Christian Lindner. “Algo novo deve se desenvolver na Alemanha”.
Os alemães não são, por definição, um povo revolucionário. “No geral, o eleitorado alemão não parece estar com muito apetite para alterações radicais”, explica Sabine Kinkartz. “Apenas um terço dos entrevistados afirmou querer mudanças fundamentais da política”. Isso nos leva a crer que a Alemanha caminha muito mais para um 5º mandato não declarado de Merkel, com mudanças tímidas, que uma guinada política. O medo paira nas relações do país com o resto da EU – é uma dúvida latente se o sucessor da chanceler conseguirá ter tanto apoio e popularidade dentro do bloco como ela.
As principais diferenças entre os dois partidos se dão nos campos econômicos. O CDU defende uma política de austeridade econômica, redução de burocracias, não aumento dos impostos e sem taxação sobre grandes fortunas. Já o SPD busca mudanças baseadas no estado de bem-estar social, como aumento do salário-mínimo de € 9,50 por hora para € 12, expansão no uso de crédito para financiar o governo, direito legal a 24 dias por ano de home office e a taxação progressiva e de grandes fortunas.
Há ainda outras diferenças pontuais entre os dois partidos. O SPD nos temas de ecologia se volta aos posicionamentos de esquerda, investindo no uso de energias renováveis e impondo limites de velocidade às autobahns para diminuir a emissão de CO2. O CDU, em contrapartida, defende ainda o uso de energias nucleares e pensa nas mudanças para um país limpo, com menos emissões de poluentes, de formas graduais.
Como muito bem se mostra, aos alemães não apetece grandes mudanças estruturais. Os traumas do pós-guerra e das duas “Alemanhas” ainda assombra a geração dos mais velhos e espreita os mais jovens pelos livros de história. Até hoje, o país não é exatamente unido sob uma mesma bandeira (fora na Copa do Mundo).
Existe, ainda, um futuro de liberdade para o país líder da União Europeia, ou a social-democracia continuara como consenso entre o eleitorado? Isso, só o tempo dirá. Contudo, não se pode negar o crescimento considerável, mesmo que menor em relação aos Verdes, do partido liberal, principalmente entre os mais jovens. Mas isso é tema para um próximo texto. Até lá, vamos esperar pelos resultados das eleições e assistir aos desenrolares de uma Alemanha, depois de mais de uma década, sem Merkel.
https://www.ein-guter-plan-fuer-deutschland.de/
https://www.spd.de/fileadmin/Dokumente/Beschluesse/Programm/SPD-Zukunftsprogramm.pdf
https://de.wikipedia.org/wiki/Ergebnisse_der_Bundestagswahlen
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