Em 1958, o escritor Laurence Read redigiu um artigo intitulado “Eu, o Lápis”, no qual um lápis conta a história de sua fabricação, e a utiliza como argumento para a defesa da liberdade criativa das pessoas. Posteriormente, em 1980, o economista Milton Friedman produziu o famoso documentário “Free to Choose”. Em determinado trecho, Friedman demonstra como a simples existência de um lápis (e, de certa forma, toda a cooperação social do mundo) só é possível graças ao sistema de preços e a um elevado grau de especialização do trabalho. Quase 50 anos após a publicação de Read, ainda me parece que um lápis – por ser um objeto tão barato e aparentemente simples – é a melhor maneira de demonstrar a importância das liberdades individuais e do livre-mercado, e é com esse propósito que escrevo este ensaio.
Quando nós nos especializamos, isto é, passamos a gastar a maior parte de nossas energias e do nosso tempo fazendo uma única tarefa, gradativamente nos tornamos mais produtivos, pois aumentamos a nossa habilidade, velocidade, técnica e conhecimento no trabalho que estamos fazendo.
Para compreendermos como a aplicação do princípio da especialização do trabalho é importante e aumenta a produtividade e a geração de riqueza, basta analisarmos o seguinte fato: sem o trabalho especializado e as trocas comerciais, os carros, celulares, relógios, prédios, livros, pianos e quase todos os outros bens de consumo jamais poderiam ser feitos. São produtos provenientes do trabalho especializado de inúmeros indivíduos, e é extremamente difícil uma única pessoa, sozinha, ser capaz de fazer qualquer um deles.
Mas algumas coisas não aparentam ser tão complicadas de serem feitas, quando na verdade o são. Existe um objeto que é pequeno, barato, comum, cabe no bolso e é usado várias vezes no dia a dia. De tão simplório que é um lápis, ele não recebe muita atenção por parte da maioria das pessoas. Todavia a construção desse objeto é de uma complexidade enorme. Quantas pessoas você acha que são necessárias para fabricar um lápis hexagonal de tamanho normal e com uma borracha na ponta?
Imaginemos os materiais existentes em uma única unidade. Um madeireiro cortou um pinheiro de uma floresta canadense. A árvore foi transportada em um caminhão até uma serraria, onde foi cortada em tábuas finas. Depois a madeira foi secada, tingida com corantes para ficar rosada e ganhou camadas de gordura para ficar mais macia. O grafite foi extraído na China, e transportado até a fábrica do lápis nos EUA. Lá, ele foi misturado com barro seco e água e comprimido e aquecido a altas temperaturas até virar um cilindro. A borracha é proveniente de uma árvore seringueira na Malásia. A pequena peça de metal que envolve a borracha é formada por latão, uma liga de alumínio, zinco e cobre. Esses elementos foram extraídos, respectivamente, no Brasil, na Austrália e no Chile, e tiveram que ser transportados e refinados. Mas mesmo que uma pessoa tivesse, na sua frente, toda a matéria prima para fazer um lápis, ainda assim ela não conseguiria produzi-lo. Nessa fábrica dos EUA, uma máquina cortou a madeira e os outros materiais no tamanho adequado, e uma prensa com cola unificou todas as partes do lápis. Mas mesmo com todas as peças unidas, o lápis teve que ser lixado, mergulhado em verniz e secado logo em seguida. A pintura foi feita com um jato de spray. Todavia antes de ficar disponível em uma papelaria, uma máquina apontou o lápis, uma prensa de metal quente colocou o nome do fabricante e uma empresa de transporte levou o lápis até uma loja. Quantas pessoas será que já participaram da produção de um lápis? Centenas?
O madeireiro não cortou a árvore com um machado, mas sim com uma serra elétrica, que não foi ele quem fabricou. Para fazer a serra é necessário aço, e para fazer aço é preciso minério de ferro. Esse madeireiro utiliza óculos de produção e é auxiliado por cordas e outras ferramentas, que não foi ele quem produziu. Os mineiros chineses, brasileiros, australianos e chilenos obviamente não mineram com suas próprias mãos, mas sim com ferramentas e máquinas. Para fazer a tinta e a cola do lápis, foi necessário extrair inúmeras matérias-primas, e depois realizar diversos processos químicos com as mesmas.
Como o lápis tem peças de diversas partes do mundo, existe toda uma logística de transporte, e todos os envolvidos nela também estão indiretamente envolvidos na produção do lápis. Os materiais foram transportados em caminhões, trens e navios. E existem todos os operários necessários e realizar a manutenção das estradas, das ferrovias e dos estaleiros. Um sem número de pessoas foi necessário para fabricar os veículos de transporte utilizados. E para esses veículos funcionarem, é preciso gasolina, e logo temos toda uma cadeia de produção desde a extração do petróleo, refino, distribuição e o consumo final que envolvem diversos indivíduos.
Na produção do lápis estão inclusos os empreendedores que tomaram as decisões administrativas, alocaram os recursos e arriscaram o seu capital, os bancos que emprestaram dinheiro para vários empreendimentos, o arquiteto que projetou o lápis, os departamentos de marketing que elaborou as propagandas das empresas, os engenheiros que projetaram as máquinas e ferramentas, os operários que construíram todas as instalações fabris, os químicos que supervisionaram os processos de refinamento e os inventores que, em suas mentes, conceberam as serras elétricas, os caminhões ou o aço. Para todas as máquinas funcionarem, é preciso energia elétrica, e consequentemente contribuíram para produzir o lápis todos aqueles envolvidos na construção e operação de diversas usinas de energia.
Todas as pessoas já mencionadas não fabricam seu próprio alimento, mas sim o compram no mercado ou comem em restaurantes e refeitórios. Na produção do lápis, portanto, estão envolvidos todos os agricultores, fabricantes de tratores e fertilizantes, cozinheiros, donos de restaurantes, garçonetes, lavadores de pratos, etc.
É praticamente impossível determinar com precisão quantos indivíduos são necessárias para fazer um lápis. Mas é possível afirmar com segurança que, da extração da matéria-prima até a venda final, milhões de pessoas participaram direta e indiretamente da produção de uma única unidade.
Todos os envolvidos estavam trabalhando com um alto grau de especialização do trabalho. É graças à aplicação desse princípio que um cidadão de classe média, trabalhando apenas uma hora, ganha dinheiro suficiente para comprar todos os lápis que necessitará em um ano. Enquanto que uma pessoa qualquer poderia passa a vida inteira tentando fazer sozinha um lápis e não conseguiria, e mesmo que conseguisse seria um lápis bem ruim em comparação a qualquer um que se encontra disponível à venda.
Todavia, a história da produção de um lápis não mostra apenas a importância da especialização do trabalho. Ela evidencia o fato de que o livre mercado é uma rede gigantesca que só funciona por causa do sistema de preços livres não regulamentados. Diariamente ocorrem bilhões de trocas comerciais voluntárias de bens privados. É impossível que um indivíduo sozinho, ou mesmo um grupo de pessoas, tenha a informação necessária para saber como conduzir a economia, o que deve ser produzido, como, em que quantidade e para quem, pois o mercado é demasiado complexo e gigantesco. Por isso a melhor maneira de alocar os recursos escassos não é nem jamais será o governo e seus planos para estimular a economia, ou grupos de interesse querendo que sejam criadas leis e regulamentações com a alegação de “fins sociais”.
A melhor maneira dos recursos escassos serem alocados é por meio do livre-mercado. A partir do momento em que todos são livres para produzir o que quiserem e comercializar com quem quiserem, e que não existe quase nenhuma regulamentação nos negócios, o jogo dinâmico entre os produtores e consumidores, garantido pela livre oferta, demanda, concorrência, preços e lucros, garante que os recursos sejam direcionados de maneira correta. Preços funcionam como indicadores. Lucros altos dizem para os agentes de mercado “isso deve ser produzido”, enquanto que preços baixos fazem o contrário.
Não é necessária nenhuma ordem do governo para que um produto importante seja feito. É a espontaneidade dos indivíduos, a recompensa financeira pelo atendimento de uma demanda do mercado e o benefício mútuo das trocas que garantem que milhares de lápis sejam produzidos todos os dias.
O mercado não é algo estático, mas sim um mecanismo em constante mudança. A oferta e a demanda de hoje não é mais a mesma de ontem. A todo o momento ocorrem eventos inesperados e surgem novos produtos, novas empresas, novas técnicas de produção, novos serviços, novas máquinas, novas tecnologias e novas necessidades. Os produtores e empreendedores mais eficientes prosperam, e os mais ineficazes saem do jogo. Nós não vemos claramente como as coisas se transformam na economia. Mas temos a certeza de que o livre-mercado se ajusta constantemente e naturalmente, sem serem necessárias regulamentações. Ou em outras palavras, é a mão-invisível do mercado. Cada indivíduo tem um conjunto limitado de informações, porém sabe o que é melhor para si, e ao agir visando apenas seus próprios interesses, contribui para o aumento do comércio e da cooperação mundial.
Digamos que em um país repentinamente ocorra uma grave escassez de lápis, e em pouco tempo o preço do produto aumente dez vezes. Esse preço mais alto gera uma enorme reação em cadeia e funciona como um alerta para todo o mercado. As fábricas de lápis aproveitam o preço elevado para aumentar a produção, e consequentemente o madeireiro corta mais árvores, o seringueiro extrai látex de mais árvores e as minas de grafite contratam mais mineiros. Na papelaria, a mãe compra poucos lápis para o filho que está entrando no colégio. Os supermercados aumentam as importações de lápis produzidos em outros países. Para pintar seus desenhos, as crianças começam a utilizar mais giz do que lápis de cor. Em todo o país, as pessoas substituem o lápis pela caneta, e o bloco de notas de papel pelo bloco de notas do celular. Em pouco tempo, a diminuição da demanda e o aumento da oferta transforma a escassez em abundância, e o preço do lápis fica equilibrado novamente. Não foi necessário nenhum economista ou político com planos econômicos mirabolantes como subsidiar os produtores de lápis, tabelar os preços ou abrir uma estatal do governo fabricante do produto. Graças à oferta e à demanda, os recursos escassos foram direcionados para o atendimento de uma grande demanda, e o livre-mercado trouxe um preço equilibrado novamente, num processo invisível e natural. Como o economista Henry Hazzlit bem destacou:
“O sistema da iniciativa privada poderia, então, ser comparado a milhares de máquinas, cada uma dirigida por seu próprio regulador quase automático, mas com todas elas e seus reguladores interligados e influenciando umas às outras de modo a operarem, realmente, como uma só grande máquina.”
Ou então, finalizando com o economista Friedrich Hayek:
“O sistema de preços tem como verdadeiro papel transmitir informação. É maravilhoso como, em um caso de escassez de um determinado bem, sem que ninguém tenha que dar uma ordem, e talvez com apenas um punhado de indivíduos conhecendo as causas, dezenas de milhares de pessoas cuja identidade não se poderia determinar em meses de pesquisa, começam a utilizar esse material com mais cuidado, ou seja, se movem na direção correta.”