O recorde de prêmios para mulheres, negros e latinos que marcou esta edição não foi o suficiente para cativar o público ou mesmo algumas das estrelas presentes.

Spike Lee, cineasta conhecido pelo seu ativismo, foi um dos que não gostou de The Green Book ter levado Melhor Filme.

      A cerimônia de premiação do Oscar tem perdido popularidade ao longo dos últimos anos. Neste ano, apesar de ter crescido 12% em audiência em relação ao ano anterior — seu pior marco, a festa do cinema parece não ter agradado ninguém. Toda a diversidade que marcou esta edição não foi o suficiente para cativar nem o público ou mesmo algumas das estrelas presentes.

      A diversidade na premiação da Academia entrou forte em pauta em 2016 com a #OscarSoWhite (Oscar Tão Branco): entre os 20 candidatos nas categorias de atuação, todos eram caucasianos (não havia nem mesmo hispânicos ou asiáticos). Mesmo entre filmes com protagonistas negros, os únicos indicados foram artistas brancos. Naquele ano, vários artistas negros de Hollywood boicotaram a cerimônia, Spike Lee (que recebeu o prêmio deste ano de melhor roteiro) e o casal Will e Jada Smith são alguns exemplos. Ainda em 2016, Cheryl Boone Isaacs, presidente da organização — é importante ressaltar, uma mulher negra, declarou-se “frustrada” pela falta de diversidade e, sem especificar, prometeu grandes mudanças na premiação.

      Na edição de 2019, já foi possível notar grandes mudanças: foi o Oscar com maior número de estatuetas levadas por negros e mulheres, sendo 7 e 15. Além disso, o filme que levou o maior prêmio da noite, o de Melhor Filme, foi o The Green Book que baseado em uma história real narra a viagem de um pianista negro com um motorista branco pelo sul dos EUA na época da segregação racial. Esta última escolha, porém, desagradou tanto o público em geral quanto cinéfilos e ativistas pela diversidade na academia.

      Antes mesmo da premiação, a produção e o elenco de The Green Book se envolveram em polêmicas recentes: um tweet de Nick Vallelonga, roteirista do filme, que criticava muçulmanos foi trazido à tona; jornais publicaram que o diretor Peter Farrelly tinha o hábito de mostrar o pênis de brincadeira em 1998, no set de Quem Vai Ficar com Mary?’.

      E ainda, muitos críticos alegam que a escolha do vencedor mostra um “teto de vidro” para o quão inclusivo a academia pretende ser, isto é, aprovam filmes que tratem de racismo desde que não atrapalhe a narrativa do salvador branco, que seria atribuída ao personagem Tony Vallelonga (Viggo Mortensen). Seguiram a tendência de outros filmes que tratam de racismo como: Histórias Cruzadas e Estrelas Além do Tempo, ambos apresentam a figura do Salvador Branco e foram amplamente premiados.

      Para o público comum, e me encaixo neste grupo, ficamos mais uma vez tristes pelo fato do nosso filme favorito não ter levado o prêmio. Se não me falhe a memória, a última vez que um filme realmente popular ganhou foi em 2004: O Retorno do Rei, adaptação do último livro da aclamada trilogia do Senhor dos Anéis levou a estatueta de melhor filme. Além dessa decepção já esperada, a diversidade chamou atenção, embora não de forma inteiramente positiva.

      Em vários discursos e anúncios feitos sobre os vencedores parecia que o gênero, a cor ou origem importavam mais que a excelência do trabalho do premiado. Por exemplo, ao anunciarem as vencedoras Ruth Carter (melhor figurino por Pantera Negra) e Hannah Beechler (direção de arte também por Pantera Negra) a única coisa que foi dita sobre ambas é que eram as primeiras mulheres negras a vencer em suas respectivas categorias. E só. Continuo sem saber nada sobre suas trajetórias ou trabalhos passados. A impressão que fica, embora seja evidente que o Pantera Negra tem um visual impressionante, é que a Academia as premiou como uma forma de expiar injustiças passadas e não pelos seus trabalhos.

      Os discursos de agradecimento de Rami Malek, premiado como melhor ator por Bohemian Rapsody, e de Rayka Zehtabch, cineasta vencedora do prêmio de melhor curta de documentário, também refletem como os rótulos podem reduzir o valor de um bom trabalho. Um gênio do Rock e um curta de garotas indianas proibidas de frequentarem a escola regularmente por serem garotas (isto é, menstruarem) viraram, respectivamente, um mero homem gay e imigrante e um filme sobre menstruação.

      Um bom trabalho deve ser reconhecido, acima de tudo pelo que ele é: um bom trabalho. O fato de ser inclusivo é a cereja do bolo, mas não o que qualifica algo como bom. Sobre essa última edição do Oscar, compartilho da opinião do Gustavo Nogy para a Gazeta do Povo“…preconceitos não podem se intrometer na avaliação de uma obra. Ninguém deve perder por ser negro, mulher, gay, pobre, mexicano. Ninguém deve ganhar por ser negro, mulher, gay, pobre, mexicano.”

Divulgado pela BBC, o gráfico aponta que as mulheres apresentaram uma participação, medida pela proporção de palavras, bem menor do que a dos homens.

      Claro, também é impossível negar que a indústria Hollywoodiana tem seus vícios, no qual filmes premiados costumam ser sobre homens ‘brancos’. Por exemplo, foi o que mostrou o estudo realizado pela Stacy Smith, pesquisadora da USC Annenberg. Smith selecionou os 900 filmes mais populares em 2007–2016, cem a cada ano, e mediu a proporção de mulheres que possuíam falas. O número ficou próximo dos 30% ano a ano. Quanto à participação por trás das câmeras, os números são ainda mais baixos: apenas 3,7% desses filmes foram dirigidos por mulheres.

      Embora esses dados não possam ser generalizados para todos os filmes, podemos nos perguntar: o que deixamos de ganhar com tão pouca diversidade entre os melhores filmes? Podemos estar perdendo boas narrativas, personagens mais complexos e mais diversidade na fórmula que usamos para contar grandes histórias.

      Embora não seja determinante, a origem de um artista pode ter grande influência no tema central que ele decide abordar. Vimos alguns exemplos, o Roma foi fortemente inspirado pela infância de seu diretor, o Afonso Cuarón e o ativismo negro de toda sua vida foi o que levou o Spike Lee a fazer um excelente trabalho em Infiltrados na Klan. Sim, diversidade importa, mas não como um fim. Ela é o meio para que os melhores artistas tenham espaço para darem o melhor de si e nos encantarem com suas histórias.

      A Academia e a Premiação do Oscar não falharam pelos prêmios que atribuem per si — embora, eu tenha gostado mais da espirituosidade em Infiltrado na Klan do que da insipidez em The Green Book. Prêmios tendem a ser falhos por natureza, muitas vezes só é possível perceber o erro anos depois ao notarmos que a influência de uma obra ignorada perdurou por anos ou décadas. O Oscar falhou ao tentar passar uma imagem de diversidade, que não colou para aqueles que buscavam agradar, e ao mesmo tempo, negligenciaram o valor de destacar o mérito de quem chegou lá, apesar de todas as barreiras e dificuldades.

      Se, por um lado, perdemos a chance de conhecer boas histórias graças ao preconceito e a arcaica estrutura de Hollywood, por outro, resumir essas mesmas histórias aos rótulos que elas supostamente representam também nos afasta delas. No fim, foi tentando agradar as minorias meramente através da imagem, que o Oscar desagradou todo mundo.

 

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