Parte II – O impacto das despesas primárias obrigatórias na educação pública
As despesas com educação (incluindo ensino superior) fazem parte de uma área de atuação do Governo Federal. Além disso, elas são um tipo de despesa primária, podendo ser subdivididas em obrigatórias e discricionárias.
No entanto, pouco se fala sobre o impacto das despesas primárias obrigatórias na educação pública. Serão analisadas duas despesas obrigatórias: Previdência Social e Pessoal e Encargos Sociais.
Abaixo, podemos visualizar a previsão no Orçamento para cada área (função) de atuação do Governo Federal. Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência.
Função |
Orçamento inicial |
Orçamento atualizado |
Previdência social | R$ 721.027.879.858,00 | R$ 720.438.095.886,00 |
Saúde | R$ 122.623.766.937,00 | R$ 122.617.021.558,00 |
Educação | R$ 116.758.801.929,98 | R$ 116.927.113.028,98 |
Assistência social | R$ 92.421.295.028,00 | R$ 92.358.984.428,00 |
Trabalho | R$ 80.413.944.907,00 | R$ 80.131.059.939,00 |
Outros | R$ 201.759.224.825,85 | R$ 199.922.034.959,85 |
Total | R$ 1.335.004.913.485,83 | R$ 1.332.394.309.799,83 |
Previdência Social
A Constituição Federal prevê inúmeros direitos aos trabalhadores (dentre eles, a aposentadoria). Empregados e empregadores contribuem para sistemas previdenciários, pagando valores para determinadas estruturas que recolhem tais recursos. Esses valores são destinados ao pagamento de benefícios previdenciários em certas hipóteses, tais como a maternidade, a doença, a velhice, o desemprego etc.
Os trabalhadores e empregadores da iniciativa privada contribuem para o Regime Geral de Previdência Social. Os servidores públicos e os entes governamentais o fazem para o Regime Próprio de Previdência Social. Quando as contribuições não são suficientes para o pagamento de todos os beneficiários, o Tesouro Nacional complementa os valores para que todos sejam atendidos.
Os benefícios estão ligados diretamente a previsão para o salário mínimo. Na PLOA 2019, a previsão era de R$ 1.006,00 e o aumento estimado da massa salarial era de 7,54%.
A estimativa de arrecadação com contribuições ao regime (receitas primárias) era de R$ 419,8 bilhões. Por sua vez, a despesa total projetada com os benefícios previdenciários atingiria R$ 637,9 bilhões.
Em razão das despesas serem maiores do que as receitas, tem-se o chamado “déficit”, conforme visto em tópico anterior.
Para 2019, o PLOA projetou que o déficit para o Regime Geral alcança o valor de R$ 218,1 bilhões; para o Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores da União, o déficit é de R$ 44,3 bilhões.
Agora, passemos ao próximo ponto.
Pessoal e Encargos Sociais
O PLOA 2019 prevê gastos com pessoal da ordem de R$ 326,9 bilhões, com impacto financeiro em 2019 estimado em R$ 325,9 bilhões, incluindo inativos e pensionistas da União e outras despesas relacionadas a pessoal. Ademais, soma-se R$ 24,5 bilhões referentes à contribuição patronal ao Regime Próprio dos Servidores, que se trata de despesa financeira.
Excluídas as despesas com sentenças judiciais, o total das despesas com Pessoal e Encargos Sociais está distribuído do seguinte modo:
Figura 2 – Despesas primárias – Pessoal e Encargos Sociais (PLOA 2019)
Atualmente, quase 50% da força de trabalho da Administração pública federal está nas instituições de ensino. De todos os recursos repassados pelo Governo Federal às universidades federais, aproximadamente 85% está comprometido com o pagamento de salários, dos benefícios dos servidores etc.
Do banquete às migalhas: um registro da desigualdade de renda nas estatísticas para além do impacto orçamentário
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), o número de servidores cresceu cerca de 82,4%, passando de 6,26 milhões (em 1995) para 11,5 milhões (em 2016). Esse número não considera os trabalhadores das empresas estatais.
Essa taxa de crescimento superou o índice do aumento da população brasileira, que foi de cerca de 30%. Portanto, um aumento desproporcional quando comparado ao crescimento populacional.
Figura 3 – Elaborado conforme o Atlas do Estado Brasileiro (2018), do Ipea, e as Estimativas de População do IBGE
No Governo Federal, houve crescimento de 25%, passando de 950 mil servidores (1995) para 1,2 milhão (2016).
A relação entre o número de funcionários públicos e a população no Brasil (5,6%) é mais alta do que a média latino-americana (4,4%).
Atualmente, o Governo Federal emprega cerca de 12% do total desses servidores. No entanto, ele é responsável por aproximadamente 25% do gasto total com o funcionalismo público. Trata-se de mais uma informação que expressa desproporcionalidade.
Além disso, o relatório de análise do Atlas do Estado Brasileiro constatou que os servidores públicos federais ganham melhor. De 2007 a 2016, a remuneração média mensal dos servidores federais passou de R$ 6.500 para R$ 8.100. Considerando-se apenas os servidores civis federais, a média salarial é de R$ 10,2 mil em 2016.
A remuneração mais elevada é a do Poder Judiciário federal. No entanto, ela diminuiu de 16,6 mil (2007) para R$ 15,8 mil (2016). Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015 também confirmam tal constatação.
A despesa com servidores públicos federais cresceu a uma taxa média real de 2,9% ao ano, de 2008 a 2018. Hoje, ela absorve 22% das despesas primárias. É o segundo maior gasto do Governo Federal, perdendo só para a Previdência Social.
Isso significa que 0,5% da população recebe 22% de tudo que o Governo Federal arrecada.
Conforme o Ministério da Transparência, o número de servidores federais ativos é de 1.051.580 (CPFs únicos). Mais especificamente, eles estão distribuídos do seguinte modo:
Órgãos superiores com maior valor pago com folha de pagamento no ano corrente | ||
Órgão Superior | Quantidade de vínculos de servidores em exercício no órgão | Valor total pago com folha de pagamento no ano corrente |
Ministério da Educação | 380.108 | 30.681.349.302,50 |
Ministério da Defesa | 390.629 | 19.188.357.912,62 |
Ministério da Economia | 108.786 | 14.009.152.537,82 |
Ministério da Saúde | 75.793 | 5.801.307.744,83 |
Ministério da Justiça e Segurança Pública | 29.245 | 4.148.982.971,79 |
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento | 28.613 | 4.005.883.081,97 |
Advocacia-Geral da União | 10.951 | 1.706.667.158,24 |
Ministério de Minas e Energia | 8.433 | 1.123.093.625,59 |
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações | 9.353 | 1.066.421.814,23 |
Ministério da Infraestrutura | 8.265 | 1.053.028.865,83 |
Demais Órgãos | 96.488 | 3.829.195.869,51 |
Total | 1.146.664 | 86.613.440.884,93 |
Na comparação com outros países, os dados mostram que os salários do setor público são altos, levando-se em consideração sempre as mesmas características de qualificação, gênero e região.
O chamado “prêmio salarial” do funcionalismo brasileiro é o mais alto numa amostra de 53 países pesquisados pelo Banco Mundial. A média internacional do prêmio salarial dos servidores é de 16%.
Em média, o setor público paga salários 70% maiores (R$ 44.000 por ano) em comparação aos pagos pelo setor privado formal (R$ 26.000 por ano). No entanto, em comparação com os trabalhadores informais (R$ 16.000 por ano), o número é quase 3 vezes maior.
No setor público federal, verifica-se que os salários ainda mais altos. Os militares brasileiros recebem, em média, mais do que o dobro pago pelo setor privado (R$ 55.000 por ano). Por sua vez, os servidores federais civis ganham 5 vezes mais que os trabalhadores do setor privado (R$ 130.000 por ano). Os dados correspondem aos dados divulgados pelo IPEA em 2016.
Das 10 atividades com salários mais elevados, 6 estão no setor público. Esse fenômeno não ocorre em países da OCDE e economias emergentes.
Em 2019, 44% recebem mais de R$ 10 mil por mês, 22% recebem mais de R$ 15 mil; e 11% recebem mais de 20 mil ao mês.
De acordo com os Dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua (2018), a desigualdade de renda é evidente e expressiva se comparada ao rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população residente no país – de R$ 1.373.
Em agosto de 2019, o IBGE divulgou as estimativas dos trimestres móveis referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Analisando o rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas, por posição na ocupação, setor e categoria do emprego no trabalho principal, os dados apontam que, em média, um empregado do setor privado recebe R$ 1.987 ao mês; um trabalhador doméstico recebe R$ 905 ao mês; e um empregado do setor público recebe R$ 3.674 ao mês.
Com relação ao empregado do setor público, essa classificação é composta por 3 subcategorias:
Militar ou funcionário público estatutário – recebem, em média, R$ 4.202 ao mês; |
Empregado com carteira – recebe, em média, R$ 3.845 ao mês; |
Empregado sem carteira – recebe, em média, R$ 1.991 ao mês. |
Isso provoca graves consequências. Hoje, os servidores estão desproporcionalmente representados no topo da distribuição de renda brasileira. Dois terços encontram-se entre os 10% com maior renda no país; 83% estão entre os 20% mais ricos e; quase todos (94%), entre os 40% mais ricos.
No relatório “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, contatou-se que os salários elevados recebidos pelos servidos contribuem para aumentar a desigualdade no Brasil. Isso acontece porque os salários dos servidores são financiados por meio de tributação. Portanto, os altos salários do setor público são uma forma de redistribuição de renda dos mais pobres e da classe média aos mais ricos.
Não se trata de culpar os servidores públicos pela crise fiscal no Brasil, mas sim de apontar quais elementos agravaram ou provocaram a crise. Não há como solucionar um problema sem entender sua(s) causa(s).
Boa parte do debate público aponta os “banqueiros” e os “agentes do mercado especulativo” como os grandes responsáveis pela crise fiscal do Brasil. Esse é o ponto do tópico seguinte.
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REFERÊNCIAS
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GOVERNO FEDERAL. (2019). Execução das Receitas (Dados Abertos). Acesso em 14 de outubro de 2019, disponível em Portal da Transparência: http://www.portaltransparencia.gov.br/download-de-dados/receitas
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