Esse texto será o início de uma série mensal em que falaremos sobre o Papel do Estado na criação e manutenção de monopólios e cartéis na economia brasileira.
Hoje vamos abordar sobre a nomenclatura da coisa, do Monopólio, esta instituição tão debatida há décadas, que na cabeça de muitos é formada por culpa exclusiva do mercado.
A palavra monopólio tem origem grega, advindo do termo em latim “mono” (único) e “polen” (vender). Importa também, destacar sua característica de anomalia de mercado, sendo combatido ao longo dos tempos para a preservação dos valores do mercado perante a sociedade.[1]
Monopólio tem um conceito propriamente econômico, sendo entendido como a exploração em regime exclusivo de determinada atividade econômica por um único agente, havendo, assim, a impossibilidade da entrada de novos concorrentes.[2]
As origens históricas do Monopólio tem sua origem com as grandes civilizações antigas e as ações monopolistas podem ser analisadas durante a história em meio ao período absolutista. O mercantilismo era um exemplo típico de monopólio estatal, pois havia uma relação comercial apenas do Estado para com o particular, através do comércio de bens e metais preciosos, não havia iniciativa privada. Entre o século XV e o final do século XVIII, a Europa passou por grandes transformações. O mundo medieval havia sofrido grandes transformações, sendo substituído por novas organizações políticas, econômicas e culturais. O advento das grandes navegações foi fundamental para modificar as noções de mundo dos povos europeus, que passaram a usufruir ao máximo de seus recursos. Assim, a economia recebeu novas características com o objetivo de enriquecimento dos Estados Nacionais Modernos.[3]
Ou seja, monopólio pode ser considerado a exploração exclusiva de determinada atividade econômica por um único agente, sem que haja entrada de concorrentes. E, essa entrada de concorrentes não acontece por diversos motivos, os quais veremos com a classificação de monopólio conforme os critérios a seguir listados.
Monopólio natural é aquele compreendido da impossibilidade da mesma atividade econômica por parte de mais de um agente, seja porque determinadas atividades contém custos de investimentos tão altos que não há como haver competição nas mesmas, como é o caso de metrôs urbanos, energia elétrica, transporte ferroviário, entre outros. Seja pelo direito à exploração patenteada e exclusiva de determinado fator de produção, este protegido pelo Estado.
Trata-se, assim, do monopólio resultante de circunstâncias naturais, através de avanços tecnológicos nos fatores de produção desenvolvidos por determinada empresa, ou nos casos em que esta detém a patente sobre o mesmo (direito marcário, corolário do direito de propriedade industrial, protegido pelo Estado), ou, ainda, em que detém a única fonte de matéria prima para tanto, ou, ainda, nos casos de impossibilidade física ou jurídica de exploração da atividade por outros agentes (ex.: transporte ferroviário).[4]
O que acontece na teoria dos monopólios naturais é que é alegado ser inviável alguém construir duas ferrovias, uma ao lado da outra, por exemplo. Porém, o fato de não haver duas ferrovias, uma ao lado da outra, dois metrôs, etc., é o fato de o detentor do solo e do subsolo ser o Estado, assim, depende dele conceder esse uso para determinada empresa realizar a obra, ou como acontece às vezes, ele mesmo fazer.
O mesmo acontece para empresas de energia, internet, tv a cabo e água que precisam se utilizar das ruas para fornecer seus serviços, estas necessitam da concessão do Estado para realizar seus serviços. E, o fato de o estado não conseguir precificar o uso comum, ou seja, as ruas, estradas, subsolos, espaços aéreos para os fios elétricos, dentre tantos outros, faz com que ele seja o único capaz de conceder ou fornecer este serviço, assim criando o “mito do monopólio natural”.
O que poderia ser resolvidos se algumas comunidades pudessem estipular preços adequados para o uso destes recursos escassos. O direito de utilizar ruas, passagens e vias públicas é o direito de utilizar recursos escassos. A ausência de um preço para a utilização destes recursos escassos — um preço que deve ser alto o bastante para refletir os custos de oportunidade de usos alternativos, como os serviços de um tráfego contínuo e paisagens não danificadas — irá levar à sua utilização excessiva. A estipulação de uma tarifa apropriada para o uso destes recursos escassos iria reduzir o grau de duplicação para níveis ótimos.[5]
É óbvio que, na sociedade em que vivemos e como ela foi construída ao longo das eras, é impossível imaginar que cada pessoa seria proprietária de um pedaço da rua e esta poderia vender seu espaço a empresas que ali quisessem operar, vivendo em uma sociedade totalmente privada sem a presença do Estado, isso está fora de questão, por enquanto.
Porém, se utilizarmos um pouco desse pensamento, abrindo o mercado para que possa haver mais competição e também mais prestação de serviços nesses setores, talvez conseguíssemos uma melhor qualidade de prestação e até preços mais baixos. Claro, naqueles serviços onde sairia muito caro para um segundo competidor entrar no setor, por algum tempo, existiria somente um. Mas, naquele setor onde o Estado é quem pode conceder a utilização, talvez a não presença do Estado como detentor e a desnecessidade de ter uma concessão para explorar e prestar serviço, seria um grande ganho à sociedade.
O monopólio convencional é o mais conhecido, aquele em que práticas abusivas de agentes econômicos, como contratos estabelecidos entre eles acabam por criar monopólios ou cartéis.
O monopólio convencional não é tolerado pelo Estado brasileiro, como bem elucida o Art. 173, §4º da CF:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Isto quer dizer que o Estado intervirá e punirá sempre que se formarem monopólios convencionais na economia, o que em um primeiro momento parece ser benéfico, mas veremos que tentar regular o mercado a fim de acabar com monopólios só prejudica o mesmo.
O caso dos monopólios é particularmente significativo. É possível, e até mesmo provável, que numa economia de mercado que não seja obstruída pela intervenção governamental venham a ocorrer situações que possibilitem, ainda que temporariamente, o exercício de preços monopolísticos. Pode-se admitir como provável, por exemplo, que mesmo numa economia de livre mercado venha a se formar um monopólio internacional do mercúrio, ou que existam monopólios locais de alguns materiais de construção e de combustíveis.
Mas esses casos isolados de ocorrência de preços monopolistas não seriam suficientes para criar algo que se devesse qualificar como o “problema do monopólio”. Todos os monopólios nacionais e – com poucas exceções – todos os monopólios internacionais devem a sua existência à legislação tarifária. se os governos realmente quisessem acabar com os monopólios bastaria usar os meios que têm à sua disposição – bastaria eliminar todas as barreiras tarifárias. se fizessem apenas isso, o “problema do monopólio” perderia a sua importância. Na verdade, os governos não estão interessados em acabar com os monopólios; ao contrário, são eles que criam as condições que permitem aos produtores exercer preços monopolistas.[6]
Ou seja, a “dominação dos mercados” por um agente extremamente eficiente não é prejudicial, desde que não haja barreiras para nova entrada de competidores.
Monopólio legal se refere a existência de apenas um agente apto a desenvolver certas atividades econômicas, seja ele agente privado ou o próprio Estado atuando na economia. Sendo que, quem determina quem será esse agente é o próprio Poder Público
Ou seja, nesse caso o Poder Público tira a atividade do particular com o fim de mantê-la sob seu controle, seja com ele mesmo prestando o serviço ou dando a terceiros através de atos normativos esta possibilidade.
O exemplo histórico que temos no Brasil é a Lei n. 6.538/78, que institui o monopólio dos serviços postais em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Art. 1º – Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal e ao serviço de telegrama em todo o território do País, incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo, assim como nos lugares em que princípios e convenções internacionais lhes reconheçam extraterritorialidade.
Parágrafo único – O serviço postal e o serviço de telegrama internacionais são regidos também pelas convenções e acordos internacionais ratificados ou aprovados pelo Brasil.
Art. 2º – O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações (grifo meu).
Mais precisamente no art. 9º encontramos o que a União poderá explorar em regime de monopólio, referente às atividades postais:
Art. 9º – São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada:
III – fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
Como podemos observar no artigo acima, está expresso na lei quais são os serviços em que a União terá o monopólio de exploração, porém, como vimos no começo deste tópico, o Poder Público, através de atos normativos, pode passar a exploração do monopólio para terceiros, como veremos no §1º do artigo acima:
§ 1º – Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal;
a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal;
b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal.
Nota-se que o inciso III do art. 9º dividiu-se em dois, trazendo que mediante autorização da empresa exploradora do monopólio pode-se praticar os atos de venda de selos e fabricação de máquinas por terceiros.
Já o §2º do referido artigo traz o que não irá se incluir no monopólio da empresa prestadora do serviço postal:
§ 2º – Não se incluem no regime de monopólio:
a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial;
b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.
Ou seja, o transporte feito por pessoas jurídicas entre suas empresas e os feitos sem fins lucrativos poderão ser feitos por terceiros, desde que respeitadas as normas definidas em regulamentos.
Por fim, o serviço de telegrama também é trazido na lei como forma de exploração da União em regime de monopólio, conforme o art. 27:
Art. 27 – O serviço público de telegrama é explorado pela União em regime de monopólio.
Podemos concluir que o monopólio legal é uma forma do Estado limitar atividades de terceiros mediante leis, para que ele mesmo explore a atividade, ou entregar a exploração para empresas criadas por ele, ou a empresas que ele escolha.
Como visto, há 3 tipos de monopólio. O primeiro, o monopólio natural, se confunde muito com o terceiro, o monopólio legal, uma vez que em ambos os casos, quando se trata de exploração patenteada e exclusiva de determinado fator de produção, há a chancela do Estado.
Também foi visto que o segundo tipo de monopólio, o monopólio convencional, mais comum em nossa sociedade, nem sempre será ruim, ou conseguirá se manter por muito tempo de forma ineficiente. Caso o monopolista não esteja sempre oferecendo o melhor produto, desde que não haja barreiras (friso mais uma vez que isso é muito importante) ele poderá arrumar um concorrente a altura e até perder seu posto.
Em nosso próximo encontro falaremos sobre os Monopólios existentes em nossa própria Constituição e sobre os famosos Serviços Públicos e como eles em muitos casos se confundem com os Monopólios do Estado.
Até lá!
[1] SILVA, Lorena Costa; ARAUJO, Ana Dulce Fonseca Oliveira. Monopólios: análise sob a perspectiva do Direito Econômico. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54663/monopolios-analise-sob-a-perspectiva-do-direito-economico.
[2] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. A questão do monopólio na Constituição da República Federativa do Brasil e o Setor Postal. 2016. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/07/19/a-questao-do-monopolio-na-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-e-o-setor-postal/.
[3] Idem 1
[4] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. A questão do monopólio na Constituição da República Federativa do Brasil e o Setor Postal. 2016. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/07/19/a-questao-do-monopolio-na-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-e-o-setor-postal/.
[5] DILORENZO, Thomas. O mito do monopólio natural. 2012. Disponível em: https://www.mises.org.br/ArticlePrint.aspx?id=1309
[6] VON MISES, Ludwig. Intervencionismo: uma análise econômica. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil,, 2010. 160 p. Tradução de: Donald Stewart Jr.