Seguimos nossa sequência de artigos sobre monopólios e, como prometido no artigo anterior, hoje vamos falar sobre o que diz a nossa Constituição sobre monopólios.

Apesar de atualmente não se admitir mais a possibilidade do legislador infraconstitucional promover a intervenção estatal em qualquer atividade econômica, salvo os casos expressos na Constituição, é importante fazer uma revisão histórica de regimes constitucionais anteriores para termos a noção da mudança trazida no novo texto.

Em regimes anteriores, especialmente os do período militar, havia a clara possibilidade do Poder Público monopolizar qualquer nicho da economia ao seu bel-prazer. Como exemplos temos o artigo 167, §8º da Constituição de 1967 e o artigo 163 da Emenda Constitucional n. 01 de 1969, a seguir:

Constituição de 1967:

(…) Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: (…) § 8o São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais(grifo meu).

EC n. 01/1969:

(…)Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais(grifo meu).

Vemos como era autorizado ao Poder Público intervir na economia e tomar para si a atividade econômica, em forma de monopólio do setor, mediante ato infraconstitucional.

Hoje, temos basicamente três matrizes em que o monopólio da União incide, mesmo que de forma relativizada com base no artigo 21, XXII e 177 da Constituição, são elas: petróleo, gás natural e minério ou outros minerais nucleares:

Art. 21. Compete à União: (…) XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados (…) 

“Art. 177. Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. (…)

O próprio artigo 21 traz outras prestações de atividades por parte da União, seja diretamente ou através de terceiros, entre elas: emissão de moedas, serviço postal, serviços de telecomunicações entre outras.

Recentemente obtivemos uma ganho em prol da liberdade e da livre concorrência devido a nova Lei do Gás Natural, Lei 14.134 que trouxe algumas mudanças no setor, entre as principais estão:

  • Alteração do regime de concessão para o regime de autorização;
  • Novas regras tarifárias;
  • Acesso de terceiros aos gasodutos, unidades de tratamento e processamento de gás natural e terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL);
  • Autorização para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) adotar um programa de desconcentração do mercado (conhecido no setor como gas release) – realização de leilões de gás natural ou de cessão de capacidade de transporte para os concorrentes;
  • Tarifas: as tarifas de transporte de gás natural serão propostas pelo transportador e aprovadas pela ANP, após consulta pública;

Um grande ganho para o setor no país, que tem tudo para melhorar a qualidade do serviço e a vida do cidadão no longo prazo.

Voltando a questão dos monopólios elencados na CF/88, há um debate doutrinário se essas atividades, não elencadas no inciso XXIII, estariam sob regime de monopólio da União ou não, porém com base no atual texto constitucional, tais atividades não podem ficar mais sob o regime de exploração restrita do Estado. Isto porque, em uma economia de mercado, somente se justifica a assunção de serviços de relevância coletiva, com nítida natureza econômica, em detrimento da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, nos casos em que a iniciativa privada se mostre ineficiente para tanto, em respeito ao princípio da subsidiariedade. Deve-se ter em mente, ainda, que o rol de atividades sob o regime de monopólio estatal encontram-se taxativamente previstos na Constituição de 1988, não cabendo ao legislador ordinário, tampouco ao operador do Direito, ampliá-lo. [1]

Com isso, podemos concluir que a questão do monopólio na Constituição de 1988 foi prevista de forma taxativa pelo legislador, autorizando a exploração direta por parte da União, porém, sem afastar a iniciativa privada, apesar de necessitar da chancela do Estado. Portanto, não sendo tão respeitado o princípio da livre-iniciativa, conforme artigo 1º, IV, in fine da Constituição.

MONOPÓLIO ECONÔMICO X SERVIÇOS PÚBLICOS

A nossa carta magna de 1988 nasceu em um momento político de divisão no mundo. O mundo dividia-se entre capitalismo e comunismo e seguindo o exemplo de diversos países europeus, nossa constituição se consubstanciou em uma Carta de “bem estar social”, onde o Estado não mais se abstém de interferir na vida do privado, mas sim em prestar utilidades ao cidadão, com o intuito de tornar a vida mais digna.

Ela nasceu com o intuito de prestar ao cidadão as utilidades que o mesmo precisa para viver dignamente, de forma a não depender apenas do mercado para prover suas necessidades. Por isso atribui diversas competências ao Estado brasileiro, obrigando a Administração Pública a desempenhar certas atividades que o Estado, por considerá-las “atinentes a interesses integrados em sua esfera de ação própria”, retira do comércio e da iniciativa particular e traz para si como uma competência, um dever – poder. [2]

Partindo dessa ideologia, do Estado prestador, vem corroborado no Art. 175 da nossa Constituição a prestação de serviços públicos pelo poder público, retirando do mercado certas atividades e colocando-as em um regime jurídico peculiar.

Art.175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 

Como vimos no tópico acima, o Estado detém monopólios de certas atividades, então, como saber o que é monopólio do Estado e o que é serviço público?

Monopólio não se confunde com serviço público, uma vez que os serviços são atividades de prestação pelo Estado, visando satisfazer os direitos fundamentais e podem variar na história, cada período histórico terá seu rol de serviços públicos essenciais à dignidade da pessoa humana. Diferente do monopólio do Estado, que está taxado na constituição e é uma forma de intervenção na economia, onde o Estado assume integralmente os meios de produção.

Porém, todo serviço público acaba sendo uma forma de intervenção do Estado na economia, uma vez que eles afastam a livre-iniciativa e a livre concorrência, dando a titularidade da exploração da atividade ao Estado.

Toda vez que uma atividade é qualificada como serviço público esta atividade está sendo reduzida da esfera privada, sendo impedida de um particular prestá-la.

A submissão de uma atividade ao âmbito do serviço público acarreta a redução da órbita da livre iniciativa. Quanto mais amplo o universo dos serviços públicos, menor é o campo das atividades de direito privado. E a recíproca é verdadeira.[3]

Assim, não faz sentido nenhum trazer para si a competência de prestar serviços públicos e conceder a um ente privado a sua realização, seja pela falta de interesse do próprio setor público ou pela ineficiência em prestá-lo, como é visto.

Será mesmo que no mundo em que vivemos, não há mercado para quem deseja prestar serviços essenciais às condições humanas? Será mesmo que não há nenhum nicho para isso? Parece que, mais uma vez, é somente o Estado querendo tomar para si o controle de algo inerente aos indivíduos.

Por hoje era isso.

Em nosso próximo encontro vamos tratar sobre o que atrapalha a concorrência e cria monopólios e cartéis. 

Até lá!

REFERÊNCIAS

[1] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 120 p.

[2] CATÃO, Adrualdo de Lima. O serviço público no Direito brasileiro. Breves comentários acerca de sua natureza jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2606.

[3] RIBEIRO, Paulo Sérgio. A atuação do Estado na economia. Reflexão sobre atividade econômica e serviço público. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.67, ago. 2015. Disponível em: <https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao067/Paulo_Ribeiro.html>


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