Não há consenso sobre o que é ou significa a pós-modernidade ou até mesmo se de fato existe uma condição pós-moderna. O francês Jean-François Lyotard fala em “modernidade tardia”, um desenrolar da própria modernidade, onde há a falência das metanarrativas. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman se refere ao período em que vivemos como “modernidade líquida”, onde convivemos com uma realidade ambígua, ambivalente, relativizada e multiforme. Estes dois autores ao meu ver são bastante complementares, por isso faço uso de ambos para entender o contexto. Embora não concorde com algumas proposições destas leituras acredito que elas podem nos fornecem uma chave para entendermos os atuais processos por que passa a sociedade.
A falência de metanarrativas anunciada por Lyotard se refere inclusive a falência do Marxismo ou do próprio Liberalismo como teorias capazes de explicar e organizar o mundo. Entretanto, no meio acadêmico, onde ainda se faz largo uso de teorias advindas dos séculos XIX e XX, a pós-modernidade é na maior parte das vezes negada ou ridicularizada. Mas meu interesse neste texto não é discutir a questão na academia e sim na sociedade, abordando especificamente o fenômeno da esquerda caviar, termo de cunho francês que deu nome ao último livro do economista Rodrigo Constantino no Brasil.
Então, por que a esquerda caviar pode ser entendida como um sintoma da pós-modernidade?
Em sua obra, de cunho mais sociológico, Zygmunt Bauman faz um retrado da sociedade em tempos do que chama de modernidade líquida, que faz jus à analogia quando afirma que no período em que vivemos tudo é líquido, fluído, um dia tem uma forma, noutro outra, não havendo certezas nem solidez nas relações entre homem e homem, nem entre homem e coisa.
Este quadro realmente é difícil de perceber entre os meios acadêmicos e científicos, embora também esteja lá. Porém, quando olhamos para o comportamento dominante na sociedade, as artes, a cultura, etc., podemos facilmente reconhecê-lo. Pessoas que se entediam e se irritam com qualquer questão que leve mais de dois minutos para ser explicada, entendida e resolvida, refratárias a qualquer complexificação do mundo em que vivem – o que resulta na simplificação vulgar de todo conhecimento -, adolescentes que preferem fazer qualquer coisa, desde que seja algo diametralmente oposto ao que se considere produtivo, por exemplo.
É exatamente na simplificação vulgar do conhecimento que entra a esquerda caviar e todos os comportamentos “de moda” e de rebanho, que não são novidade no mundo, mas que nunca tiveram tanta abrangência e justificação “moral” como hoje. Para quem estuda os comportamentos sociais dentro de uma perspectiva pós-moderna, este fenômeno é perfeitamente compreensível, e igualmente desprezível caso se fizesse juízo de valor.
Em um momento em que o pensamento de esquerda domina quase todos os meios de formação (seja ela profissional ou de opinião), o comportamento da esquerda caviar é, como o comportamento pós-moderno típico, esvaziado de razão e sentido e preenchido apenas com as fórmulas vulgares de intenso apelo emocional que são oferecidas, apenas levado pela onda dominante de uma moral deformada onde se cria exércitos balbuciantes e se destrói qualquer resquício de cultura e referenciais. Não é por acaso que o verbo conservar virou sinônimo para as coisas que essa sociedade mais teme.
O retrato é tão pessimista quanto parece. Num tempo em que a opinião pública tem mais valor do que a racionalidade, tentar apelar para o conhecimento é quase um contrassenso. A esquerda organizada sabe bem disso, e explora a questão de maneira exemplar, entregando à opinião pública todas a fórmulas prontas de pensamento de que demandam. Este modus operandi é tão abrangente que no Brasil já adentrou as portas da academia. Quer um exemplo? Tire um tempo para visitar um curso de comunicação social em alguma universidade (isso inclui, ironicamente, até mesmo os cursos de publicidade e propaganda).
Resta as iniciativas políticas mais liberais, escolher entre complexificar as questões e ficar restrita a um pequeno grupo de intelectuais que se negam a abandonar a racionalidade, ou então aprender a simplificar e vulgarizar seu discurso para que ele possa ser assimilado pela massa que prefere evitar qualquer forma de fadiga mental. É uma questão realmente difícil que teremos que encarar o quanto antes.
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Vinícius Motta é graduando em História pela UFSM. Escreve todas as terças para o site do Clube Farroupilha.
As informações, alegações e opiniões emitidas no site do Clube Farroupilha vinculam-se tão somente a seus autores.