O Clube Farroupilha foi fundado em 2013, em Santa Maria/RS, com o propósito de apresentar um contraponto ao discurso hegemônico dos principais movimentos políticos do Brasil.

A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) se consolidou como um dos espaços mais tradicionais para discussão de temas politicamente relevantes na cidade.

Em face da conjuntura atual, é importante que alguns contrapontos sejam feitos aos discursos inflamados, proferidos por determinadas categorias, sobre a educação.

Até 2016, os setores tradicionais da UFSM mantiveram-se em estado de oposição simbólica e letárgica contra os cortes e contingenciamentos adotados pelos governos petistas.

Apesar do seu discurso essencialmente pró-educação, tais setores, na prática, deram sustentação aos governos Lula e Dilma. A subserviência foi a moeda de troca na busca pela manutenção do poder.

Não ignoramos a ocorrência de protestos e de reivindicações. De fato, elas ocorreram. O ponto central dessas manifestações era mais ou menos uniforme: “mais recursos para a educação”.

 Mas, mais recursos para educação significam melhora da qualidade da educação?

Na maioria dos protestos em favor da educação, a luta por mais recursos é convertida em luta por mais investimentos. Há uma diferença entre “recursos” e “investimentos”.

Em 2018, a Secretaria do Tesouro Nacional divulgou relatório que traduz em números o paradoxo vivido pelo Brasil na educação. O Brasil está entre os que mais gasta com a educação pública. Porém, está nas últimas posições nas avaliações internacionais de qualidade do ensino.

O documento mostra que o país gasta 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação pública por ano. Esse índice é superior à média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 5,5%.

A despesa do Brasil supera a de países como Argentina (5,3%), Colômbia (4,7%), Chile (4,8%), México (5,3%) e Estados Unidos (5,4%).

Em 2017, o gasto primário da União com educação totalizou R$ 117,2 bilhões, sendo R$ 75,4 bilhões com ensino superior e R$ 34,6 bilhões em educação básica. No entanto, quando se divide o valor pelo número de alunos, percebe-se que se investe muito menos que nos países desenvolvidos. Essa é a realidade do ensino superior brasileiro.

Segundo o estudo do Tesouro Nacional, o aumento dos gastos não foi suficiente para tirar o Brasil das últimas posições em avaliações internacionais de desempenho escolar e nem melhorar outros indicadores educacionais. Apesar do aumento da oferta de vagas, a qualidade da educação brasileira é muito precária quando comparada internacionalmente.

 

    Figura 1 – Evolução orçamentária – Ministério da Educação (2000-2019) – SIOP

Esse estudo indica que, apesar do Governo Federal ter repassado mais recursos para o MEC, não houve melhoria na educação. Isso significa que os recursos não foram bem utilizados. Melhorar a gestão não foi prioridade pelos governos passados

Bolsonaro é o responsável pelo fim dos investimentos no ensino superior?

.Figura 2 – Grupo de despesas/órgão – Ministério da Educação (2000-2019) – SIOP

Esse gráfico aponta que o aumento nos recursos não representou grande aumento no investimento. A partir de 2012, no governo Dilma, os investimentos começaram a sofrer grande redução e houve um aumento das despesas com pessoal e encargos sociais.

A proporção é inversamente proporcional: quanto maior a despesa com pessoal, menor o investimento. Isso pode ser visto ao longo do gráfico. A educação pública experimentou aumento considerável nos investimentos no período em que o governo controlou as despesas com pessoal (2006-2012).

Porém, nos últimos anos, o Governo Federal adotou uma série de medidas de contingenciamento e, também, promoveu vários cortes no orçamento para a educação.

Há uma grande confusão entre os termos “corte” e “contingenciamento”.

O contingenciamento é uma reação à situação fiscal do Governo Federal. Se a situação é estabilizada, as verbas são liberadas e repassadas normalmente. A medida já foi adotada nos governos Lula, Dilma, Temer. Em abril, o atual governo anunciou a medida.

 

Os dados apontam que, no governo Dilma Rousseff (PT), ocorreram os maiores contingenciamentos orçamentários (bloqueio de repasses) para a educação. Os valores podem ser vistos na tabela.

Neste ano, o MEC anunciou o bloqueio de cerca de R$ 30 bilhões do orçamento. Destes, R$ 7,4 bilhões afetaram o Ministério da Educação. No entanto, Abraham Weintraub anunciou o desbloqueio de R$ 1,5 bilhão para a pasta, o que reduziu o contingenciamento a R$ 5,8 bilhões. Desse total, as universidades federais sofreram o bloqueio de R$ 2,2 bilhões em recursos.

No entanto, o contingenciamento de Bolsonaro não afetou as despesas obrigatórias. O contingenciamento afetou apenas a parte discricionária. Considerando as despesas totais da UFSM, o contingenciamento não atinge, no pior dos casos, 6% das despesas totais.

Além disso, o contingenciamento não afetou somente as despesas relacionadas ao ensino superior, mas toda e qualquer verba discricionária passível de redução.

 

O orçamento das universidades públicas federais

O orçamento das universidades está dividido em duas partes: despesas obrigatórias e despesas discricionárias.

As despesas obrigatórias não podem ser realocadas. Por sua vez, as despesas discricionárias são voltadas ao desenvolvimento de pesquisa científica e melhoria do ensino.

No orçamento público, quanto maior a despesa obrigatória, menor será a discricionária.

De todos os recursos repassados pelo Governo Federal às universidades federais, aproximadamente 85% deles está comprometido com o pagamento de salários, os benefícios dos servidores etc.

O crescimento desmedido das despesas fixas está diretamente relacionado ao grande número de servidores (e seus altos salários, sem paralelo com a iniciativa privada). Em razão disso, a cada ano, a proporção de recursos disponíveis para pesquisa, ensino e extensão diminui.

É importante compreender que as despesas obrigatórias são intocáveis: os servidores públicos federais não podem ser demitidos ou terem reajustes para redução salarial.

Além disso, os recursos recebidos pela Universidade Federal de Santa Maria cresceram ininterruptamente desde 2010. As projeções orçamentárias para 2020 apontam aumento dos repasses.

 

Figura 3 – Evolução orçamentária – Universidade Federal de Santa Maria (2000-2019) – SIOP

No entanto, 85,74%% dos repasses são destinados ao pagamento de pessoal e encargos de sociais, ou seja, folha de pagamento. A irresponsabilidade orçamentária não é do Governo Federal, mas da própria instituição. Essas constatações são comprovadas pelo gráfico abaixo:

Figura 4 – Grupo de despesas/órgão – Universidade Federal de Santa Maria (2000-2019) – SIOP

 

No entanto, a luta por mais investimentos na educação foi a luta por maiores salários. Por quê?

Os recursos aplicados na educação são denominados de “Investimentos Públicos em Educação”, segundo o INEP. Esses recursos públicos correspondem aos dispêndios realizados pela administração direta, por autarquias e fundações, financiados com recursos de impostos e de contribuições e receitas próprias.

A partir dessa classificação, o investimento de recursos públicos na área educacional compreende os valores financeiros brutos aplicados pelo setor público no atendimento de demandas educacionais, como no custo de bens e serviços, bens de capital e transferências (excluindo-se a depreciação e a amortização dos investimentos em estoque).

Assim, considera-se como despesa na área educacional toda aquela efetuada como sendo Educação pelas unidades orçamentárias que exercem funções governamentais, independentemente de estar registrada em outras funções, tais como administração geral ou encargos especiais.

A beleza dos discursos institucional e sindical, em defesa da educação “pública, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, pintada de povo”, está no sequestro do verdadeiro significado das palavras. A motivação, por sua vez, não é tão republicana.

 

Figura 5 – Série Histórica de Execução Orçamentária dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade (exclui Reserva de Contingência) – Universidade Federal de Santa Maria (2009-2010) – SIOP

De fato, a descrição do INEP sobre os “Investimentos Públicos em Educação” está prevista no Orçamento do Governo Federal. A principal questão é que “Educação” é uma grande categoria.

Dentro dela, além das despesas com ensino, estão as despesas com pessoal e encargos sociais, ou seja, a folha de pagamento. O conceito corporativista de “investimento” é reflexo do compromisso desses agentes com a busca por maiores despesas com folha de pagamento ou, de modo mais sútil, por mais “direitos”. A busca desses agentes por “investimentos” é a mola propulsora para greves em favor do aumento da remuneração, de ampliação de benefícios ou contra medidas de responsabilidade fiscal.

Esse é um exemplo do discurso a serviço da ignorância e da desinformação. É um paradoxo quando seus grandes propagadores estão envolvidos na instituição ou em organizações indiretamente ligadas a ela.

Os dados abaixo apresentam um panorama da gestão orçamentária da UFSM. Indiretamente, são a prova de que o aumento dos recursos não foi aplicado na qualificação do ensino e no fortalecimento da pesquisa.

Pedir mais recursos não significa lutar por mais bolsas de estudo, qualidade de ensino ou aprimoramento da pesquisa científica. Esses investimentos nunca foram o ponto central no debate sobre o ensino superior.

 

Execução Orçamentária dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade (exclui Reserva de Contingência) – Universidade Federal de Santa Maria (2009-2010) – SIOP

 

A partir dos dados da tabela, extraímos algumas informações importantes. São elas:

  1. Na categoria Ensino Superior, os gastos totais aumentaram significativamente, passando de R$ 271,5 milhões (em 2009) para R$ 625,9 milhões (em 2019);
  2. No mesmo período, os gastos com pessoal e encargos sociais passaram de 199,7 milhões (2009) para R$ 541,4 milhões (2019). Em 2018, a despesa atingiu o total de R$ 564,4 milhões;
  3. Na categoria Previdência do Regime Estatutário, a despesa passou de R$ 134,9 milhões (2009) para R$ 347,1 milhões (2019). Em 2018, a despesa atingiu o valor de R$ 380,2 milhões;
  4. Na categoria Outros Encargos Especiais (846), a despesa com pessoal e encargos sociais passou de R$ 8,1 milhões (2009) para R$ 105,4 (2019). Em 2018, atingiu o valor de R$ 108 milhões.
  5. Na categoria Ensino Superior, os investimentos passaram de R$ 29,4 milhões (2009) para R$ 7,2 milhões (2019). Em 2013, o valor total foi de R$ 49,2 milhões.
  6. Apesar dos repasses para a UFSM terem crescido sem interrupção no período de 2009 a 2018, sofrendo redução em 2019, a instituição diminui o repasse para o ensino superior em 2018.

 

Será que mais recursos para a UFSM representaram mais investimento? Pela análise de dados, não.

A grande pergunta que precisa ser feita hoje é: quais soluções podemos oferecer para a manutenção das atividades da UFSM?

A discussão da situação orçamentária da instituição exige – necessariamente – o reconhecimento dos erros. Há uma nítida negação de tudo aquilo que contribuiu para o agravamento da crise atual. Isso é reflexo do modelo de gestão irresponsável e baseado na futurologia.

Falta autocrítica. Falta formulação de propostas sérias. Falta uma agenda de compromissos com a comunidade acadêmica.

Em períodos de crise, a produção de desinformação e a reprodução das mentiras cresce em grandes proporções. Se essa dedicação fosse aplicada ao que precisa ser feito, como revisão de despesas e reformulação de planos de carreira, a comunidade acadêmica não estaria atormentada pela névoa do “fim da universidade” ou da “luta do Governo Federal contra os estudantes” ou da “privatização da instituição”.

É irônico pensar que os autointitulados defensores da universidade pública são um dos grandes responsáveis pela redução dos recursos destinados à qualificação do ensino superior.

Afinal, quem luta por educação? De um lado, o governo Bolsonaro não demonstra nenhum sinal de apreço pelo ensino superior; de outro, aqueles que dizem defender a educação são um dos grandes responsáveis por sua ruína.

A busca pelo ensino público qualificado exige respeito pelos fatos, comprometimento com os dados e utilização racional e responsável dos recursos.

Somente o comprometimento com a mentira ou com a desinformação pode sustentar o desejo do movimento grevista que se insurge hoje. Em suma, uma luta cujo instrumento de batalha é a desonestidade ou a ignorância.

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