Por George H. Smith, traduzido por Lucas Canabarro, Clube Farroupilha.
Originalmente publicado em: http://www.libertarianism.org/columns/ayn-rand-aristotle
Smith examina algumas das afirmações de Ayn Rand acerca da influência benéfica das ideias de Aristóteles na civilização Ocidental. De acordo com Aristóteles, “há algumas pessoas que são livres e outras que são escravos por natureza, e é ao mesmo tempo uma vantagem e justo para eles, serem escravos.” David Brion Davis, um dos principais historiadores acerca da escravidão, conhecido pela Inhuman Bondage: The Rise and fall os Slavery in the New World (Oxford, 2006, p. 54), onde concluí que Aristóteles teria “uma imensurável influencia na cultura Ocidental”. Mesmo “nos anos 1200s, quando a escravidão estava desaparecendo desde o noroeste da Europa, teólogos Cristãos reviveram e fizeram extenso uso de diversas proposições de Aristóteles.
A teoria de Aristóteles sobre a escravidão criou base sólida para o importante debate na Espanha, em 1550-51, entre Juan Ginés Sepúlveda e Bartolomé de Las Casas, sobre se os Índios Americanos teriam sido criados para serem escravos naturais… E mesmo que seja absurdo culpar Aristóteles por todo o uso de seus escritos, ele eventualmente forneceu base conceitual para a ideologia escravocrata e teorias científicas da inferioridade de raça do século XIX (Davis, p. 57).
A defesa da escravidão de Aristóteles foi baseada na teoria de que alguns povos eram “congenitamente incapazes de raciocínio” e, por isso, eram predestinados por natureza à serem escravos. Esses escravos naturais (certas tribos de “bárbaros”) eram inferiores mentalmente e fisicamente aos Gregos. Povos inferiores somente se adequavam às “tarefas servis da vida”, e portanto, deveriam ser tratados como “artigos animados de propriedade”, bem como animais domésticos eram tratados. É a “Intenção da natureza” que aqueles que “são superiores na bondade” (possuidores de habilidades mentais superiores) “deveriam governar e ser mestres dos seus inferiores”. Ademais, além da escravidão ser justa, na verdade ela beneficia as classes inferiores, visto que ela permite que os escravos participem das habilidades superiores dos seus mestres naturais.
Ayn Rand detesta racismo, ela denomina como uma “maléfica, irracional e moralmente desprezível doutrina” (“Racismo”, em A Virtude do Egoísmo). E escravidão, sem necessidade de se citar, foi um “mal enorme”. Agora, partindo do pressuposto que Aristóteles foi provavelmente o defensor mais influente da escravidão e do racismo na história da civilização ocidental, devemos, nós, concluir que Aristóteles, por si só, era maléfico, irracional e moralmente desprezível? Essa conclusão pode parecer justificada, dado como Rand condena Kant como o “o homem mais perigoso da história da humanidade” (O Objetivista, Sept. 1971), mas não é assim que Ayn Rand avalia Aristóteles. Pelo contrário, ela descreve ele como “filosoficamente um Atlas que carrega toda a civilização ocidental nos seus ombros”. Ela continua “Qualquer progresso intelectual que a humanidade tenha alcançado repousa sobre suas realizações; sempre que sua influência se mostrou dominante, abriu-se caminho para brilhantes eras da história; e quando caiu sua filosofia, assim ocorreu com a humanidade”. (“Avaliação de Aristóteles de Randall”, em A Voz da Razão).
Na avaliação geral de Rand do livro Aristóteles (1960), pelo ilustre historiador da filosofia John Herman Randll Jr, ela teve conflito com a afirmativa “Aristóteles é um defensor do estado de bem-estar social”. Rand responde bruscamente: “Ainda que haja falhas na teoria política de Aristóteles – e há algumas – ele não merece esse tipo de indignidade”.O professor Randall, que salienta que o conhecimento deve assentar em evidência empírica, deve tomar conhecimento do fato empírico que ao longo da história a influência da filosofia de Aristóteles (principalmente da sua epistemologia) nos levou em direção à liberdade individual, da libertação do homem do poder do estado – que Aristóteles (através John Locke) foi o pai filosófico da Constituição dos Estados Unidos da América e por conseguinte do Capitalismo.
De qualquer forma, quando Randall classificou Aristóteles como “um defensor do estado de bem-estar social”, ele estava sendo desnecessariamente modesto. Ao sustentar que o estado é “ambos natural e antecede o indivíduo”, Aristóteles procurou justificar um organicismo político – uma abordagem que Ayn Rand teria classificado como “coletivismo” – que influenciou profundamente Hegel e outros filósofos estadistas. Além disso, a doutrina aristotélica de que o estado cresce naturalmente da família se transformou no principal argumento dos filosófos que, posteriormente, rejeitaram o argumento liberal (como encontrado em Locke e tantos outros individualistas políticos) de que governos legítimos devem ser aterrados no consentimento dos governados.
E, ainda que algumas ideias de estado ideal de Aristóteles sejam menos repulsivas que o totalitarismo puro defendido por Platão, Aristóteles não estabeleceu limites teóricos acerca do poder em ditar a vida dos indivíduos, até os mínimos detalhes. Ernest Barker, um distinto historiador do pensamento político dos Gregos, expõe isso em relação a Platão e Aristóteles: “O limite da interferência do estado nunca surgiu por si só como um problema na concepção deles… a austeridade de platão é famosa, no entanto até Aristóteles poderia definir a idade para casamento e a quantidade de filhos permitidos. Tudo que possúi influência moral pode vir
a sofrer regulação moral” (A Política de Aristóteles, Oxford University Press, 1946, Introduction, p. li). A visão política de Aristóteles é contrária à teoria de governo limitado defendida por liberais individualistas. Em vez de começar com o que é bom para os individíduos e construir sua teoria de sociedade ideal fundamentada nisso (como encontrado nas teorias dos direitos naturais e contrato social), Aristóteles empregou o raciocínio típico coletivista que o bem social é supremo ao indivíduo; e daí ele trabalha retrocesso ao inferir que o que é bom para a comunidade também é bom para os seus membros, qualquer lei que restrinja liberdade individual para o bem da sociedade deve também beneficiar os cidadãos. Consequentemente quando ele propôs leis que deveriam reger um estado ideal, ele não percebeu os seus efeitos na liberdade individual como importantes o suficiente para considerar. Como filósofo que tinha descoberto as condições para uma boa sociedade, ele apenas precisava focar na codificação e aplicação dessas condições em termos de leis coercitivas. Como escrito em uma redação anterior:
“Aristóteles explicitamente repudia a noção de governo limitado que era defendida por alguns de seus contemporâneos. Ele citou o sofista Licofrão quando afirmou que um governo existe “por uma questão de aliança e segurança da injustiça” e que as leis devem servir como “uma garantia para a justiça”. Aristóteles discordou. Em vez de limitar-se à esta função negativa – a aplicaçao da justiça – o estado deveria promover ativamente a boa vida.
A fim de promover a boa vida e manter a ordem social, o estado deve promover virtudes cívicas. Aqueles “que procuram por um bom governo levam em consideração os vícios e virtudes do estado. Onde será inferido que virtude deve ser a manutenção do estado que verdadeiramente necessário.” Essa preocupação com a virtude cívica foi a base para o plano de Aristóteles da cocmpreensão do sistema de educação do estado, explicitamente baseado no modelo Espartano.
Seria difícil super estimar a influência de Aristóteles na defesa do racismo, escravidão e coletivismo político na filosofia, política e cultura Ocidental. Durante séculos as suas doutrinas mantiveram-se como obstáculos para o desenvolvimento das teorias que defendiam a igualdade de direitos e liberdades individuais. MEsmo assim, de acordo com Ayn Rand “Aristóteles é o pai do Individualismo” (Cartas de Ayn Rand, 17 de Abril de 1948). Levou séculos de desenvolvimento intelectual e filosófico para alcançarmos liberdade política. Foi uma longa luta, que se estendeu de Aristóteles à John Locke aos Founding Fathers (fundadores dos Estados Unidos da América). O sistema que eles estabeleceram não foi baseado na regra da maioria ilimitadamente, mas no contrário: nos direitos individuais…” (“Teoria e Prática”, em Capitalismo: O desconhecido ideal, p. 138). Além disso, “tudo o que nos torna civilizados, todos os valores racionais que possuímos é resultado da influência aristotélica” (“Para o Novo Intelectual, p. 23).
É bastante surpreendente que Rand faça reinvindicações como essas, enquanto apaga a perniciosa influência das ideias políticas de Aristóteles. Creditá-lo como pai dos direitos individuais e liberdade política é um absurdo, assim como o são, outras de suas reivindicações, como a simples assertiva que o Renascimento foi a rejieção de Platão em favor de Aristóteles. Como podemos explicar esses graves, na verdade, perversos, lapsos no seu julgamento histórico?
A principal culpa aqui é a crença de Rand que a metafísica de um filósofo e, especialmente, sua epistemología trunfa sobre todo resto, que a sua visão fundamental da realidade e sua teoria do conhecimento irá determinar sua influêcia em pensadores futuros. O “realismo moderado” de Aristóteles (usando a nomeclatura convencional) é essencialmente correto, de acordo com Rand, então, segue-se que a influência de Aristóteles deve ter sido boa, considerando a epistemologia irracional de Platão (e depois, Kant) tenho sido ruins. Como Rand escreveu em uma carta (17 de abril de 1948), “a diferença crucial entre Platão e Aristóteles reside nas suas respectivas Teorias do Conhecimento e nas suas perspectivas sobre a natureza da realidade. Essa é a raiz. Suas éticas, polícitas, etc.., são consequências.” Ou como Rand coloca em Para o Novo Intelectual (p. 23): “Não importa o que remanasce de Platonismo existente no sistema aristotélico, a sua conquista incomparável reside no fato de ele ter definido os princípios básicos de uma visão racional da existẽncia da conciência humana.”
Estranhamento, talvez, a visão de Rand acerca da história da filosofia se assemelha em alguns aspectos à abordagem de Hegel, que viu a história da filosofia como um desenvolvimento inevitável da profunda lógica das ideias, especialmente no campo da metafísica. Para Hegel, a intenção e propósito dos filósofos individuais eram amplamente irrelevantes para a forma como as teorias surgiram das suas premissas metafísicas; foi quase como se a história da filosofia pudesse ser escrita apenas com apenas referências acidentais de filósofos espeçíficos, que eram apenas estações para a inevitável jornada de ideias para suas destinações lógicas. De acordo com Hegel, assim que as ideias filosóficas se objetificam em tradições, cultura, e instituições de uma determinada sociedade, essas ideais irão influenciar profundamente a perspectiva intelecutal dos membros dessa sociedade.
É claro que as similaridades entre Hegel e Rand não devem ser levadas para muito longe disso; um dos motivos (dentro de vários), é que Hegel acreditava no determinismo fisófico do progresso, uma noção absolutamente alheia à maneira de pensar de Ayn Rand. Mas ambos os pensadores eram apaixonados pelo o que podemos chamar apenas de história a priori. Em vez de olhar, o mais imparcial possível, em como as ideias de um filósofo realmente influenciaram outros filósofos, ambos, Hegel e Rand, começaram com a premissa de que certos tipos de ideias – Hegel focado nas ideias metafísica, enquanto Rand mais dedicada à epistemologia – devem, por uma questão de lógica, superar as influências de todas as outras ideias, bem como eles desenvolvem na teoria política. Portanto, se a epistemología racional de Aristóteles não o previniu de defender racismo, escravidão e estadismo, isso só ocorreu porque o próprio Aristóteles não entendeu as implicações da sua própria epistemologia. E se defensores do racismo, escravidão e estadismo foram influenciados profundamente pelas teorias aristotélicas, é porque eles, também, nao entenderam a inconsistência disso com a teoria do conhecimento de Aristóteles. A epistemologia racional de Aristóteles deve ter tido um efeito benéfico na civilização Ocidental, enquanto as suas ideias políticas eram, em efeito, erros não essenciais.
Deve ser dito que Hegel, que era um dos historiadores mais inteligentes da sua era, teve mais sucesso ao realizar sua priori história da filosofia que Ayn Rand. Mesmo que Hegel, as vezes, direcionava sua história da filosofia para encontrar as demandas de suas premissas, ele nunca falsificou registros históricos. Gostaria poder dizer o mesmo de Rand, mas não posso. Sua admiração por Aristóteles, que é justificada em vários aspectos, tirou o melhor dela, as vezes ocasionando em uma distorção dos fatos. Até onde eu sei ela nunca mencionou a defesa do racismo e escravidão de Aristóteles, muito menos a tremenda influência que essa defesa causou em pensadores posteriores. Em vez disso ela reivindicou como “fato histórico que ao longo da história a influência da filosofia de Aristóteles (particularmente sua epistemologia) nos levou em direção aos direitos individuais, da liberação do homem do poder do estado.” Mesmo que isso seja verdade acerca da influência aristotélica, em alguns casos, uma generalização é uma distorção flagrante dos registros históricos.
Existe uma relação lógica entre as teorias epistemológicas de um filósofo e suas teorias políticas? Mesmo que essa conexão seja plausível em alguns casos, quando historiadores ligam a pioneira teoria dos direitos individuais de William de Ockham’s (1287 – 1347) ao seu normalismo (segundo a qual só existem indivíduos), tal relação deve ser decidida caso a caso. Alguns assuntos são tão complexos para admitir vastas generalizações baseadas em priori suposições. Eu devo explorar isso e relatar problemas na minha próxima redação.
Autor: Lucas Canabarro