No dia 03 de setembro, o governo apresentou ao Congresso a PEC 32/2020, intitulada como “Reforma Administrativa”. A proposta de emenda à constituição elaborada pelo Ministério da Economia e assinada pelo Ministro Paulo Guedes é composta por 12 páginas e trata de alterações na organização administrativa da União, estados e municípios e no plano de carreira do funcionalismo público. Nas palavras de Guedes contidas na justificativa do texto, a reforma tem como objetivo conferir “maior eficiência, eficácia e efetividade à atuação do Estado”.
A PEC parece estar de acordo com seus objetivos, porém, como outras reformas apresentadas pela equipe do ministro da Economia, demorou para chegar e chegou com muitas coisas faltando.
O QUE MUDA?
A reforma engloba servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas da federação: União, estados e municípios;
Servidores de carreira típica de Estado (fiscalização, segurança pública, magistratura, entre outros) não poderão exercer qualquer outra atividade remunerada, com exceção aberta às áreas da docência e da saúde;
Fica extinto o aumento salarial de 1% ao ano para servidores de estados e municípios (já havia sido extinto em âmbito federal);
A aposentadoria compulsória não pode mais ser usada como meio de punição;
Cria a possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho;
Limita o tempo de férias de um servidor em 30 dias ao ano;
Impossibilita a incorporação de remuneração por serviços temporários ao salário;
Extingue a licença-prêmio, que dava ao servidor 3 meses de licença a cada 5 anos de trabalho;
Dá mais autonomia ao presidente para extinguir órgãos e entidades (ministérios, autarquias, etc.);
Impossibilidade de pagamento dos chamados “penduricalhos” sem previsão legal;
Proíbe a promoção baseada apenas em tempo de serviço;
Proíbe a redução de jornada sem uma equivalente redução de salário.
O QUE NÃO MUDA?
A reforma só valerá para servidores que ingressarem no serviço público após a promulgação da PEC, os atuais servidores continuam com os mesmos benefícios e remuneração;
Não valerá para os “membros de Poder”: deputados estaduais e federais, senadores, vereadores, juízes, desembargadores, promotores, procuradores e ministros de tribunais superiores (STF, TSE, STJ, entre outros);
A licença-capacitação, licença concedida a servidores que buscam capacitação profissional, permanece inalterada para os servidores atuais e também para os futuros;
A PEC não trata da possibilidade de demissão de servidores em casos de recessão ou crise.
E O QUE TUDO ISSO SIGNIFICA?
Em 2019, o Estado brasileiro gastou 13,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em folhas de pagamento, isto é equivalente a 930 bilhões de reais. A título de comparação, este número é 3,5 cinco vezes maior do que os gastos com saúde no mesmo ano.
Comparação de gastos em % do PIB em 2019. Fonte: Instituto Millenium, via g1.globo.com
E quem está recebendo todo esse dinheiro do pagador de impostos? Segundo dados do “Atlas do Estado Brasileiro 2019”, a média de remuneração salarial dos servidores em 2017 era de R$4,2 mil (enquanto a remuneração média dos trabalhadores da iniciativa privada foi de R$2,4 mil no mesmo período).
Colocando desta forma, não aparenta ser um valor tão exorbitante, afinal, o brasileiro médio provavelmente concorda que R$4,2 mil não parece um salário absurdo para um professor da rede pública, por exemplo, porém, esse professor recebe por volta de R$3.300 reais.
A classe que traz essa média salarial para cima – apesar de compor uma minoria no escopo de servidores – é a alta casta do funcionalismo público: deputados federais, senadores, juízes, procuradores, promotores, ministros de tribunais superiores (STJ, TSE, STF, entre outros). Tais cargos são conhecidos como cargos de poder.
Um juiz federal recebe, em média, um salário inicial de 27 mil reais ao mês. Isso sem contar com uma extensa lista de benefícios, que vão desde um vale alimentação de mais de R$1.600 mensais, até uma “gratificação natalina”, valor extra pago no mês de dezembro. Se você está com a consciência pesada por não ter feito uma boa ação no último natal, saiba que você pagou o presente de mais de 16.900 juízes espalhados pelo Brasil.
Com relação aos deputados federais, o salário é de R$33.763,00, que junto aos benefícios e verbas somam R$182.292,55 ao mês ou R$2.187.510 milhões ao ano. Este é o custo de apenas 1 dos 513 parlamentares da câmara baixa.
E é aí que está a maior falha da proposta do governo, ela não afeta justamente os cargos de poder. Aprovada a reforma da forma como foi apresentada, servidores como professores e assistentes de escritório terão seus benefícios cortados e seu plano de carreira defasado, enquanto um Ministro do STF continuará recebendo um auxílio moradia de mais de R$4 mil, mesmo sendo proprietário de um imóvel.
Bolsonaro e seus apoiadores afirmam que a não inclusão desta alta casta de servidores se deve ao fato de que o governo precisa de apoio político para aprovar a PEC, e não o teria se a proposta incluísse os próprios parlamentares que a votariam. Simplificando, o motivo seria o fato de que o governo não teria força de articulação para aprovar a “reforma ideal”.
Como parece acontecer cada vez mais nos últimos meses, o Presidente se contradiz ao fazer tal justificativa. Ao contrário do prometido em campanha, Bolsonaro vem loteando cargos em seu governo com indicados do “centrão” em troca de apoio no congresso, sendo um dos exemplos mais escrachados a indicação feita pelo cacique político e réu na lava jato, Ciro Nogueira (PP) à presidência do FNDE, órgão que controla um orçamento de quase 54 bilhões de reais, destinado à educação.
Marcelo Lopes da Ponte, ex-acessor de gabinete do Senador Ciro Nogueira (PP) e presidente do FNDE, nomeadopor Jair Bolsonaro (foto: O Globo).
Este é apenas um dos cargos preenchidos por indicação do “Centrão” no governo Bolsonaro. Segundo o site: centrometro.mbl.org.br, tais indicações de caciques políticos já controlam quase R$79 bilhões do orçamento, além de altos salários que giram em torno de R$15 mil por mês.
Todo esse controle sobre o dinheiro do pagador de impostos por pessoas desqualificadas e indicadas pelo único motivo de serem apadrinhadas de algum partido ou indivíduo com alta influência política deveria servir para que o governo pudesse aprovar reformas liberais, como a reforma administrativa, que implica em grandes mudanças na máquina estatal, mas que é de extrema importância.
Além disso, a reforma foi apresentada com quase um ano de atraso da data prometida. Bolsonaro foi eleito e em uma maré de descontentamento com a velha política, com o seu nome elegeu mais de 50 deputados federais (isso se apenas contarmos os que se elegeram pela mesma legenda) e iniciou seu mandato com um grande apoio popular – tão grande que foi aprovada a reforma da previdência, cujo debate foi muito mais inflamado e polarizado do que o que é esperado para a reforma administrativa.
Porém, com o passar dos meses, as polêmicas se acumularam, seus filhos, seguidores, e suas próprias ações e falas traziam cada vez mais instabilidade em seu governo. Depois da rachadura com o PSL, a indicação de Augusto Aras para PGR, o mal combate à pandemia e a saída de Moro do governo, Bolsonaro chegou a níveis de apoio criticamente baixos e só conseguiu impedir que tudo desmoronasse para si e sua família por conta de medidas populistas e de suas novas alianças político-partidárias.
Todos esses fatos desgastaram a imagem do governo, que continuava a adiar a reforma administrativa prometida. Ela acabou vindo muito tarde e muito branda, e se nos basearmos na reforma da previdência, ela ainda vai ser muito desidratada enquanto tramitar pelo Congresso.
Também como na reforma da previdência, podemos esperar pouca ajuda na articulação para aprovação no Legislativo por parte do Executivo como um todo, e muito menos por parte do próprio Presidente, afinal ele mesmo faz parte do alto funcionalismo público a 31 anos, tempo em que sempre lutou por pautas corporativistas e sindicalistas, junto com seus parentes e amigos, loteando gabinetes e sempre tentando achar mais uma “boquinha” e um privilégio para a sua classe, como manda o rito da velha política brasileira.
CONCLUSÃO:
A reforma administrativa é um retrato do governo Bolsonaro, decepção e promessas vazias. A falta de interesse e vontade política trouxe uma PEC que trata apenas do mínimo para que possa ser chamada de “reforma”.
Ela só reforça o sentimento de que os livros de Chicago do Ministro Paulo Guedes acumulam poeira na estante, enquanto fica claro que o liberalismo no governo não passava de discurso eleitoral.
No que depender deste governo, o trabalhador da iniciativa privada continuará sustentando os auxílios e licenças e super salários daqueles que pouco produzem, mas muito atrapalham.
Fontes:
https://www.institutomillenium.org.br/salario-de-servidor-consome-3-5-vezes-o-gasto-com-a-saude/
https://centrometro.mbl.org.br/
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