O sistema previdenciário atual está produzindo um verdadeiro rombo nas contas públicas. É preciso orientar a todos sobre a gravidade dessa situação a fim de diminuir os obstáculos para a aprovação da proposta de reforma que tramita pelas casas legislativas, apesar de que muita desinformação sobre o assunto seja fabricada pelos mais variados grupos de interesse. São mitos que não subsistem diante da realidade dos fatos, que perdem seu valor diante de informações fiscais concretas e de gráficos de conteúdo alarmante sobre o déficit que se acumula. Fernando Henrique Cardoso, LulaDilma e Temer nunca negaram a existência do problema enquanto eram governo, ainda assim há várias entidades e bancadas políticas hoje que se articulam vendendo ilusão aos desavisados e trazendo o debate para a esfera ideológica.

      O desenho do problema é tão preocupante que, só entre os meses de janeiro e fevereiro de 2019, o déficit acumulado foi de R$ 44 bilhões, o suficiente para quase cobrir o dobro do valor equivalente ao gasto total com a copa de 2014 no Brasil78% do PIB brasileiro é dívida, e se não aprovarmos a Reforma esse número vai passar rapidamente dos 100%. Sem uma mudança nas regras da Previdência, o governo federal corre o risco de se tornar uma entidade pagadora de aposentadorias e pensões, obrigando que mais impostos sejam criados e acentuando o endividamento do país. Todo o custo do prejuízo previdenciário poderia estar sendo destinado ao investimento do Estado na segurança pública, na saúde e na educação. Contudo, o governo não pode simplesmente deixar de pagar os aposentados, por isso a importância de se refazer as regras e cortar os inúmeros privilégios que fazem do sistema de previdência brasileiro um motor de injustiça social.

      Junto com as generosas regras de acesso a pensões e aposentadorias por grupos privilegiados, temos o processo de envelhecimento da população brasileira como uma das causas do problema previdenciário. Basicamente os idosos estão vivendo mais enquanto a taxa de natalidade diminui, afunilando a pirâmide etária e inviabilizando o nosso atual modelo de repartição, que é um esquema no qual as pessoas economicamente ativas (trabalhadores) financiam as inativas (crianças, idosos e incapacitados). Vale mencionar que nenhuma outra nação demograficamente parecida com o Brasil gasta tanto com previdência como nós, a prova de que somos um país que investe muito mais em velhos do que em crianças. Importante deixar claro, também, que o cálculo da previdência não é feito a partir da expectativa de vida das pessoas, mas sim baseado na sobrevida. A sobrevida diz respeito a quanto tempo a pessoa vai sobreviver a partir do momento que obter o direito de se aposentar, enquanto a expectativa de vida leva em conta toda a trajetória de vida da média da população, compondo nesse cálculo os 60 mil homicídios anuais, os índices de mortalidade infantil e as demais categorias de óbitos. É preciso fazer essa distinção para evitar cair em explicações mentirosas sobre o funcionamento da Previdência e do porquê uma reforma dela se faz urgente.

      O pesquisador do IPEA –  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Luís Henrique Paiva elaborou um exemplo bastante interessante para caracterizar a desigualdade de regras de aposentadoria no Brasil. Ele fala do “princípio do pedreiro e da advogada”, comparando um dos trabalhos de maior dificuldade, de alta insalubridade, desprestigiada e de salário baixo com o ofício de um profissional do direito, que dispensa esforço físico. No caso do pedreiro (e também no caso dos mais pobres de outras categorias), ele geralmente está sujeito à aposentadoria por idade, obtendo esse direito aos 65 anos, ao passo que a advogada, contribuindo por 30 anos  ininterruptos, consegue se aposentar com 52. Deveria ser do entendimento de todos que é imoral pessoas saudáveis e que não foram submetidas ao mesmo padrão de trabalho de um pedreiro se aposentarem antes desse profissional. Na previdência brasileira sempre houve idade mínima para a maior parcela da população, a parcela pobre que tem trajetória incerta no mercado de trabalho, com longos períodos de desemprego e que não consegue juntar os 30 anos de contribuição. A Reforma da Previdência deve ser a garantia de que todos se aposentem pelo menos com a mesma idade do pedreiro.

      Duas principais objeções de quem ainda não se convenceu da necessidade da reforma são os montantes de dinheiro das empresas devedoras que não chegam ao governo brasileiro e a questão da corrupção que depreda o país. Para nosso azar, as maiores devedoras são firmas falidas, como a tríade da aviação brasileira Varig, Transbrasil e Vasp. E mesmo que se cobre das empresas operantes tudo que devem, suas dívidas não quitam sequer um ano do buraco criado pelo rombo da previdência. Reduzir a corrução também não ajuda a resolver o déficit sozinho porque esses dois problemas são de ordem de grandezas bem diferentes, tendo de se considerar que a cada mês que se passa o déficit da previdência junta o valor correspondente ao dobro de todo o dinheiro recuperado pela LavaJato.

      Para reformar a Previdência é preciso acabar com a série de privilégios que foram gravados no texto constitucional brasileiro. Antes de defender aposentadoria especial para determinada categoria, como para os auditores fiscais, sempre é sensato colocar na balança o trabalho penoso do pedreiro, que é praticamente obrigado a trabalhar até os 65 anos para receber o valor de um salário mínimo de aposentadoria. É difícil defender casos específicos quando se está ciente da jornada de um trabalhador braçal, especialmente num quadro previdenciário onde os maiores beneficiários se aposentam antes e vivem por mais tempo. Os privilégios da elite do funcionalismo público precisam ser atacados, o regime de previdência especial dos servidores precisa se adequar à realidade, estabelecendo idade mínima assim como é para aquelas pessoas de trabalho duro que se aposentam 10 anos depois de um auditor fiscal. O regime da iniciativa privada por tempo de contribuição também precisa se ajustar à realidade contábil do país. Além do Brasil, apenas 12 países do mundo não possuem idade mínima de aposentadoria por tempo de serviço, entre eles Síria, Iraque e Arábia Saudita. Paulo Tafner, um dos maiores especialistas em previdência no Brasil, declarou certa vez que “é até legítimo defender um tratamento diferente de sua categoria, o que não cabe é você se dizer contra a Reforma da Previdência porque está defendendo o pobre, porque você não está. Você está defendendo a manutenção do enorme abismo social e da enorme transferência de renda de pobre para rico no país”.

      Não há escapatória. A Reforma da Previdência é a mãe das reformas e sem ela o Brasil estará dando continuidade a um esquema insustentável de transferência de renda traiçoeiro. O aumento da despesa previdenciária colocará mais restrições ao crescimento da economia brasileira no futuro, chegando a um ponto em que só sobrará dinheiro para pagar dívidas e, como consequência inevitável, o Estado será incapaz de realizar novos investimentos em áreas essenciais sem que aumente a carga tributária. O crescimento da população, as aposentadorias e pensões especiais e a generosa vantagem para quem consegue se manter inserido no mercado de trabalho por tempo ininterrupto fazem da Previdência Social a representação perfeita da estrutura de desigualdade montada no país para sujeitar os mais pobres ao ônus de sustentar o estado brasileiro nas costas. Resta desarmar a bomba-relógio da Previdência antes que seja tarde.

 

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