Por Ana Alice Chaves.

 

Há mais de um ano, a realidade assemelha-se cada vez mais às ficções distópicas de George Orwell. Mergulhamos em um novo normal, onde governantes passaram a deter poderes absolutos, que lhes asseguram legitimidade para tomarem decisões personalíssimas em nome dos indivíduos e em prol de um suposto bem estar coletivo. Em março de 2020, a população caiu pelo discurso “vidas primeiro, a economia a gente vê depois” e agora, o “depois” chegou para explicar, de uma vez por todas, que saúde e economia não andam separadamente: ao sacrificar uma, prejudica-se automaticamente a outra.

Se ter de lidar com um novo vírus em circulação já é um desafio, o intrometimento do Estado conseguiu transformar isso em uma catástrofe. A paralisação econômica fez com que mais de 520 mil empresas encerrassem suas atividades no país devido, única e exclusivamente, às medidas tomadas durante a pandemia. Isso acarretou taxas recordes de desemprego e reduções abruptas nos vencimentos. Trabalhadores informais, que representam quase metade da população, sofreram com diminuição de 40% em sua renda. Já os trabalhadores formais, mesmo com queda de 20% em seus salários, veem-se obrigados a agradecer por, pelo menos, terem mantido seus empregos. 

Claro que para uma casta, que goza de estabilidade empregatícia, da garantia de receber seu salário integral todo o mês e de uma população inteira disponível para saquear e satisfazer sua ganância, fica fácil elencar quais serviços e atividades merecem continuar funcionando. Essa epidemia de decisões, favoráveis apenas aos interesses políticos, fez com que o Brasil voltasse a ser um dos epicentros da fome e que a desigualdade social (já astronômica) aumentasse ainda mais. Enquanto a casta continua aproveitando seu prato de lagostas no jantar, 10,3 milhões de brasileiros estão vivendo em situação de insegurança alimentar grave (aumento de 43,7% em relação à 2018). 

O que iniciou como duas semanas de isolamento para achatar a curva, se transformou em um ano de supressão das liberdades individuais. Governantes, com seus poderes ilimitados, passaram a definir quais comportamentos, quais produtos e, em última instância, quais indivíduos são “essenciais” ou “não essenciais”. Essa atitude ataca não apenas os direitos intrínsecos aos seres humanos, indo de encontro à ética e à moral, como também atinge os direitos positivados garantidos pela Constituição Federal. 

Do ponto de vista legal, o artigo 5º da CF/88, a liberdade de locomoção dentro do território brasileiro (direito de ir e vir) é elencada como direito fundamental de primeira dimensão. Ou seja, a obrigação do Estado é a de não intervir como forma de proteger a autonomia pessoal mediante eventuais arbitrariedades cometidas pelo mesmo. 

Contudo, no Brasil, nem mesmo os direitos fundamentais podem ser considerados absolutos.

No texto do art. 139, é estabelecido que durante o estado de sítio poderá haver obrigação de permanência em determinada localidade e, no art. 27 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, é afirmado que em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado, é possível adotar disposições que, pelo tempo estritamente limitado às exigências da situação, violem tais direitos convencionados. 

Entretanto, convém salientar que não estamos vivenciando nenhuma das hipóteses citadas anteriormente. Recentemente, foi decretado pelo Congresso Nacional estado de calamidade pública, e juristas – principalmente aqueles que ocupam as cadeiras do Supremo Tribunal Federal – realizaram malabarismos para que as imposições de lockdown possam parecer legais e proporcionais nesse caso, mas a Constituição é clara: estado de calamidade não é prerrogativa para o Estado intervir nos direitos de primeira dimensão.

Ademais, vale salientar que direitos positivados não são nada além de palavras proferidas por políticos escritas em um papel e, nesse ponto, nem é preciso afirmar que não se pode confiar na palavra dessa casta. Essas garantias podem ser facilmente tiradas da população, pois dependem exclusivamente do interesse do Leviatã. O que se está vivenciando (nós estamos) nesse período comprova exatamente isso: não importa o que foi escrito, a interpretação pode ser qualquer uma. 

Em contrapartida, os direitos naturais nascem da condição humana e são independentes da sua vontade, por isso, encontram-se acima das normas positivistas. Os juspositivistas, antes mesmo da chegada do vírus, já tendiam a ignorar esses princípios, porém a situação atual agravou esse cenário, fazendo com que as garantias jusnaturais fossem brutalmente sufocadas de maneira constante.

Segundo os burocratas, comportamentos como sair de casa, conviver com a família, encontrar amigos e, até mesmo, trabalhar, não são fundamentais para a sua vida. Ao determinarem tamanhas imposições, revelam a magnitude da soberba que os habita. Esses sujeitos são dotados de uma arrogância tão elevada, que acreditam conseguir substituir a autonomia do indivíduo por sua classificação arbitrária e, ainda por cima, afirmam que ao fazerem isso estão os ajudando – como se roubar a liberdade de alguém fosse uma forma de caridade. Sendo assim, a falta de ética dessas restrições são ainda mais nocivas à sociedade do que a ilegalidade delas, pois pressupõe que a decisão estatal é superior à civil, ferindo a essência humana. 

Quando o poder de decidir o que é necessário para a sobrevivência passa a ser exclusivo do Estado, os cidadãos perdem sua característica nata de seres sencientes e dotados de racionalidade, visto que começam a ser considerados meros animais irracionais. Com isso, tornam-se rapidamente propriedade do próprio agente público e, nesse momento, cabe ao político decidir como cada um desses sujeitos deve se comportar. Assim, ocorre uma divisão social em que poucos conseguem ter a chance de continuar prosperando, enquanto a maioria é deixada à míngua; a máquina continua espoliando-os, preocupada apenas em manter aquilo que é necessário para que as engrenagens continuem funcionando: tomar a riqueza alheia, convertê-la em privilégios para si e entregar migalhas à plebe para que, no próximo mês, consiga roubá-la novamente. 

Esse sistema cruel não prejudica a nação apenas no âmbito econômico, como gostam de afirmar, pois há restrições de direitos essenciais para manter-se saudável e, inclusive, vivo – não é à toa que relatórios da OMS apontam aumento drástico nos casos de transtorno de ansiedade, de depressão e de propensão ao suicídio, nesse último ano. Apesar disso, grande parte dos brasileiros ainda se curva aos ímpetos políticos, afinal caíram na falácia de que as políticas públicas não estão funcionando porque seu vizinho é irresponsável, não porque os governantes são incompetentes e preferiram gastar mais dinheiro com o funcionalismo do que na saúde. O medo instaurado faz com que as pessoas abram mão da liberdade por acreditarem que receberão segurança em troca, mas no fim acabam ficando sem as duas. 

Você é essencial. Comunidades, empregos, hobbies e vidas cotidianas e a normalidade da vida cotidiana são fundamentais para a sobrevivência e a prosperidade, independentemente da decisão de qualquer governante. É preciso escolher não ter medo e lutar pela liberdade pois, em essência, ela é a sua própria vida. 

Transferir a responsabilidade de escolha individual a um grupo seleto é indefensável, cada um deve ser responsável pela realização de suas próprias escolhas. Proibir que pessoas se encontrem e possam circular livremente, ou então negar a possibilidade do sujeito criar valor, o impedindo de trabalhar, é um ataque direto à própria vida. 

Não importa se é em nome da saúde ou da economia, a liberdade individual é inegociável.

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