São frequentes as alegações de que não existe verdadeira liberdade no capitalismo, especialmente em um sistema economicamente liberal. As pessoas não são livres – dizem eles – “Porque se não trabalharem, irão morrer de fome. Não têm liberdade, porque as propagandas as obrigam a comprar produtos que elas não querem e não precisam. A liberdade é meramente aparente, porque todo mundo é obrigado a ter dinheiro. Você já tentou ir a algum lugar sem dinheiro?”.
Todas essas críticas são resultado de uma má compreensão ou desconhecimento do que a liberdade realmente significa. Liberdade não é “algo”, no sentido de que “se sou livre, eu tenho a capacidade de fazer alguma coisa”. Liberdade é, antes de qualquer outra coisa, a ausência de algo: isto é, a inexistência de coerção. A coerção é, de acordo com a definição típica de qualquer dicionário, obrigar alguém, por meio da força, intimidação ou ameaça, a fazer algo que essa pessoa não quer. O direito à liberdade, portanto, consiste no direito a não sofrer coerção, dado que não há nenhum argumento racional que justifique que alguém possa fazer o contrário: coagir outra pessoa de maneira impune. A esfera da autonomia do indivíduo que não interfere nos direitos de outro deve ser sempre respeitada e jamais coibida por qualquer tipo de autoritarismo, pouco importando qual o objetivo de tal coerção.
Portanto, é importante a compreensão de que a liberdade para fazer algo (ou expressando de outra maneira: não ser coagido a não poder fazer) não significa ter o poder para fazer isso. Um simples exemplo pode esclarecer isso: o homem é livre para voar? Alguns vão dizer que não, porque, devido às limitações impostas pela natureza, não temos a capacidade de levantar voo e sair voando. Só que essa ausência de liberdade não é uma coerção imposta por outra pessoa, mas sim pela própria natureza e pelas leis da física. Não é verdade que eu não possa voar porque alguém está me agredindo e violando a minha vida, a minha liberdade ou a minha propriedade, tampouco porque estejam apontando uma arma para mim e me ameaçando de sofrer represálias caso eu voe. Não há nenhuma coerção humana envolvida no ato de eu não poder levantar voo. Portanto, o problema em si não é a ausência de liberdade, mas sim a inexistência de capacidade e poder para poder voar. Dito isso, ficará mais fácil compreender porque são falsas as acusações de que não há liberdade no capitalismo.
Vamos começar por aquela que provavelmente causa mais impacto. Há algo mais cruel do que a ideia de que “se não trabalharmos e não obedecermos ao capital” nossa única opção é passar fome, virar mendigo e talvez até mesmo morrer de inanição? Só que é crucial a compreensão de que, na verdade, nenhuma pessoa nos obriga a trabalhar. Não passamos fome porque alguém tem o poder de provocar fome na gente. É a natureza que obriga cada ser vivo, de cada espécie, a encontrar alguma maneira de sobreviver, porque a energia que nos mantêm vivos não vem “do nada”.
Imaginemos o náufrago Robson Crusoé sozinho em uma ilha no meio do oceano. É impossível a existência de qualquer coerção humana. Não há ninguém para forçá-lo a trabalhar, e não há ninguém para ele coagir a fazer alguma coisa. Sobre todos os aspectos, Crusoé é completamente livre.
E mesmo assim, ele é obrigado a trabalhar. Se não dedicar várias horas do seu dia plantando, caçando animais selvagens, coletando frutas silvestres ou pescando peixes, ele não terá o que comer, e simplesmente morrerá de fome. Precisa encontrar matéria-prima para edificar um abrigo, montar uma fogueira, construir ferramentas e elaborar roupas. Se ele não trabalhar constantemente, simplesmente perecerá.
Mas não há ninguém obrigando Robson a trabalhar. Não há como haver coerção. A única coerção que existe é tão e simplesmente a implacável coerção das leis da natureza. Em uma sociedade livre, são elas que obrigam as pessoas a trabalharem, e não “o sistema”. Nunca foi decidido que ninguém tem o poder de criar recursos do além, e ninguém alguma vez escolheu que a consequência do ato de não trabalhar é a pobreza e a penúria, ao invés da abundância e da fartura. Mas uma vez que esse é o estado natural das coisas, cada um é responsável e livre para encontrar o meio de sobrevivência que mais acha adequado para si (desde que não envolva o uso de coerção).
Para as pessoas que dizem “nenhuma pessoa deveria ser obrigada a trabalhar”, eu pergunto: então como todos os indivíduos irão obter os recursos de que necessitam para sobreviver? Não pode ser por meio de doações e voluntarismo, porque se alguém recebe um bem, ainda que voluntariamente, outra pessoa tem que trabalhar para poder fornecer isso. É impossível um sistema onde todo mundo só ganha sem ter que oferecer algo em troca.
A outra opção de sustentação que não seja por meio do trabalho ou das doações é o roubo. Alguém pode viver ganhando recursos provenientes da espoliação ilegal (assaltos, extorsões, escravidão, etc.) ou da espoliação legalizada (impostos). Mas algo tem que ser produzido para que possa ser roubado. Assim, mesmo em uma sociedade em que alguns roubam de outros ou todos roubam de todos, a espoliação e a própria sobrevivência da humanidade só podem existir conquanto alguém, em algum lugar, esteja produzindo e trabalhando.
É um fato inegável e implacável: para que os indivíduos possam viver e prosperar, eles precisam de coisas básicas, como comida, água, moradia, um mínimo de conforto, etc. E para que isso seja possível, alguém tem que plantar a comida, transportá-la até as pessoas, construir sistemas de tratamento e encanamento d’água, projetar e montar casas, extrair matéria-prima, fabricar ferramentas e muito mais. Se todos parassem de trabalhar, na verdade, isso simplesmente significaria que em alguns dias toda a humanidade estaria morta por inanição. Portanto, a questão não é se “existe algum sistema econômico em que as pessoas não precisem trabalhar?”, mas sim “Uma vez que, para a nossa própria sobrevivência, a natureza nos obriga a trabalhar, como será definido quem fará isso?”.
O capitalismo liberal é a organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, na ausência (ou presença mínima) de coerção, nas trocas mutuamente benéficas e nos contratos concordados por ambas as partes. E é simplesmente o meio mais eficaz que a sociedade já descobriu, ao longo de toda a sua história, para garantir a liberdade individual e diminuir o impacto negativo que as leis da natureza impõem sobre a gente. As nossas necessidades físicas podem nos obrigar a trabalhar, mas, em nível de sociedade, não há nenhuma coerção.
Temos a liberdade de estabelecer contratos de trabalho com qualquer um que esteja disposto a nos empregar, em qualquer ocupação. Seja como funcionários ou empreendedores, ganharemos uma recompensa de acordo com o valor da riqueza que acrescentamos na sociedade. A especialização do trabalho, a acumulação de capital e os investimentos permitiram tamanho aumento de produtividade nos últimos 200 anos que mesmo trabalhando menos, nós produzimos mais recursos e riqueza, temos uma maior qualidade de vida e mais tempo para lazer e descanso. Mesmo as pessoas que não tem capacidade física para garantir a sua sobrevivência (crianças, inválidos, deficientes, doentes, aposentados, órfãos) são amplamente amparadas pelas instituições voluntárias da sociedade civil: famílias, ONGs, centros de caridade, doações, associações, filantropias, orfanatos, igrejas, asilos, etc., ao invés da caridade forçada do governo, burocrática, cara e menos eficiente.
Certamente é um sistema muito melhor do que qualquer ideologia que prometa que “as pessoas não trabalharão se não sentirem vontade”. O idealista socialdemocrata pode vislumbrar uma sociedade em que “quem não tiver vontade de trabalhar, irá ganhar uma renda mínima distribuída pelo governo”. Mas esse arranjo só é possível conquanto apenas um seleto grupo de pessoas receba esse privilégio ao custo do resto da sociedade. Embora alguns não precisem mais produzir, ainda assim alguém em algum lugar está sendo extorquido para sustentar outrem. Se todos simplesmente cruzassem os braços e proclamassem “queremos a renda mínima!”, todo o arranjo social desmoronaria em pouco tempo. Então, sim, alguém tem que trabalhar.
Outra alternativa: a planificação e a estatização de todos os setores produtivos da sociedade, visando à eliminação das desigualdades e das classes sociais. Tudo passa a ser controlado pelo estado e pelos burocratas, tal como ocorreu na URSS, na China, em Cuba, em Moçambique e em outros países da África, Ásia e Europa Oriental. Dificilmente alguém se atreveria a dizer que a planificação resultou ou no futuro poderá resultar em “liberdade de trabalhar”. Uma vez que as pessoas passaram a ter consciência de que, não importando a quantidade de riqueza e valor que criassem, elas simplesmente ganhariam o mesmo do que todo mundo (na verdade, muitíssimo menos do que os ditadores e os burocratas), sua primeira reação foi simplesmente parar de trabalhar ou trabalhar menos. Para que se esforçar mais, afinal de contas? Não fará diferença.
Mas esses regimes foram implacáveis: para que a economia não fosse à falência, deveriam fazer as pessoas voltarem a trabalhar. A solução foi simplesmente usar o poder da coerção e da violência para que isso acontecesse. Ou você trabalha para o governo, na ocupação que nós escolhermos com a renumeração que nós quisermos, ou simplesmente sofrerá consequências dramáticas, como prisão ou fome. Sobre todos os pontos de vista, a liberdade deixou de existir. No capitalismo você era obrigado a trabalhar, mas poderia escolher o seu emprego, negociar, empreender, trocar de profissão e fazer qualquer coisa, desde que tivesse capacidade e poder para tal. Agora, continua sendo obrigado a trabalhar, mas não há nenhuma opção de escolher qual será seu meio de subsistência e a sua tarefa produtiva. Como o próprio Leon Trotsky escreveu:
Num país em que o único empregador é o estado, oposição significa morte lenta por inanição. O velho princípio “quem não trabalha não come” foi substituído por outro: “quem não obedece não come”
Mas há outras possibilidades, que não exigem a existência de um governo. São os modelos anarquistas, como o anarco-sindicalismo e o anarco-comunismo. Mas mesmo em uma sociedade baseada na autogestão dos operários, na democracia direta e na abolição da propriedade privada também enfrenta o problema citado anteriormente: alguém tem que trabalhar para produzir a comida, os utensílios, os bens, etc. Se são cooperativas de trabalhadores ao invés de funcionários do estado ou empresários e empregados, isso não muda a natureza do fato de que a liberdade de não trabalhar continua sendo uma utopia.
Imaginemos uma situação hipotética em que um saudável operário de um sindicato ou o fazendeiro de uma cooperativa simplesmente cruza os braços e diz para os seus camaradas: “Não quero mais trabalhar, pois acho isso muito cansativo. Mas quero continuar recebendo comida, água, moradia, roupas, remédios, transporte, livros, viagens e tudo que todos têm direito”.
Qual seria a reação dos seus colegas? Provavelmente achariam ultrajante alguém se achar no direito de não fazer nada e continuar recebendo os mesmos benefícios de quem trabalha o dia inteiro. Na certa, negariam essas benesses, com a “chantagem” de que para recebê-los ele deveria voltar a trabalhar em prol do bem comum. Ou seja, ou ele trabalha, ou passa fome. Ou talvez seus colegas tivessem uma compaixão tão grande que dissessem “Está bem, você pode continuar recebendo tudo o que nós recebemos, mas não precisa mais trabalhar”. Nesse cenário improvável, logo todo mundo pensaria “Bem, se é assim, então não vou querer trabalhar também”, e não tardaria até que todos abandonassem o barco e começassem a passar fome pela escassez de recursos. Ver-se-iam forçados a trabalhar novamente caso não quisessem morrer.
Resumindo: não é uma exclusividade do capitalismo as pessoas terem que trabalhar para sobreviver. Na verdade, é algo inerente a todo e qualquer sistema econômico. Claro que existem os críticos que pensam que, se somos forçados a trabalhar, que seja para a sociedade ou para os pobres, ao invés de ser um “burro de carga explorado pelos patrões”. Como esse é outro assunto, e que foge do escopo desse artigo, me limito a indicar dois artigos sobre esse tema, aqui e aqui.
Outro caso de confusão entre liberdade e poder: “mesmo que não existissem burocracias e regulamentações, ainda assim não haveria livre-mercado, porque as pessoas não tem a liberdade de abrir uma pequena empresa sem que ela vá à falência por causa da concorrência das grandes corporações”. Se as pequenas empresas conseguem prosperar em ambientes com concorrência de grandes companhias, essa por si só é uma afirmação um tanto quanto questionável, por causa das infinitas possibilidades de inovação e atendimento de nichos de mercado. Todavia, essa é uma questão que não está dentro do escopo desse artigo. Mas digamos que, hipoteticamente, haja diversos setores econômicos onde a entrada de microempresas é quase que financeiramente impossível, pelos motivos mais diversos possíveis.
Seria essa então uma falsa liberdade econômica? Certamente que não. Por liberdade, entende-se que qualquer um pode vender o que quiser para quem quiser e pelo preço que achar melhor, desde que a outra parte concorde voluntariamente com a compra. A coerção ocorre quando os consumidores são obrigados a comprar de alguém ou proibidos de comprar de outro. Ou então, quando os vendedores são coagidos a venderem para uma determinada pessoa ou impedidos de negociarem com outra.
Quando uma pequena empresa não consegue concorrer com uma grande, em geral, é porque seus preços são mais caros. Essa é apenas outra maneira de dizer que os consumidores tem a liberdade de escolherem de quem irão comprar, e preferem aquele que tenha o preço mais baixo. Não há nenhuma coerção nesse processo. Em nenhum um momento o pequeno comerciante foi impedido de empreender, ele apenas não teve o número de clientes que necessitava. Então ele não tem o poder de conseguir fazer os seus produtos ficarem mais baratos e se manter no mercado, mas isso não significa que ele não tenha a liberdade para fazer isso.
Outra crítica da ideia de liberdade está relacionada ao dinheiro. Supostamente, somos escravos dele. Precisamos de dinheiro para tudo. Como poderia haver liberdade, se ela é condicionada a um simples pedaço de papel inútil? Quando vamos perceber que o dinheiro não pode ser comido, que isso não tem valor nenhum? Até quando seremos obrigados a ganhá-lo?
Tal ideia só pode ser sustentada por alguém que desconheça profundamente o que é e qual é a função do dinheiro. Dinheiro nada mais é do que um meio de troca. Ao longo da evolução da história da humanidade, o dinheiro surgiu espontaneamente nas sociedades. Ele é infinitamente mais prático de fazer trocas do que por meio do escambo (mercadoria por mercadoria). A sua vantagem é que pode ser guardado, transportado, não se deteriora, serve como medida de valor das coisas e, o mais importante, é aceito universalmente como pagamento de transações financeiras.
É apropriado dizer que o dinheiro é uma convenção social. Uma barra de ouro ou uma nota de papel não tem nenhum valor intrínseco em si, a não ser a confiança das pessoas de que poderão trocar essas notas por bens e serviços. E é justamente por causa dessa confiança, não obstante as alegações dos anticapitalistas, que o dinheiro está muito longe de ser inútil. Na verdade, é uma enorme contradição o comunista que diz que o dinheiro é inútil e não pode ser comido, mas carrega notas e moedas na carteira. O simples fato de ele aceitar dinheiro como pagamento dos seus serviços não apenas reforça a convenção social desse meio de troca, como também é a prova de que ele acredita que alguma pessoa, em algum lugar do mundo, irá aceitar esse pedaço de papel em troca de um bem ou serviço. De repente ele já não parece tão inútil assim.
Portanto, dado que o dinheiro é apenas um meio de troca, é completamente errôneo dizer que as pessoas não são livres porque são “escravas do dinheiro”. Raros indivíduos tem dinheiro apenas pelo prazer de ter dinheiro. Eles o almejam porque sabem que é um meio para um fim (a aquisição de bens ou pagamento de serviços). O capitalismo não obriga ninguém a ter dinheiro. Qualquer um é livre para não comprar nada de ninguém, ou se o fizer, apenas por meio de escambo. Só que por causa do alto grau de especialização de trabalho da nossa sociedade, pouquíssimas pessoas são autossuficientes, ao ponto de plantarem sua própria comida, construírem sua própria casa e produzirem tudo de que necessitam. A grande maioria precisa fazer trocas com os outros, por uma simples questão de sobrevivência – os seus melhores esforços em troca dos melhores esforços dos outros.
O capitalismo nos obrigaria a ter dinheiro se todos os dias alguém apontasse uma arma para nós e dissesse “ganhe dinheiro agora”. Mas isso nunca acontece, pois somos nós mesmos que o almejamos. E fazemos isso não porque queremos o dinheiro em si, mas sim as coisas que podem ser trocadas por ele, como comida, bebida, roupas, utensílios, educação, saúde, carros, móveis, apartamentos, computadores, celulares e outras tantas possibilidades. Você tem, sim, a liberdade de deixar de utilizar dinheiro, mas não pense que as outras pessoas tem qualquer obrigação de lhe dar algo se você não oferecer nada em troca para elas.
Não é porque todo mundo usa o dinheiro como meio de troca universal que as pessoas não têm liberdade. É mais apropriado considerar que, dado que o dinheiro surgiu de maneira espontânea ao longo da história, ele é justamente uma consequência de termos liberdade. Foi uma criação tão benéfica, que praticamente ninguém pensou em não desfrutar dela. Ainda temos a liberdade de não concordar com essa convenção social, mas tomar tal atitude seria tão pouco prático que isso sequer passa pela cabeça da maioria das pessoas.
Por fim, a última crítica que tratarei é a mais ampla de todas, embora um tanto quanto inexata: “Não somos livres no capitalismo, porque o sistema determina o nosso modo de viver, pensar e agir”. A mídia nos controla, as propagandas nos obrigam a consumir coisas que não queremos, somos forçados a ter uma rotina programada e ingressamos no mercado de trabalho sendo inteligente o bastante para trabalhar, mas sem se questionar por que se faz isso.
Mas partindo-se do pressuposto de que o nosso comportamento é controlado, ou no mínimo alterado, pelas “grandes corporações, mídias e propagandas”, fica o questionamento: ele deveria ser influenciado pelo que? Cada pessoa, de seu nascimento até a sua morte, é influenciada e tem suas ideias e opiniões formadas por fatores incontáveis e de magnitudes incalculáveis. Família, amigos, professores, acontecimentos pessoais, livros, filmes, eventos inexplicáveis e todo tipo de coisa.
Nesse processo, inevitavelmente, seremos influenciados não apenas por propagandas e notícias, mas também por todas as pessoas e todos os acontecimentos à nossa volta. Talvez alguém queira comprar uma Harley Davidson porque quando era criança, viu ela em vários filmes. Ou defenda a pena de morte porque é o que o jornalista comenta todos os dias na televisão. Talvez pense que o capitalismo é ruim porque é o que a sua família ou o seu professor dizem para ela todos os dias.
Mas se o comportamento de uma pessoa é completamente ou ao menos parcialmente moldado pelo meio social em que ela nasce e vive, então a ideia de que ela não tem liberdade é válida não só para o capitalismo, mas sim para todas as sociedades em todas as épocas. Imagine um contabilista se formou em uma faculdade, trabalha 8 horas por dia no escritório de uma empresa, sempre está de terno e gravata e almeja chegar à administração da companhia.
Há quem diga que, não obstante ele ter escolhido livremente tanto estudar contábeis quanto trabalhar naquela empresa, ele não é livre de verdade. Tudo o que ele quer – a renda extra, a promoção, uma viagem internacional a cada ano e uma casa ao invés de um apartamento – são meras alienações criadas artificialmente pela sociedade. Ele nunca escolheu de verdade. Mas se é por isso, o índio que coleta e caça, pratica canibalismo e tem a ambição de morrer lutando contra outra tribo também está longe de ter liberdade. Apesar de não sofrer nenhuma coerção, tudo o que ele pensa e faz ocorre por causa da influência exercida sobre ele por meio de seus familiares, do xamã e dos demais membros e hábitos da tribo. O mesmo é válido para o romano que apreciava lutas de gladiadores, o estadunidense patriótico, o mongol que saqueava cidades e todas as pessoas ao longo de toda a história da humanidade. Nenhuma delas é livre, sobre esse ponto de vista de que se alguém está mudando o seu comportamento e as suas ideias, você perde a liberdade.
A verdade é que é simplesmente impossível se desvencilhar dessas influências externas. Se elas tolhem a nossa liberdade, então simplesmente ninguém é e jamais será livre. Mas isso não é verdade, porque como já foi dito antes, ser livre significa, tão e simplesmente, não ser coagido a fazer algo e não ser impedido de fazer alguma coisa que não prejudique os direitos de outrem. Seja a família, a escola ou a mídia, nenhuma dessas instituições faz uso da violência para nos influenciar. Sim, uma sociedade liberal é uma sociedade de indivíduos livres.
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2 Comments
André Rezende Azevedo
Existe realmente uma confusão grande entre as pessoas nos conceitos de liberdade positiva e negativa, dissecadas por Isaiah Berlin. Muito bom!
Como literatura adicional, deixo aqui o link da segunda parte de um artigo que começava com a discussão de liberdade e poder (http://www.viagemlenta.com/2014/08/liberdade-e-poder-os-direitos-naturais-de-John-Locke-2.html)
Luciano Rolim
Lerei. Obrigado pela dica!